Prémio Gulbenkian para Humanidade no combate à Covid-19 na Amazónia
Abel Rodrigues tem 20 anos, vive em Portugal há cerca de dois e é membro da Fridays for Future Brasil, movimento climático global fundado por Greta Thunberg. Abel é um dos muitos jovens brasileiros que participaram na campanha SOS Amazónia, desenvolvida pela Fridays for Future, e que foi uma das primeiras contempladas com uma doação proveniente do valor do Prémio Gulbenkian para a Humanidade, atribuído a Greta Thunberg.
A 20 de julho, quando agradeceu a atribuição do Prémio, a jovem ativista sueca revelou de imediato que os primeiros 200 mil euros do montante total do Prémio (1 milhão) iriam, de imediato, para a campanha SOS Amazonia e para a Stop Ecocide Foundation.
A SOS Amazónia foi criada para ajudar a conter os efeitos da Covid-19 na Amazónia brasileira, numa altura em que a situação começava a assumir contornos inquietantes e se temia uma rápida e letal propagação da doença. A campanha juntou-se à enérgica mobilização de vontades e de meios para ajudar, no terreno, as populações indígenas, muitas delas residentes em locais de difícil acesso, agrupadas em comunidades em que a distância social não é uma opção, e sem acesso a cuidados médicos e a material de desinfeção. Para angariar fundos, a SOS criou uma campanha de crowdfunding com o propósito de fazer chegar apoio médico a estas comunidades, cabazes com alimentos e também produtos higiénicos, como álcool-gel.
O espírito que animou a campanha, o entusiasmo e o voluntarismo dos seus membros, aliados à eficácia da sua ação, esteve na base da decisão de Greta Thunberg de doar 10% do valor do Prémio Gulbenkian para a Humanidade à SOS Amazónia.
Um apoio surpreendente
Abel Rodrigues – obrigado a interromper o curso de Direito na Universidade de Lisboa por causa da instabilidade económica que a Covid-19 trouxe à sua vida -, explica como tudo começou.
“Quando a SOS Amazónia lançou a campanha de crowdfunding para angariar dinheiro para a causa, realizou dois vídeos de apresentação com a participação de Greta Thunberg. O primeiro foi feito para sensibilizar líderes europeus e levou à doação de três milhões de reais do Presidente francês Emmanuel Macron e da chanceler alemã Angela Merkel à cidade de Manaus. O segundo vídeo convocava as pessoas a doarem diretamente para a nossa campanha”. Esta colaboração deu um importante impulso mediático à causa, mas a equipa estava longe de imaginar o impacto que esta aproximação iria acabar por assumir. “Quando venceu o Prémio Gulbenkian para a Humanidade, a Greta contactou-me por mensagem a anunciar a premiação e falou da intenção de realizar uma doação de 600 mil reais à nossa causa”. A surpresa foi geral e Abel Rodrigues não poupa palavras para exprimir a profunda satisfação da equipa. “O que mais nos surpreendeu foi a confiança depositada num projeto inteiramente gerido por jovens, com idades entre os 15 e os 21 anos. Já estávamos incrivelmente felizes com os 300 mil reais que tínhamos conseguido obter de doações diretas através da nossa plataforma, mas não esperávamos por uma doação individual tão grande”.
No dia seguinte, a equipa reuniu-se com membros da Fundação Greta Thunberg e ficou decidido que o dinheiro seria entregue à Fundação Amazonas Sustentável a entidade, esclarece Abel, “que atua financeiramente nas questões relacionadas com o projeto SOS Amazónia”. O passo seguinte foi decidir “da forma mais proveitosa e transparente possível, como utilizar esse recurso”. Fizeram um levantamento de todas as ações e despesas da campanha, bem como das pessoas abrangidas e essas informações foram incluídas numa Newsletter que foi enviada a todos os doadores. “Depois”, relata o jovem ativista, “fizemos uma reunião com a Fundação Amazonas Sustentável, com especialistas em saúde indígena e líderes de comunidades, para definir concretamente o destino dos 600 mil reais. Em conjunto, foi decidido usar os recursos na compra de equipamento para implementação de telemedicina (aliás, já previsto no orçamento inicial), na contratação de profissionais, em assinaturas de internet via satélite, e estabeleceu-se uma rede de contacto permanente com profissionais de saúde”. “A nossa ideia”, garante Abel, “é que o projeto possa continuar mesmo após a crise sanitária – estamos fazendo algo que traga retorno imediato mas que permaneça no futuro.”
Cabazes sanitários e alimentares
A entrega de cestas alimentares e sanitárias foi outra das ações desenvolvidas com eficácia pela equipa SOS em colaboração com a Fundação Amazonas Sustentável, a parceira logística da campanha. Em Manaus não houve problemas de maior com as entregas dos cabazes e Abel Rodrigues não esconde a satisfação pelo sucesso: “Estamos felizes por termos ajudado as comunidades locais, contribuindo para a recuperação do sistema de saúde de Manaus, uma vez que as nossas ações impediram grandes deslocações do interior para a cidade e contaminações desnecessárias que lotariam a rede pública de saúde. Manaus é, aliás, uma das poucas capitais no país que se mostra com um futuro promissor pós pandemia.”
Já no interior do Amazonas, a logística foi mais complexa, tendo sido necessário providenciar barcos, lanchas e combustíveis. “A natureza remota destas comunidades, assim como as condições meteorológicas da Amazónia (humidade alta, chuvas constantes), forçaram-nos a comprar gasolina para o transporte e usar plástico para embalar todas as caixas de papelão que guardavam as cestas.” Um dilema para um ativista ambiental que foi preciso resolver com recurso à noção de “justiça climática”. “Somos parte da Greve Climática Estudantil do Brasil, e, naturalmente, posicionamo-nos contra o uso de combustíveis fósseis, assim como o uso indiscriminado de plástico” mas nesta situação deixou de haver lugar para radicalismos e venceu a responsabilidade social: “A vida das pessoas está acima de conceitos morais como deixar de entregar as cestas para não usar gasolina, ou deixar que produtos se estraguem com chuva e humidade para não usar plástico.”
Além de produtos de higiene, os cabazes continham também alimentos específicos da dieta de cada comunidade, variável para cada etnia. Deste modo, garantiu-se a alimentação de mais de 6000 indígenas, evitando os riscos das idas às cidades, em plena pandemia.
Dar força a quem protege a floresta
A realidade é preocupante para os indígenas que se têm assumido como os “verdadeiros guardiães da floresta”, nas palavras de Abel, perante os violentos avanços dos interesses económicos e que agora conhecem uma nova ameaça com esta crise sanitária. O site do movimento Articulação dos Povos Indígenas do Brasil que contabiliza, diariamente, os efeitos da pandemia nesta população, dava conta, no dia 21 de janeiro de 2021, de um total de 46.355 casos confirmados de infeção entre os 161 povos indígenas afetados pelo novo coronavírus, e o registo de 928 mortes.
“É importantíssimo dizer”, sublinha Abel Rodrigues “que as iniciativas da SOS Amazónia não são um ato de heroísmo, é a mais simples obrigação de ativistas ambientais lutar por quem defende mais de 80% da biodiversidade do nosso planeta”.
O grupo tem, no entanto, consciência de que as suas ações estão longe de resolver o drama das comunidades originárias no Brasil, algo que exige, “políticas públicas acertadas e um diálogo sério entre o governo e a sociedade civil”. Algo que não veem acontecer. “Infelizmente, o atual Governo Federal do Brasil não exerce o seu dever de proteger os povos originários, tão pouco de proteger a biodiversidade do país. Na verdade, não é exagero, nem radicalismo, afirmar que o atual chefe de estado se comporta ativamente com a intenção de prejudicar essas populações, e isso é evidente com declarações públicas de ataques diretos, e ofensas, contra os povos originários do Brasil”.
Daí os inúmeros alertas que dão voz às suas preocupações: “A Amazónia é a maior floresta tropical que existe, lar de uma biodiversidade única do nosso planeta. É um tesouro que se espalha por nove países, (União Europeia incluída, se pensarmos na Guiana francesa) mas está próxima do seu ponto de não retorno para se tornar uma savana. Quando isso acontecer, a batalha contra a Emergência Climática estará perdida e todos os países enfrentarão as consequências desse ecocídio.”
Perante as ameaças de uma crise “que pode destruir a vida tal como a conhecemos”, estes jovens ativistas não se cansam de apelar, através das suas ações, para que os povos “forcem os seus governos a colocar a defesa da Amazónia na agenda política internacional” porque, garantem, “a responsabilidade de proteger a Amazônia deixou de pertencer a um governo, e é agora um dever mundial”.
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