“O horizonte de um maestro não pode ser só a música”
A música acompanha-o desde que nasceu. Lorenzo Viotti tem 27 anos, um nome prestigiado na direção de orquestra e será o próximo maestro titular da Orquestra Gulbenkian. Nesta entrevista fala do seu novo desafio e das paixões que alimenta além da música: o surf e as viagens.
Porque decidiu tornar-se maestro?
Ser maestro era algo que eu sentia que queria fazer desde muito pequeno e tornou-se uma necessidade. Tive a sorte de crescer numa família onde a música e o amor pela vida estavam no centro de todas as coisas. Este cargo sempre me fascinou, tanto pela sua complexidade como pela humanidade porque os seres humanos são o instrumento do maestro. Um instrumento delicado e sempre diferente.
O seu pai Marcello Viotti (1954-2005) foi um maestro muito conhecido.
O meu pai foi um grande maestro, um grande homem e um pai maravilhoso. Essa foi, para mim, a mais bela das lições. Não guardo recordações dele como maestro pelo que julgo que não houve uma relação direta com a minha escolha. Sempre quis dirigir e acho que se nasce com esta coisa de gostar de estar perante um conjunto de pessoas e não ter dificuldade em partilhar o que se ama. Claro que há muitas coisas que é preciso aprender. Trabalhei muito para chegar à direção, estudei percussão, piano, canto. Foi um processo longo e que obviamente ainda não acabou. Ser maestro foi sempre o meu sonho, que persigo com seriedade, profissionalismo e respeito.
O que é para si ser maestro? Como define o perfil de um maestro ideal?
Não existe perfil ideal porque cada maestro é diferente. A questão principal para muitos é: para que serve um maestro? Há um lado muito prático num maestro, no sentido em que é um organizador, aquele que, de batuta na mão, põe um grupo de instrumentistas a tocar em conjunto. A grande responsabilidade de um maestro é desenvolver a arte da música clássica, fazendo-a chegar às gerações jovens que não têm grande interesse por ela, talvez por medo de não a compreender. Mas não é preciso compreender a música clássica, o que é preciso é senti-la. E é nossa responsabilidade fazer o público sentir a música de um modo natural. As pessoas veem no palco artistas geralmente com alguma idade e com roupa formal, acham que é preciso também assumir essa formalidade. Mas não. Nós, músicos, somos pessoas completamente normais. Não há uma categoria de pessoas que pode gostar de música clássica. Toda a gente pode gostar.
O que lhe interessa para além da música?
Quando se está apaixonado por um ramo artístico está-se apaixonado por muitas outras coisas. O horizonte de um maestro não pode ser só a música, interesso-me também por arquitetura, pintura, literatura, psicologia, filosofia, enfim, pelo ser humano. Há tantas coisas extraordinárias para aprender que enriquecem a linguagem musical. Conhecer um compositor não é apenas conhecer a partitura, mas também conhecer o período em que viveu, é uma aprendizagem contínua. Faço também muito desporto, adoro surf, snowboard, kitesurf. Gosto muito de viajar, de descobrir, de perder-me na natureza. E, talvez o mais importante, adoro a minha família, viajar com ela, adoro surpreender a minha mãe com as minhas visitas, os meus amigos. Enfim, adoro a vida.
Porque escolheu Lisboa para o seu primeiro cargo de diretor musical?
A primeira vez que me apaixonei pela cidade foi por causa do surf. Vim de férias com a minha família e todos nos apaixonámos pelo charme da cidade, pelas pessoas, pelo mar aqui tão perto e que torna as pessoas naturalmente mais felizes. Apercebi-me então de que se tratava de um país extraordinário, com uma cultura maravilhosa e muito para oferecer. Depois voltei a Lisboa já para dirigir a Orquestra Gulbenkian, num programa especial composto por obras de Wagner, Chausson, Debussy e Scriabin. Impressionou-me o facto de ser uma Orquestra com uma grande vontade de fazer música, conseguindo transmitir emoção e paixão. Senti também o enorme potencial da formação, com muitos jovens com vontade de acompanhar mudanças. Isso dá-me prazer, porque existem muitas orquestras que se sentem confortáveis nas suas tradições e aqui senti uma grande oportunidade para algo de especial acontecer. Adorei também o Grande Auditório e a sua acústica, o Jardim e o Museu, que fazem, realmente, uma combinação muito especial. Outro fator que pesou na minha decisão foi o Coro Gulbenkian com o qual trabalhei num concerto com a Orquestra Juvenil Gustav Mahler e que atingiu um nível fantástico na sua performance.
E quanto ao público de Lisboa?
Depois de ter feito quatro concertos no Grande Auditório, apercebi-me de duas facetas do público: uma pouco ousada e outra capaz de, subitamente, se soltar, não no sentido de fazer uma ovação de pé, mas no sentido de reagir de uma forma autêntica à qualidade de um concerto. Por exemplo, quando acontece um silêncio de 30 segundos depois da última nota de uma obra, sabemos que o público se sentiu tocado. Foi o que se passou aqui no final da Sinfonia de Honegger (n.º3, Litúrgica, com a Orquestra Juvenil Gustav Mahler) que provou que o público sentiu a emoção que tentámos transmitir. Isso é uma grande qualidade num público e é algo que me toca muito.
Como define a relação entre Orquestra e maestro?
A Orquestra é o meu instrumento, sem ela não sou verdadeiramente nada, não posso fazer um concerto sozinho. Os músicos, pelo contrário, são mais do que eu porque podem tocar sozinhos. O que é maravilhoso é quando a Orquestra e o maestro se tornam um. Aí é… o amor.
Qual é o sentido da música?
A música fez parte da minha vida desde pequeno. Eu e os meus irmãos ouvíamos diariamente todo o tipo de música, pop, jazz, hiphop, rock, funk. Para mim, ouvir Schubert ou Schumann não é um modo de relaxar, mas uma necessidade real. Preciso de me banhar nessa atmosfera como se fosse um peixe e a água fosse a música. Daí também o meu impulso de subir ao palco e partilhar essa necessidade que trago dentro de mim. A música é uma linguagem universal sem limites e toda a gente pode sentir uma emoção ao ouvir Bach ou Mozart, assim como pode dançar salsa e sentir-se feliz. É, portanto, algo que pode aproximar as pessoas de diferentes culturas.