Do Outro Lado do Espelho
As escolhas da curadora
Por Maria Rosa Figueiredo
(George Romney)
Esta pintura ilustra de um modo perfeito o papel do espelho na tomada de consciência do “eu”. Nesta fase de autoconhecimento, a criança não está sozinha frente ao espelho, mas acompanhada da mãe que a ajuda a compreender a sua própria identidade. Segundo o relato de Henry Russell (a criança representada neste quadro), a encomenda surgiu num dia em que o pintor presenciou, em casa da família Russell, a cena do menino a brincar com o espelho, amparado pela mãe, tendo exclamado: “aqui está um bonito quadro”. A pintura ficou pronta a 27 de maio de 1787, dia em que a criança completou quatro anos. George Romney foi um dos pintores mais prolíficos e bem-sucedidos da sociedade inglesa do século XVIII, tendo deixado um legado de cerca de 2000 pinturas e 5000 desenhos, espalhado por 23 países.
(Paulus Moreelse)
A pintura de Moreelse mostra-nos uma rapariga de alto estrato social, com o colo e o peito provocantemente expostos, apontando para a sua imagem refletida no espelho à laia de convite à partilha do prazer que ela própria sente ao contemplar a sua juventude e beleza. Esta alegoria é sublinhada pelo quadro na parede, que representa um episódio amoroso das Metamorfoses de Ovídio, e por um livro ilustrado com uma mulher ajoelhada diante de uma imagem de Vénus, a deusa do amor profano. Moreelse nasceu e trabalhou em Utreque, tendo-se distinguido sobretudo como retratista, com encomendas de todos os pontos do país.
(Sir Edward John Poynter)
É verdade que desde sempre o espelho esteve associado à toilette feminina, enquanto desejo de melhorar a sua aparência, de se proteger e de agradar ao “outro”. Já na Antiguidade encontramos o tema frequentemente representado na pintura tendo como protagonistas as deusas do Olimpo. Foi Gentile Bellini (c. 1430-1516) o primeiro a representar a mulher comum em frente ao espelho, sem qualquer outra intenção senão contribuir para realçar a sua beleza. Mas é a partir do século xvii, na Holanda e em França, que a recorrência do tema se afirma: a mulher, sentada em frente ao toucador, vai rodear-se de todos os objetos necessário s à sua maquilhagem. É o que acontece numa das primeiras obras expostas por Poynter na Royal Academy, num início de carreira que viria a mostrar-se prolífica, terminando como Presidente da Instituição. The Bunch of Blue Ribbons data de 1864, ano em que Whistler, seu contemporâneo, pintou Symphony in White, n.º 2: The Little White Girl, uma obra também presente nesta exposição. Como na pintura de Whistler, a face da rapariga pintada por Poynter não parece corresponder à sua imagem especular, como se o pintor quisesse usar o espelho não apenas como reflexo, mas como meio de mostrar um rosto diferente, tratando a figura em contraluz e iluminando o seu reflexo total no espelho.
(Arpad Szènes)
O Autorretrato de Arpad Szènes é uma pintura misteriosa que se integra no núcleo da exposição “Truth and lies within the reflection”, centrado nas inexatidões, nos desvios e nos enganos do reflexo especular. Em 1924, Arpad decide abandonar a sua Budapeste natal e empreender uma longa viagem que, em 1925, o leva a Paris, onde fixa residência. Em 1928, conhece Maria Helena Vieira da Silva com quem casa em 1930. A partir de então realiza numerosos retratos da mulher artista. Neste autorretrato, como noutras pinturas que retratam Vieira da Silva no ateliê, nota-se a simbiose entre os dois seres. Este é um autorretrato simbólico, em que a sua própria cabeça é representada pelo espelho, parcialmente habitada pela mulher que lhe ocupa o pensamento.
(Columbano Bordalo Pinheiro)
No núcleo dedicado ao espelho dos homens, sobretudo usado em autorretratos, escolhemos o Retrato de D. José Pessanha, de Columbano Bordalo Pinheiro, um dos maiores génios da pintura portuguesa na passagem do século XIX para o XX. Nesta pintura, um espelho na parede serve ao pintor para se incluir no quadro, de paleta na mão, a retratar D. José Pessanha. Para além do intimismo, a pintura apresenta variados focos de interesse que se espalham pela superfície do quadro, ganhando autonomia graças à unidade cromática do fundo.
No Outro Lado do Espelho
26 de outubro a 5 de fevereiro
Sede – Galeria de Exposições Temporárias