Leituras em português em Paris
Sábado, 28 de janeiro, foi um dia diferente para os dez jovens que participaram na final do concurso Dá Voz à Letra, na delegação da Fundação Gulbenkian em Paris. Muitos nervos, algumas gripes que lhes afetavam a voz, mas que nem por isso diminuíram o entusiasmo e o empenho com que participaram no espetáculo final, perante um júri formado por Rita Blanco, Pedro Abrunhosa e Rúben Alves. E apesar do regulamento permitir apenas três prémios, no final saíram todos vencedores.
O Canto IX dos Lusíadas parecia uma leitura impossível no primeiro ensaio realizado uma semana antes, nos dois únicos momentos disponíveis para fazerem a leitura conjunta dirigida por Graça dos Santos, professora universitária em França, diretora da companhia de teatro itinerante Cá e Lá e ainda do Festival Parfums de Lisbonne, que cruza as artes performativas, o cinema e a poesia entre Paris e Lisboa. No ensaio deste sábado, antes da leitura perante o público e o júri, a encenadora pedia alegria e descontração para poderem sentir o texto. Helena Vasconcelos, responsável pela escolha dos textos, dava indicações “não se esqueçam que estão na Ilha dos Amores”, alertando para a necessidade de “mais leveza” na interação entre todos.
No ensaio geral, durante a manhã de sábado, era claro o progresso. As seis vozes femininas presentes eram verdadeiras ninfas frente aos rapazes que liam empenhados “Sigamos estas Deusas e vejamos/ Se fantásticas são, se verdadeiras”. Camões parecia simples no meio dos textos de Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner Andresen, Lídia Jorge e muitos outros. Uma atuação só possível graças ao espírito de entreajuda entre todos. Conheceram-se apenas 15 dias antes, na meia-final, mas descobriram muitos laços e fizeram novos amigos. A final do concurso coincidiu com o fim de uma semana intensa de testes na escola, mas também com a altura em que o corpo se ressente do frio; aqui e ali ouviam-se as tosses próprias da época ou dos nervos, mas o grupo estava a postos para a grande final.
Todos mereciam ganhar
Ler em português, em voz alta, é um hábito que Bernardo Picão, o vencedor desta edição, trouxe da escola. Apesar de estar há pouco tempo em Paris (desde setembro), os seus estudos foram feitos no Liceu Francês, no Porto, e a opção por França foi o seguimento natural do seu percurso escolar, que nada tem a ver com a língua portuguesa já que Bernardo está na área da Matemática. Diz que o concurso foi “uma excelente experiência” e que o prémio – uma viagem a Lisboa para duas pessoas – é “a pausa que permitirá descansar da intensidade do curso”.
Matilde Ribeiro Machado tem 16 anos e há 12 que ouve falar francês à sua volta, entre amigos e colegas. Tinha apenas quatro anos quando chegou a França e hoje estuda no Lycée International de Saint-Germain-en-Laye. Quando a professora de Português lhe falou da existência deste concurso, pensou que seria uma ótima oportunidade e um desafio “para testar as suas capacidades de expressão oral”. Matilde estava longe de imaginar que seria uma das três premiadas, entre os dez jovens que deram o seu melhor nesta final de Paris e considera que “todos mereciam ganhar”. Apesar da gripe e da febre com que acordou neste dia, conseguiu vencer o 2.º prémio – um iPad com livros em português – que agora lhe dá “mais confiança” e crença na “possibilidade de alcançar objetivos que à partida pareciam inatingíveis”.
Testar capacidades foi também um dos objetivos de Rodrigo Ribeiro ao candidatar-se ao Dá Voz à Letra. Estuda no Lycée Honoré de Balzac e está desde 2008 em França. A sua mãe é lusodescendente e há nove anos decidiu regressar ao país onde nasceu e estudou. Rodrigo diz que “não era hábito ler em voz alta”, mas que tinha muito gosto quando o fazia. O 3.º prémio que o júri lhe atribuiu revela-lhe as qualidades vocais e a facilidade de expressão na leitura. Rodrigo vê o prémio como o “reconhecimento da importância da leitura” e diz que não vai esquecer esta experiência.
A importância de ler em português
O concurso Dá Voz à Letra foi criado para incentivar a leitura nos jovens entre os 15 e os 18 anos e já realizou edições em Lisboa e no Porto. Este ano, os contemplados foram os estudantes das escolas da Île-de-France – Créteil, Paris e Versalhes. Apesar de todos frequentarem liceus em que a língua portuguesa está presente, estes jovens entre os 16 e os 18 anos falam francês no seu dia-a-dia. Uma das participantes, só há cerca de quatro anos começou a falar bem a língua portuguesa, num esforço para se sentir ligada à terra de origem de um dos pais. E conseguiu chegar à final do concurso, entre quase uma centena de candidatos.
No grupo, há quem pense seguir a carreira de ator, como David Silva, ou quem leia poesia com todas as emoções à flor da pele, como Hugo dos Santos. Para cada um destes jovens, estas leituras são também uma forma de ligação ao país de origem dos pais ou dos avós. A mesma que Rúben Alves, ator e realizador de A Gaiola Dourada, sublinhou no palco no final do espetáculo, realçando a importância de uma língua falada por milhares de pessoas no mundo. E depois de passada a adrenalina, as leituras ficam em segundo plano perante a oportunidade de conversar com Pedro Abrunhosa, Rita Blanco ou Rúben Alves. Entre fotografias e selfies para a posteridade, há muitos sorrisos à mistura com a certeza de que as leituras em português vão continuar a fazer parte das suas vidas.
Saber mais