Entrevista ao compositor Vasco Mendonça
Começou a estudar aos 13 anos, relativamente tarde para qual quer tipo de carreira na música erudita.
“Num primeiro momento queria tocar jazz e toquei durante muitos anos. Tinha um quinteto mas a partir de um determinado momento – estudei piano e guitarra – perdia mais tempo a fazer as minhas experiências composicionais ingénuas do que a estudar para os exames. Lentamente fui percebendo o que queria. É muito violento estudar um instrumento é uma coisa que requer uma certa obsessão e para mim isso não era natural (…) No entanto, o processo de composição é algo bastante sofrido. Todos os dias venho de manhã de metro a pensar ‘mas o que é que estou aqui a fazer outra vez?’ Mas é uma espécie de inevitabilidade. É a única coisa que sei fazer”, revela Vasco Mendonça, compositor de música contemporânea.
Tem a ópera como um dos seus géneros favoritos, já que consegue “reaproximar a música que é uma arte muito abstrata à nossa vida quotidiana”. Assumindo se como um solitário no que à profissão diz respeito é no mundo à sua volta que se vai inspi rando para criar as suas composições. “Tenho uma curiosidade muito grande por tudo sobretudo pelas pessoas Tento estar o mais aberto possível ao que está a acontecer à minha volta seja no campo da música ou das relações. Tento tornar o meu trabalho o mais autobiográfico possível, o que às vezes é difícil já que a música é algo muito técnico. O facto de ligá la às minhas próprias hesitações, obsessões ou aos meus anseios pessoais é uma forma de criar uma ponte mais estreita entre o que sou e o que faço.”.
Hoje, aos 36 anos, Vasco Mendonça é apontado como uma das grandes promessas na composição contemporânea a nível mundial. Mesmo com os obstáculos inerentes à sua profissão, o artista tem vindo a destacar se no cenário internacional com peças como The Boys of Summer (2012) e The House Taken Over (2013). “O compositor contemporâneo é uma figura invisível. Não existe em termos mediáticos (…) É impossível viver da com posição em Portugal. Não há instituições ou dinheiro para haver encomendas regulares que permitam ao compositor viver. Esse tipo de trabalho tem que ser procurado que é o que faço, principalmente a nível europeu. “Uma procura que tem surtido efeito. Prova disso foi o convite por parte da Rolex para participar na última edição do Programa Mestres Discípulos 2014-2015. A iniciativa, criada em 2002, tem como principal missão encontrar jovens artistas promissores e reuni los com grandes mestres da mesma área, durante um ano, a fim de estabelecerem uma relação de tutoria individual.
O programa, que já teve o arquiteto Álvaro Siza Vieira como mestre no seu ano inaugural, recebeu agora o primeiro discípulo português. “É muito recompensador saber que há um interesse. A escolha foi feita por um júri internacional que procurou candidatos no mundo inteiro e achou que o meu trabalho tinha valor para ficar entre os finalistas” explica Vasco. Como mentora, o artista teve ao seu lado a compositora finlandesa Kaija Saariaho. “Nos últimos 30 anos se há uma primeira liga de compositores Kaija está lá (…) Algumas das suas obras são de referência no repertório da segunda metade do século XX. Ela tem um estilo muito particular bastante seguido e imitado.”
O último encontro entre mestra e discípulo aconteceu há cerca de um mês em, Los Angeles. O balanço que faz é positivo. “A Kaija é uma pessoa desassombrada não tem qualquer tipo de vedetismo e foi tudo muito natural. Desde o princípio que foi um diálogo muito tranquilo entre dois artistas que fazem o mesmo. Uma das coisas que gosto no projeto é que não se trata propriamente de uma relação magistral. Sempre assumimos que seria uma espécie de diálogo entre um artista com mais experiência e um artista em início de carreira. Abordámos imensas coisas desde música até questões de gestão de carreira.” Findo o programa, Vasco prevê usar o financiamento do mesmo para a gravação de um CD de música orquestral. “Vou juntar uma encomenda que tenho da Gulbenkian para 2017 de um concerto de piano uma outra obra já encomendada para o aniversário da orquestra em 2012 e uma versão orquestral de outra peça Vou reunir isso tudo num CD.”. Para breve, o compositor conta também estrear uma peça que irá fazer parte de um espetáculo do Festival D’Aix-en-Provence, a decorrer até 27 de julho. “Chama se What the Night Brings é uma peça para cinco vozes e quatro instrumentos e foi criada a partir de um poema de Philip Larkin.”, conclui.
in DOZE, agosto 2015