Calouste era uma pessoa diferente consoante os cenários

Jonathan Conlin em entrevista
Jonathan Conlin
24 jan 2019

Jonathan Conlin, historiador e docente da Universidade de Southampton, é o autor da mais recente e completa biografia de Calouste Gulbenkian, “O Homem Mais Rico do Mundo. As muitas vidas de Calouste Gulbenkian”. A obra apresenta a vida do milionário arménio numa perspetiva inovadora, fundamentada em documentos históricos.

Durante mais de quatro anos, o historiador inglês mergulhou nos arquivos da Fundação, em Lisboa, e em outros dez lugares que marcaram a vida de Calouste, consultou documentos em francês, inglês, arménio, turco, alemão e russo, para contar a vida do homem cuja vida atravessou duas grandes guerras, que foi diplomata, homem de negócios, um visionário na área petrolífera e construiu uma riquíssima coleção de arte.

 

O que desencadeou o seu interesse por Calouste Gulbenkian?

Cheguei até Calouste Gulbenkian quando escrevia a história da National Gallery, um museu em Londres que ele conhecia muito bem. Depois de escrever esse livro, comecei a interessar-me pelo desenvolvimento de Gulbenkian como filantropo e, apos várias publicações, a Fundação Calouste Gulbenkian contactou-me e começámos a discutir a ideia de vir a escrever uma biografia.

Qual foi o facto mais intrigante que descobriu sobre Calouste Gulbenkian?

Uma das coisas que mais me surpreendeu foi perceber o quanto era apaixonado por animais. A imagem que temos dele é a de um homem , muito reservado, muito relutante em falar com estranhos ou com a imprensa, um avô extremoso e um pai e marido por vezes desafiante.

Com os animais, expressava os seus sentimentos muito abertamente. Por volta dos 80 anos chegou, inclusivamente, a escrever uma carta ao diretor do Jardim Zoológico de Lisboa, juntando um cheque, e em que dizia: “Envio-lhe este presente porque quando estou em Lisboa os seus animais são os meus anfitriões.“

Penso que é algo muito interessante de se fazer, tratando-se de alguém na posição de Calouste Gulbenkian, muito formal. Creio ser intencional, quase uma piada, mas também é verdade que ele gostou de visitar o Jardim Zoológico e que gostava muito de pássaros, gatos e todo o tipo de animais.

Porque é que lhe era tão difícil relacionar-se com outras pessoas, quando conseguia expressar sentimentos tao fortes por animais, pela natureza ou pela arte?

Havia muito pouca informação relativamente à sua infância, mas é impressionante que tenha dormido no quarto da mãe até ter sido enviado para Marselha, já com 14 anos.

Deve ter sido um choque, sendo tão próximo da mãe e uma criança tão tímida, ter sido como que expulso do jardim do Éden e enviado numa longa jornada a partir de Istambul. Acho que deve ter havido muita amargura. E é impressionante ele não ter ido ao funeral da mãe quando ela morreu em 1908.

Se pudesse falar com Calouste Gulbenkian e conseguisse ter acesso a informação que lhe falta, o que é que lhe perguntaria?

Ele provavelmente veria um historiador como alguém só um pouco melhor que um jornalista, portanto creio que não falaria comigo de maneira nenhuma. Mas se eu lhe pudesse fazer uma pergunta e se ele tivesse que dar uma resposta, perguntaria o

que aconteceu em 1894, imediatamente após a morte do seu pai. Sendo o mais velho de três filhos, foi ele que assumiu a responsabilidade dos negócios da família. Logo a seguir, surgem rumores de acusações feitas pelos seus irmãos mais novos de que Calouste Gulbenkian teria usado a herança do pai e a teria perdido em negócios de especulação mineira na África do Sul.

Isto pode explicar o corte nas relações familiares, que mais tarde levaram à falência da empresa da família. Eu gostava mesmo de saber o que aconteceu em 1894/5.

Quando se escreve uma biografia, é natural nascer uma identificação com o alvo do estudo. Acha que desenvolveu uma relação especial com Calouste Gulbenkian?

Foi sempre muito claro para mim que Calouste Gulbenkian não queria o meu afeto. Ele tem o meu respeito, exige o meu respeito. Mas não pede tratamento especial ou favores, não estou em posição de poder responder a isso. Creio que serei uma espécie de empregado, embora tenha sido contratado muitos anos após a sua morte.

Acha que conheceu o homem por detrás do mito?

O título escolhido para a biografia “As muitas vidas de Calouste Gulbenkian” é bastante rigoroso, pois acho que ele era uma pessoa diferente consoante os cenários.

Com animais era obviamente bastante diferente daquilo que era com as pessoas, e era diferente com objetos do que com coisas vivas. Por isso, não acho que tenha chegado perto de perceber o verdadeiro “Gulbenkian” porque não acho que haja um.

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