Aprender como num jogo
Francisco Estorninho é professor de Matemática, Lurdes Henriques leciona Ciências Físico-Químicas e António Jorge Gonçalves é artista plástico. Desde o início do ano letivo, juntam-se na Escola Secundária Seomara Costa Primo, na Amadora, para ensinar de uma forma diferente, unindo as valências e características das diversas áreas em que estão especializados. Pertencem a um dos projetos que integram o 10×10, uma iniciativa do Descobrir – Programa Gulbenkian Educação para a Cultura e Ciência. A ideia base do 10×10 parte da colaboração de artistas e professores de forma a desenvolver estratégias de aprendizagem que sejam eficazes na captação de atenção, motivação e envolvimento de alunos do secundário em sala de aula. Para esta 4.ª edição, ao contrário dos anos anteriores, cada artista trabalha com dois professores, indo assim mais além na integração de diversas disciplinas.
“Depois do sofrimento que foi para mim ser aluno de Matemática e Físico-Químicas, fiquei um bocado assustado” explica António Jorge Gonçalves relativamente ao momento em que soube com que disciplinas iria trabalhar. No entanto, diz que isso até tem ajudado o processo a ser “extremamente interessante”, porque o que interessa é trabalhar e fomentar a criatividade – dele, dos professores e dos alunos – e isso é transversal a qualquer disciplina ou matéria. “Aquilo que me é pedido neste projeto é trabalhar com os professores e dar o melhor da minha criatividade. Um artista quando vive a fundo a sua atividade, mais do que a circunstância e o contexto que usa, o que o move é a criatividade.”
E é com a criatividade como motor que os três responsáveis do projeto têm trabalhado com uma turma de 30 alunos do 10.º Ano. Tem havido uma evolução na abordagem utilizada com os estudantes. No início do ano letivo, os educadores inventavam jogos e formas diferentes de lecionar a matéria. Chegando ao final do 1.º trimestre, cabe agora aos alunos imaginar, desenhar e aplicar novos jogos que sejam capazes de transmitir os conteúdos programáticos. “Colaborámos com os alunos. Começámos por lhes propor jogos até chegar ao ponto em que são eles a construir a proposta toda. De certa forma, foi um processo de delegação de poderes”, explica António Jorge Gonçalves. “A ideia foi encontrar uma estrutura muito simples para eles poderem desenvolver individualmente um jogo que se relacionasse com uma parte da matéria, mas tinham toda a liberdade de criar algo mais ou menos lúdico, com mais aprendizagem ou não.”
Assim, divididos em seis grupos, os jovens entre os 15 e 16 anos tiveram que puxar pela imaginação para transformar assuntos sérios em jogos – a massa molar, a tabela periódica, a radiação, energia e espectros, o referencial cartesiano, a equidistância e a união e intersecção. O resultado foi um ginásio transformado em aula de Matemática e Físico-Químicas e que, por sua vez, ora era jogo de twister, ora era pista de corridas, ora era salão de dança – tudo com o propósito de mostrar a Matemática e as Físico-Químicas em funcionamento. Toda a preparação e o trabalho destes alunos foi feito autonomamente e fora do horário das aulas. Do lado dos educadores ficou a responsabilidade de lhes dar apoio e recolocar as ideias nos eixos caso se estivessem a desviar demasiado – “tudo numa lógica de não interferir”, deixando-os inclusivamente errar, reforça António Jorge Gonçalves, até porque: “O erro também faz parte do processo. São eles que têm que pensar e articular o que não funcionou, para mais tarde o corrigir.”
“Isto para eles é uma aprendizagem que irá ficar a acompanhá-los para sempre”, considera a professora Lurdes Henriques. Para ela, o mais notório nestes alunos foi o empenho e a entreajuda que mostraram, principalmente tendo em conta que tiveram que trabalhar fora do horário normal. Quanto a resultados, pensa que é cedo demais para poder vê-los, e nem é o mais importante. Tanto ela como os restantes orientadores deste projeto concordam que o que é vital é o processo, mais do que o resultado final.”
O projeto desenvolvido na Escola Secundária Seomara Costa Primo é um entre os seis que estão a decorrer no âmbito do 10×10. Os processos de trabalho e os resultados de todos os projetos serão apresentados nos dias 30 e 31 de janeiro, no Auditório 2 da Fundação, através de aulas públicas de diferentes formatos, com a finalidade de partilhar o que correu bem e menos bem durante esta aprendizagem mútua.
Reportagem janeiro 2016