“A primeira competência para se estudar matemática é a criatividade”

André Guimarães recebeu a bolsa Gulbenkian Novos Talentos em 2021 pelos seus estudos na área da Matemática. Nesta entrevista, fala-nos do seu percurso e do fascínio pela disciplina.
27 out 2022

Terminou a licenciatura com 19 valores, no Instituto Superior Técnico. No primeiro ano, chegou a fazer dois cursos ao mesmo tempo – Matemática Aplicada e Engenharia Química –, enquanto tentava decidir o que escolher. Ao longo do curso foi mentor no projeto Treetree2, apoiado pela Fundação Gulbenkian e, no terceiro ano, já assistia a cadeiras de mestrado para se preparar para o passo seguinte: um mestrado em matemática pura na Alemanha, começado este mês.

André Guimarães é tudo aquilo que imaginamos quando pensamos num “cromo da Matemática”, mas nem por isso deixa de surpreender. Conheça este Novo Talento Gulbenkian, para quem a matemática é “indispensável” e “muito mais do que fazer contas”.

 

És licenciado em Matemática Aplicada e Computação. Porque escolheste este curso?

Na verdade, a escolha da licenciatura não foi propriamente fácil; durante mais ou menos um ano e meio estive a fazer tanto a licenciatura em Matemática Aplicada como em Engenharia Química, porque não sabia exatamente qual delas preferia. Desde muito cedo tive uma relação mais ou menos profunda com a Matemática, através de certas competições, como as Olimpíadas de Matemática (tanto nacionais como internacionais), mas, no final do secundário, a Química também me chamou muito a atenção. Acabei por perceber que Matemática era de facto aquilo que eu queria fazer e não me vejo a fazer mais nada.

Agora comecei o Mestrado em Matemática pura (não aplicada) porque é essa área que eu prefiro. Estou em Bona, na Alemanha, que é, sem dúvida, um dos melhores sítios da Europa para se estudar Matemática.

 

Há alguma área em particular que gostasses de trabalhar agora ou no futuro?

Não sei responder porque neste momento estou a começar uma nova etapa e ainda não tenho bem definido o que vou fazer durante os próximos dois anos. Sobretudo, acho que há um espaço muito grande entre aquilo que eu sabia, do ensino que tive em Portugal, e aquilo que estou a aprender agora. Os tópicos que se dão no mestrado em Portugal são tópicos de licenciatura aqui, às vezes nem sequer de terceiro ano. É uma diferença grande que ainda estou a tentar colmatar.


Como te sentiste por ganhar a bolsa Gulbenkian Novos Talentos? Qual foi o impacto?

Ganhar a bolsa foi sem dúvida uma das coisas mais importantes que podia ter acontecido na minha carreira porque me permitiu terminar a licenciatura, não só com experiência em investigação – que é uma coisa a que muitos alunos, infelizmente, não têm acesso –, mas inclusivamente com um artigo que já foi aceite para publicação. Isso é importantíssimo para o currículo, e é indiscutível a influência que teve nas ofertas que recebi a nível de mestrado, incluindo aquela que acabei por aceitar. Portanto, o impacto não é mensurável neste momento, mas é muito, muito grande.

 

Em que consistiu a tua colaboração com o projeto Treetree2?

Enquanto estive a colaborar com o Treetree2, tive a oportunidade de seguir ou acompanhar alunos do ensino básico e secundário que tinham interesse em certas áreas da ciência que não são abordadas ou cobertas pelo currículo habitual e que, portanto, recorriam aos cursos proporcionados pela Treetree2 para ganharem essas competências. No meu caso, participei em várias áreas, cheguei a dar cursos de Matemática, Informática e até Química. Também estive envolvido noutro projeto que era ainda mais individualizado, em que ajudei um aluno de oitavo ano a preparar-se para as Olimpíadas de Matemática.

 

Como foi essa experiência como mentor?

Foi diferente de tudo o que já tinha feito, mas é bastante gratificante, especialmente quando os alunos são capazes de compreender aquilo que estamos a explicar e sentimos que fazemos um bom trabalho. É uma alegria para mim poder partilhar o conhecimento que tenho.

 

Tiveste mentores no teu percurso ou és mais autodidata?

Acho que é um pouco das duas vertentes. Sim, sem dúvida que tive pessoas que abriram caminho para aquilo que foi o meu percurso, especialmente porque, lá está, desde muito cedo tive contacto com outras pessoas que também participavam em Olimpíadas de Matemática e, essas pessoas mais velhas, sempre foram, de certa forma, exemplos para mim.

 

O que fazes nos teus tempos livres, quando não estás a ser “cromo”?

Também sou cromo nos meus tempos livres – acabei de dizer que uma das minhas atividades era fazer um segundo curso (risos). Agora já não é. Neste momento, tem sido passado a comprar utensílios de cozinha, lençóis, toalhas, essas coisas, para arrumar aqui um bocadinho o sítio. É a primeira vez que estou a viver sozinho e ultimamente não tenho tido tempo para mais nenhuma ocupação.

 

Porque dirias que a matemática é importante?

Para mim é indispensável porque é das poucas coisas que me vejo a fazer na vida e é algo que me traz realmente alegria. A um nível mais mundano, é uma pergunta um bocadinho mais complicada porque é difícil dar aplicações concretas e imediatas à vida real. Muitas vezes isso acontece através de outras áreas, como a Física, que é construída a partir de ferramentas que vêm da Matemática; as necessidades da Física é que estimulam o desenvolvimento em Matemática.

Claro que as pessoas costumam dizer que tem importância quando a pessoa vai ao supermercado e precisa de fazer as contas para saber quanto é que tem a receber troco… Está bem, mas isso é muito redutor. Vem da perspetiva das pessoas que não sabem bem aquilo que na verdade é Matemática.

©Francisco Gomes

Porque será que a matemática é tão incompreendida?

Acho que tem muito a ver com as ideias pré-concebidas que passam por aí. O único contacto que a maioria das pessoas tem com a disciplina é de que é uma coisa de fazer contas, muito algorítmica. Mas matemática é muito mais do que isso.

Diria que uma das coisas que mais me fascina é a criatividade que alguém precisa de ter para estudar matemática, que é algo de que a maioria das pessoas não se apercebe porque nunca chega a ter contacto com investigação. É isso que me fascina: as ideias, muitas vezes extremamente simples, que surgem para resolver problemas que parecem complicadíssimos à partida. A beleza da matemática é isto.

 

Interessante… Normalmente não se pensa na matemática como uma disciplina criativa.

Mas é, sem dúvida. Se alguém me perguntasse, eu diria que a primeira competência necessária para se estudar matemática é a criatividade.

 

Terá isso também a ver a maneira como se ensina matemática?

Claro que há muitos problemas com o ensino em Portugal e certamente haveria formas de melhorar, de o fazer de forma mais apelativa, convencer mais pessoas de que matemática é interessante, a gostar e experimentar mais… mas é um desafio. Ao longo do percurso, ao estudar Matemática, as ideias vão sendo cada vez mais abstratas. Começar com as ideias mais abstratas com um aluno de segundo ciclo, com 10 ou 12 anos, não é concebível, porque ele não tem maturidade para apreender os conceitos nessa perspetiva. Por isso é que as pessoas não chegam a ter contacto com aquilo que, na minha opinião, é a verdadeira Matemática.

 

Onde é que te vês daqui a cinco ou 10 anos?

Daqui a cinco anos, se tudo correr bem, estarei a fazer o doutoramento, vá-se lá saber onde. (risos).  Continuar por cá pode ser uma hipótese, tal como procurar outro sítio qualquer na Europa, Estados Unidos, Canadá… Depende da área mais específica onde vou começar a trabalhar. Daqui a 10 anos espero já ter acabado o doutoramento, ser professor, estar a dar aulas e fazer a minha investigação.

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