A noite das estreias

Três obras contemporâneas inéditas vão ser apresentadas no Grande Auditório no dia 23, num concerto intitulado Become Ocean. Serão estreadas obras de Luís Antunes Pena, Celso Loureiro Chaves e de John Luther Adams.
09 fev 2018

Num mês em que sobem ao palco do Grande Auditório artistas como o barítono Thomas Hampson, os pianistas Evgeny Kissin e Katia e Marielle Labèque, o maestro Lorenzo Viotti e ainda orquestras como a Royal Concertgebouw de Amesterdão, a Gulbenkian Música apresenta um concerto singular de música contemporânea em que serão tocadas três obras: uma em estreia mundial e as outras duas em estreia nacional.

A primeira obra a ser tocada, Off-balance, é uma estreia absoluta e resulta de uma encomenda da Fundação Calouste Gulbenkian a Luís Antunes Pena (n. 1973), compositor português a viver na Alemanha há mais de uma década.

Composta para dois percussionistas e orquestra, esta obra inspira-se na famosa declaração proferida por George W. Bush, em março de 2003, na qual acusa o Iraque de possuir armas de destruição maciça. “Este texto tem uma influência direta na composição da obra” explica o compositor. “Por exemplo, a percussão que na primeira secção tem uma instrumentação tradicional com vibrafone de um lado e tímpanos de outro, passa para uma secção em que os instrumentos de percussão são usados como corpos ressonantes, sendo simultaneamente amplificadores e filtros de sons e palavras do texto de G. W. Bush”.

A peça evoca também o “imaginário infantil e os jogos de computador através de pequenos robôs e brinquedos mecânicos” que são, no fundo, “os drones modernos com que hoje é feita a guerra”.

Quanto ao título – Off-balance –, o compositor diz tratar-se de uma palavra usada na dança para designar o ponto em que o corpo se desequilibra e perde o controlo sobre si próprio. “No início da obra procurei exprimir esta mudança a partir de um ritmo simples que se transforma de forma muito subtil, quase impercetível, antes de se percecionar como algo completamente diferente”. No entanto, adianta, se “os primeiros minutos são compostos seguindo este princípio, mais tarde o título toma uma dimensão política e Off-Balance torna-se numa espécie desequilíbrio a que a democracia está sujeita”.

 

A música como um tesouro

A segunda estreia da noite dará a ouvir, pela primeira vez em Portugal, a obra Museu das Coisas Inúteis, do compositor brasileiro Celso Loureiro Chaves (n. 1950), que dá continuidade a uma parceria iniciada em 2015 entre a Fundação Calouste Gulbenkian e a Orquestra Sinfónica do Estado de São Paulo (SP-LX). Esta parceria prevê a encomenda de obras a compositores portugueses e brasileiros, com estreias alternadas nas duas cidades.

Descrita pelo compositor como “meditativa”, a obra é composta por cinco movimentos “que podem ser entendidos como peças autónomas”, mas estas “estão ligadas umas às outras por solos de clarinete que são como portas entre as salas de um museu”.

O compositor destaca o facto de a obra ser construída por “diálogos que o violino solista estabelece com os diferentes grupos instrumentais, como se os estivesse a visitar. “É sempre o violino que convida os grupos da orquestra a soar e meditar. Nessas meditações, quatro cidades são homenageadas: Lisboa e três cidades latino-americanas, Porto Alegre, Manaus e Montevideo.”

O título da obra inspira-se no ensaio A utilidade do inútil, de Nuccio Ordine, no qual o filósofo italiano desenvolve o conceito da utilidade das coisas e dos saberes, desvinculados da ideia de lucro, defendendo que “um museu é um tesouro que a coletividade deve preservar ciosamente, a todo custo”. Nesta linha, Celso Loureiro Chaves assume a intenção de, com a sua peça, “criar um espaço para a reflexão, no qual a música apareça como um dos tesouros nas nossas coletividades”.

No âmbito desta parceria entre a Fundação Gulbenkian e a Orquestra Sinfónica do Estado de São Paulo, foram já estreadas obras de Aylton Escobar (Rua do Douradores) e de Luís Tinoco (O Sotaque Azul das Águas). Nesta temporada, para além da peça Museu das Coisas Inúteis, será apresentado também, em estreia absoluta, o Concerto para piano de Vasco Mendonça (15 junho).

 

Um oceano musical

O concerto termina com a estreia nacional da obra Become Ocean, do norte-americano John Luther Adams (n. 1953), a qual valeu ao compositor o Pulitzer Prize for Music em 2014 e que a revista New Yorker descreveu como “o mais belo apocalipse da História da Música”. Com apenas um andamento, a obra foi buscar o título a uma frase do compositor John Cage que Adams explica deste modo: “A vida na terra emergiu do mar. À medida que o gelo polar derrete e o nível do mar sobe, nós humanos enfrentamos a perspetiva de uma vez, literalmente, nos tornarmos oceano.”

Este “triplo concerto” de estreias será interpretado pela Orquestra Gulbenkian dirigida pelo maestro Pedro Neves e conta com a colaboração do violinista brasileiro Luíz Filíp, membro da Orquestra Filarmónica de Berlim, e dos percussionistas Rui Sul Gomes e Nuno Aroso.

No dia 23 de fevereiro, às 20h00, uma hora antes do concerto, na zona de congressos, Sérgio Azevedo falará sobre a obra de John Luther Adams e de Luís Antunes Pena numa sessão aberta a todos os interessados.

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