“A educação é a principal ferramenta para a integração da comunidade cigana”
O percurso escolar de Israel começou numa pequena escola primária na vila da Batalha, em Leiria, e nunca deixou de surpreender. Encorajado desde cedo pela família, persegue agora o seu “sonho de menino” – a Medicina – em Lisboa, aliando o gosto pelo que está a aprender com trabalho árduo, que chega a traduzir-se em 16 horas de estudo por dia.
Esta é a receita de sucesso que, levada até ao fim, fará de Israel Paródia o primeiro médico da comunidade cigana em Portugal. Conheça o percurso e as motivações deste bolseiro Gulbenkian Mais.
Diz que o facto de ser um excelente aluno lhe abriu as portas para o seu “sonho de menino”. Sempre quis seguir Medicina?
Sempre tive essa ideia, desde pequeno. Acho que surgiu quando perguntei ao meu pai qual era a melhor profissão do mundo e ele me respondeu que, apesar de existirem várias profissões dignas, para ele a mais nobre, que exige muito sacrifício e implica salvar uma vida humana, é a de ser médico. Ficou-me na cabeça.
Como foi a adaptação à faculdade?
A nível de ambiente a Faculdade é ótima, não tenho nada a apontar. Na primeira semana, a praxe foi muito integradora. Permitiu-nos conhecer todos os nossos colegas, do nosso ano e mais velhos. Nesse sentido foi espetacular.
Agora, a nível das disciplinas e da matéria, quando começam as aulas a sério, é um grande choque. Há uma grande quantidade de matéria a que não estamos habituados, mesmo que sejamos bons alunos no secundário e estejamos habituados a estudar.
Para estar neste curso temos de ter mesmo amor àquilo que fazemos e estudamos. Se houver incerteza, por mais pequena que seja, pode desencadear uma desistência. No início somos todos bons alunos e chegamos todos com médias altíssimas, mas existe sempre aquele medo de “será que irei continuar a ser um bom aluno?”, “será que os outros são melhores do que eu?”. Tive sempre esse receio, mas depois de muito trabalho e dedicação – no primeiro ano cheguei a estudar 15 ou 16 horas por dia – acho que estou a ter resultados positivos.
Ao longo do seu percurso, quais foram os maiores obstáculos? Alguma vez se sentiu prejudicado?
Prejudicado diria que não. Tanto a minha família como os professores e colegas que tive foram sempre uma grande ajuda para mim.
Por exemplo, quando fiz a escola primária, em Leiria, estava a viver em Porto de Mós. A minha família, sabendo que eu gostava daquela escola, só para não me destabilizar, tinha de fazer todos os dias trinta e poucos quilómetros, porque tinham medo que, se eu fosse para outra escola, perdesse o andamento ou os amigos. Acho que tomaram sempre as melhores decisões para mim.
O que é que mais o motivou até aqui? E o que o motiva agora?
O que mais me motiva é a vontade de querer ser melhor todos os dias, tanto a nível profissional como pessoal. E no fundo, num futuro próximo, poder ter um papel preponderante na nossa sociedade; que o pouco que faça, faça diferença na sociedade. Acho que isso é o principal e foi uma das razões pelas quais escolhi esta profissão que, mais do que uma profissão, é um modo de vida.
Que diferença fez a Bolsa Gulbenkian na sua vida? Como se sente por fazer parte deste grupo de Bolseiros Gulbenkian?
Quando me candidatei nunca pensei ser escolhido, porque sabia que a bolsa da Gulbenkian é muito concorrida. Foi e é um grande privilégio ser bolseiro da Gulbenkian.
Mais do que a parte monetária, que ajuda imenso e faz uma grande diferença, também já tive alguns encontros com outros bolseiros e formações a nível de inteligência emocional. Essa componente da bolsa também é muito importante para conhecermos outros bolseiros e vermos que a vida não são rosas, existem sempre obstáculos, e a melhor forma de ultrapassá-los é saber como lidar com eles.
Como é viver sozinho aqui em Lisboa, numa residência universitária?
No início foi um pouco mais complicado, foi um choque. Estava habituado a viver em casa e a minha mãe fazia-me tudo (risos). Esta é a capital, é uma cidade com um movimento completamente diferente.
Lembro-me que inicialmente, quando ia apanhar o metro, olhava para o lado e parecia que via um bando de ovelhas todos à procura da mesma coisa, e ficava um pouco chocado. Passado uma semana, reparei que eu já era mais uma ovelha desse rebanho. Em pouco tempo habituei-me ao ritmo da cidade e vou-me desenrascando.
Onde se vê daqui a 10 anos?
Espero já ter terminado o curso, que são seis anos, e já estar a exercer. Tento manter sempre as ideias e portas totalmente abertas, porque ainda estou no segundo ano e aquilo que penso hoje posso não pensar amanhã, mas neste momento estou mais inclinado para as especialidades cirúrgicas.
Talvez venha a ser o primeiro médico da comunidade cigana em Portugal. O que é que isso o faz sentir?
Em primeiro lugar, faz-me sentir um grande peso de responsabilidade nos ombros, porque há muitos jovens que estão agora a estudar e que olham para mim, espero eu, como um exemplo a seguir. Porque a educação é a principal ferramenta para a integração da comunidade cigana; quanto mais cedo percebermos isso, mais fácil será o futuro, com mais oportunidades iguais para todos. Esse é o principal objetivo.
A habitação também é uma parte muito importante. Eu felizmente tive a sorte de nunca viver numa habitação social e de ter estado sempre integrado. Para quem vive num meio completamente isolado, o caminho torna-se muito mais difícil, portanto intervir na habitação também é um aspeto essencial para que não haja esta segregação [da comunidade cigana].