Call to Action

A humanidade enfrenta uma crise climática severa e sem precedentes, com consequências devastadoras para as pessoas, natureza e economia.

Os últimos oito anos foram os mais quentes de sempre[1], uma situação impulsionada por concentrações de gases de estufa em constante crescimento e devido ao calor acumulado na atmosfera. Os impactos climáticos tem vindo a aumentar em todo o globo à medida que o aquecimento global acelera[2].

Episódios de seca que duram há vários anos no Corno de África, cheias sem precedentes no Sul da Ásia, ondas de calor extremo no verão e secas violentas em várias regiões no hemisfério norte indicam que as alterações climáticas impactam fortemente a humanidade e que os riscos globais continuam a aumentar. As cheias no Paquistão afetaram cerca de 33 milhões de pessoas, e obrigaram à deslocação de 7,9 milhões de pessoas. No Bangladesh, as piores cheias dos últimos 20 anos afetaram cerca de 7,2 milhões de pessoas, tendo-se registado 481 000 deslocados[3].

2021 foi o ano mais quente registado em termos de calor acumulado nos oceanos[4] (último ano avaliado), enquanto a subida do nível médio das águas do mar também atingiu novos recordes em 2022. O aumento da temperatura aumenta o risco de perdas irreversíveis nos ecossistemas marinhos e costeiros. Os recifes de coral são especialmente vulneráveis às alterações climáticas. Prevê-se uma perda de entre 70 a 90% da sua área de cobertura para um aquecimento de 1,5°C e de mais de 99% para 2°C [5].

De facto, todos os tipos de ecossistemas – terrestres, de água doce, costeiros e marinhos – bem como os serviços que estes proporcionam, são afetados pelas alterações climáticas. Prevê-se que o número de espécies extintas aumente dramaticamente à medida que a temperatura global aumenta – sendo 30% maior para um aumento de temperatura de 2°C, em comparação com 1,5°C [6].

As alterações climáticas já estão a causar impactos em todas as regiões do mundo. De acordo com o Sexto Relatório de Avaliação do IPCC – Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade (WGII)[7], os impactos climáticos já são mais generalizados e severos do que o esperado, sendo que os riscos irão escalar com menores aumentos de temperatura, causando perturbações graves e generalizadas na natureza e na sociedade, afetando a nossa capacidade de garantir segurança alimentar e nutricional, água potável limpa ou mesmo abrigo seguro para todos. 

O nosso mundo – 1,1ºC mais quente – não é justo, onde as mulheres, idosos e crianças em agregados familiares de baixo rendimento, bem como grupos minoritários, são os que mais irão sofrer com os impactos das alterações climáticas.  Uns alarmantes 3,3 a 3,6 mil milhões de pessoas (cerca de 40% da população) vivem em países altamente vulneráveis aos impactos climáticos[8], principalmente no Sul Global, com hotspots globais concentrados em Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, no Ártico, Ásia Meridional, América Central e do Sul, e grande parte da África Subsaariana.

Perante a incerteza quanto ao futuro da Humanidade, é importante realçar algumas das previsões para os cenários delineados:

  • De acordo com o Banco Mundial[9], até 2050, cerca de 143 milhões de pessoas da África Subsaariana, América Latina e Ásia Meridional poderão ser forçadas a abandonar as suas casas devido à subida do nível médio da água do mar, à escassez de água ou a perdas agrícolas. Estima-se ainda que, até 2030, a crise climática possa colocar mais 100 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema, a nível global[10].
  • De acordo com a Organização Mundial de Saúde, é expectável que, entre 2030 e 2050, as alterações climáticas causem um acréscimo de 250 000 mortes por ano, devido à má nutrição, malária, diarreia e stress por calor[11]. Os países com fracas infraestruturas de saúde, na sua maioria países em desenvolvimento, serão os menos aptos a responder a estas ameaças.[12] Realce-se que em países altamente vulneráveis, a mortalidade devido a secas, tempestades e cheias no período de 2010-2020 foi 15 vezes maior do em países com uma vulnerabilidade mais baixa. Desde 2021, cerca de 2,3mil milhões de pessoas tem sido vítimas de insegurança alimentar, o que corresponde a 9,8% da população global[13].

 

A crise climática conduziu o mundo a múltiplos pontos de não retorno “desastrosos”. Cinco perigosos pontos de não retorno podem já ter sido ultrapassados devido ao aquecimento global de 1,1ºC causados pela humanidade até à data[14]. Estes incluem: o colapso da calota polar da Groenlândia; o colapso do principal sistema de correntes do Atlântico Norte; a disrupção dos ritmos de precipitação dos quais dependem milhares de milhões de pessoas para a produção de alimentos; o descongelamento repentino do permafrost rico em carbono; e alterações às vastas florestas do norte e perda de quase todos os glaciares de montanha[15].

O objetivo de 1,5 graus já não é suficiente para garantir um futuro seguro, resiliente e sustentável para todos. Num estudo recente publicado na revista Science[16], os cientistas enfatizaram que manter o aumento da temperatura média global abaixo dos 1,5°C desde o período pré-industrial é crucial para prevenir os impactos das alterações climáticas mais graves e em cadeia.

De acordo com o Sexto Relatório de Avaliação do IPCC – Mitigação das Alterações Climáticas (WGIII)[17], sem uma redução profunda e imediata das emissões em todos os setores e regiões, será impossível manter o aquecimento global abaixo dos 1,5°C. O mundo não está a caminhar para alcançar os objetivos do Acordo de Paris e, com as políticas atualmente em vigor e sem ações adicionais, as temperaturas globais podem aumentar 2,8 °C até ao final do século[18]. Em 2021, o IPCC estimava uma probabilidade de 50% de falhar o Acordo de Paris e reiterava que, sem reduções drásticas nas emissões de gases com efeito de estufa, poderá ocorrer um aumento de temperatura de 2,7ºC em relação aos níveis pré-industriais até ao final do século, com consequências devastadoras para a humanidade[19]. Muitas destas mudanças serão irreversíveis durante séculos a milénios, especialmente as alterações em curso no oceano.

O Relatório lançado em 2022 pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP) que avalia as lacunas de emissões (Emissions Gap Report) concluiu que para cumprir o objetivo acordado internacionalmente de 1,5°C e evitar uma catástrofe global, o mundo precisa de reduzir as emissões em 45% até 2030[20]. Desde a COP26 em Glasgow em 2021, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) novas e atualizadas praticamente não tiveram impacto sobre a temperatura que podemos esperar encontrar em 2100.

Uma abordagem gradual já não é uma opção. O clima a que estaremos expostos no futuro depende das decisões que tomarmos agora.

As evidências relacionadas com os impactos observados, os riscos previstos, a evolução da vulnerabilidade e os limites de adaptação, demonstram que a ação climática a nível mundial em prol de um desenvolvimento resiliente é mais urgente do que anteriormente se antecipava [21].

O mundo precisa urgentemente de aumentar os esforços de adaptação aos impactos das alterações climáticas que já se fazem sentir e das que não poderão ser evitadas. À medida que as temperaturas globais aumentam, as respostas adaptativas tornam-se menos eficazes[22]. As sociedades e ecossistemas estão a atingir os limites da adaptação, para além dos quais se podem esperar mais perdas e danos.

Esta resposta exige uma ação ambiciosa e urgente. Tanto as respostas de mitigação como as de adaptação estão interligadas, e são fundamentais para ajudar os países e comunidades vulneráveis a lidar com os impactos das alterações climáticas.

A resposta à emergência climática passa por uma mudança imediata, estrutural e sistémica em vários aspetos da sociedade, exigindo ação por parte dos governos, investidores e empresas, das organizações não governamentais, das fundações, sociedade civil, instituições de ensino, centros de investigação científica, meios de comunicação social, e através da criação de parcerias com grupos tradicionalmente marginalizados, comunidades locais e minorias étnicas visando um modelo de crescimento neutro em carbono, que salvaguarde a justiça social.

Importa assim adotar respostas integradas que contribuam para uma transição robusta e inclusiva, que responda aos desafios do século XXI, que defenda os princípios propostos na Agenda 2030 das Nações Unidas, e que privilegie a sustentabilidade do planeta e das sociedades humanas. A guerra na Ucrânia, a escassez da oferta global e a pandemia de COVID-19 contribuíram para uma crise galopante de segurança energética e alimentar, tornando este desafio ainda maior.

No seguimento dos compromissos assumidos no Pacto Climático de Glasgow (COP26) e o recentemente anunciado Plano de Implementação de Sharm el-Sheik (COP27), é agora crucial manter vivo o sentimento de emergência climática, acelerar a implementação de ações concretas e medidas capazes de contribuir para a redução das emissões de gases de estufa, aumentar a resiliência e adaptação dos ecossistemas naturais e das populações aos impactos climáticos, apoiar as comunidades com  perdas e danos que já ocorreram, bem como proteger e restaurar a biodiversidade e os ecossistemas naturais, incluindo florestas e oceanos.

A transição para uma sociedade com impacto neutro no clima é urgente e uma oportunidade única para construir um futuro apoiado numa simbiose entre a sociedade e o ambiente, que se baseie num sistema económico sustentável e gerador de prosperidade e bem-estar.

A Fundação Calouste Gulbenkian pretende contribuir para esta transição. Comprometida com toda a humanidade, tem na sua missão o apoio ao desenvolvimento sustentável, promovendo ativamente o bem-estar e a qualidade de vida dos grupos vulneráveis da população, em equilíbrio com a proteção do ambiente e a prosperidade económica. 

O Prémio Gulbenkian para a Humanidade sublinha o compromisso da Fundação com a urgência da ação climática, no investimento em soluções que beneficiem as pessoas e o planeta, e em manifestar que ainda existe esperança se agirmos agora. Na preparação para a COP28 em 2023, o Prémio será uma iniciativa emblemática que reconhecerá pessoas ou organizações que estejam a contribuir de forma excecional para o combate à crise climática; contribuições que possam mitigar os efeitos negativos das alterações climáticas nas pessoas, no ambiente e na economia, e promovam uma sociedade que seja mais resiliente e preparada para a futura mudança global, enquanto protege os mais vulneráveis.

 

[1] https://public.wmo.int/en/our-mandate/climate/wmo-statement-state-of-global-climate
[2] https://www.unep.org/resources/adaptation-gap-report-2022
[3] https://public.wmo.int/en/our-mandate/climate/wmo-statement-state-of-global-climate
[4] https://www.carbonbrief.org/state-of-the-climate-how-the-world-warmed-in-2021
[5] https://public.wmo.int/en/our-mandate/climate/wmo-statement-state-of-global-climate
[6] https://public.wmo.int/en/our-mandate/climate/wmo-statement-state-of-global-climate
[7] https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-working-group-ii/
[8] https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-working-group-ii/
[9] https://openknowledge.worldbank.org/bitstream/handle/10986/29461/GroundswellOVpt.pdf?sequence=20&isAllowed=y
[10]https://www.undp.org/content/undp/en/home/blog/2018/Climate_Change_and_the_Rise_of_Poverty.html
[11] https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/climate-change-and-health
[12] https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/climate-change-and-health
[13] https://public.wmo.int/en/our-mandate/climate/wmo-statement-state-of-global-climate
[14] https://www.science.org/doi/10.1126/science.abn7950
[15] https://www.science.org/doi/10.1126/science.abn7950
[16] https://www.science.org/doi/10.1126/science.abn7950
[17] https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg3/
[18] https://www.unep.org/resources/emissions-gap-report-2022
[19] https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-working-group-i/
[20] https://www.unep.org/resources/emissions-gap-report-2022
[21] https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-working-group-ii/
[22] https://www.science.org/doi/10.1126/science.abn7950

 

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