Pós-Pop. Fora do lugar-comum

Mais de duas centenas de obras realizadas, na sua grande maioria entre 1965 e 1975, são expostas na Galeria Principal da Fundação Calouste Gulbenkian, a partir de dia 20.
13 abr 2018

Com curadoria de Ana Vasconcelos e Patrícia Rosas, a exposição dará conta do modo como diversos artistas portugueses e ingleses receberam e, de alguma forma, transcenderam a lição da Pop, afastando-se do lugar-comum proposto por esta linguagem.

Nomes fundamentais da cena artística e cultural britânica como Allen Jones, Patrick Caulfield, Jeremy Moon, Tom Phillips ou Bernard Cohen estarão representados nesta exposição, onde também se poderão ver obras de artistas como Teresa Magalhães, Ruy Leitão, Fátima Vaz, João Cutileiro, José de Guimarães, Eduardo Batarda, Menez, Nikias Skapinakis, Clara Menéres, entre muitos outros. Tem um destaque especial a obra deste período realizada por Teresa Magalhães e que permaneceu até hoje praticamente inédita, bem como a obra igualmente pouco conhecida de Ruy Leitão, que estudou em Londres com Patrick Caulfield, que o considerava um dos seus alunos mais brilhantes.

Em exposição estará também um número considerável de obras da Coleção Moderna do Museu Calouste Gulbenkian, algumas das quais pertencentes ao núcleo de arte britânica adquirido em Londres entre 1959 e 1965. São igualmente apresentadas obras provenientes das coleções do Arts Council e do British Council de Londres e outras provenientes de coleções institucionais e de colecionadores privados portugueses.
Em entrevista, as duas curadoras, Ana Vasconcelos (A.V.) e Patrícia Rosas (P.R.), sugerem várias pistas de leitura para esta exposição.

 

Quais as principais linhas de força desta exposição?
A.V. – Podemos falar de um olhar inovador sobre o núcleo conotado com a Arte Pop da Coleção Moderna do Museu Calouste Gulbenkian, nomeadamente o importante acervo de arte britânica dos anos de 1960, pondo em causa a sua filiação eminentemente pop. O mesmo se passa relativamente a um conjunto significativo de obras de artistas portugueses desse período. Bernard Cohen, uma das figuras mais importantes na conceção desta exposição, e que é hoje um artista muito valorizado – tem 12 obras expostas na coleção permanente da Tate –, defende que, à data do surgimento da linguagem da pop em Londres, por meados da década de 1950, estavam a ser feitos trabalhos artísticos muito interessantes, com diferentes valores estéticos.
Havia uma aposta na criatividade e tudo isso ficou suspenso com a chegada da Pop Art. Cohen considera que a Pop apelava a um número limitado de temas figurativos e que se tratou de um primeiro movimento artístico forjado a nível internacional e inteiramente controlado pelos media. Uma posição um tanto radical, mas que nos fez perceber mais claramente que nem tudo o que não cabia na Pop era abstração lírica ou expressionismo abstrato, havia outras tendências igualmente interessantes que enunciavam um possível futuro na criação artística.
Muitos dos artistas conotados com a Pop recusaram essa filiação, criaram obras onde a abstração e a figuração se conjugavam, obras com humor, e um sentido do absurdo, do nonsense, com grande poder de comunicação. Em resumo, a exposição questiona a hegemonia da Pop e das suas sequelas na arte britânica, estendendo esse questionamento, em força, para o mundo português.

 

Como é que os artistas portugueses viveram esses desvios?
P.R. – Há dois artistas que assumem um lugar de destaque: Teresa Magalhães e Ruy Leitão, que tal como Bernard Cohen, estiveram na matriz da conceção desta exposição. Ambos seguem um prisma pop no que toca à imagem, ao design e às questões estéticas do movimento, mas extravasam-no no modo como mostram os objetos ou usam outras técnicas, desviando-se significativamente do enfoque pop. Assim, como muitos outros artistas portugueses, Teresa Magalhães adota uma atitude de contestação em relação ao ensino das Belas-Artes em Portugal, que acusava de defender os valores tradicionais e condicionar a liberdade criativa dos alunos. Grande parte das obras da artista aqui expostas foram realizadas no seu ateliê, à margem da Escola. Quanto a Ruy Leitão, filho da pintora Menez, viveu em Londres entre 1966 e 1970, experienciando, por isso, um outro contexto social e artístico.
A.V. – É importante realçar que Ruy Leitão vive em Londres, é um artista internacional, não sofre o isolacionismo português. Já Teresa Magalhães vive em Portugal, produzindo um trabalho extraordinário com um forte sentido de época, adotando um vocabulário pop, mas com incursões abstratas e minimais que conjugou com o cinema, a música, a moda ou a fotografia. Em 1973, a artista virou-se decisivamente expressionismo abstrato do pós-Guerra de que falava Cohen e que, nas suas próprias palavras, possibilitava uma muito maior liberdade criativa.

 

A fronteira entre Pop e pós-Pop nem sempre é fácil de traçar…
A.V. – É uma fronteira bastante ténue. Esta exposição propõe mostrar as derivas de muitos artistas que, apesar de conotados com a Pop, se afastam da sua linha clássica, e estes desvios são múltiplos e diversificados. Mas existem também sobreposições. Se folhearmos um catálogo da Pop Art clássica e olharmos para as obras expostas percebemos a diferença, embora seja por vezes difícil de explicar. E esse é um pormenor que me agrada, que os nossos olhos saibam mais do que aquilo que conseguimos definir com clareza.
P.R. – A exposição apresenta, de facto, uma pluralidade de linhas, abarcando, por exemplo, as tendências minimalistas, fora de um universo pop. Neste universo já por si se distinguem uma pop britânica, mais nostálgica, nascida numa cultura material e popular europeia em que sobressaem as colagens, os postais, e a muito diferente pop americana, mais fria, mais dura, mais comunicativa, mais imediata. Já no caso português, os desvios da Pop surgem em obras com uma forte carga política ou em torno de temas como o corpo ou o corpo erotizado.

 

Há mesmo uma singularidade no caso português…
A.V. – É uma questão muito interessante, para a qual Penelope Curtis (diretora do Museu Gulbenkian) chama a atenção na introdução ao catálogo, ao afirmar que existe uma “Pop ibérica” que está a ser reconhecida pela história de arte atual, assim como existe uma Pop em países de Leste que, tal como a nossa, foi usada contra o regime então vigente. A questão é sempre a mesma: quando se passa pela malha apertada da censura há que dizer as coisas de outra maneira. Eram muitas vezes obras cáusticas e críticas. Em Portugal, com a Revolução de Abril, fez-se ouvir, também, a voz de uma utopia social e política.
P.R. – Muitas obras expostas refletem essa vivência; a mais realista é a representação que Clara Menéres faz de um soldado morto da guerra colonial. Alguns artistas passam por Angola, como José de Guimarães e António Palolo. Guimarães expõe mesmo no Museu de Luanda, em 1968, e algumas dessas obras são aqui apresentadas. Palolo é bastante apoiado em Angola por Guimarães e na sua obra as imagens conotáveis com a situação de guerra surgem de uma forma humorística, muito colorida, como um pequeno teatro de marionetas. Eduardo Batarda fez serviço militar, mas não chegou a ir para África; vai nessa altura para o Royal College, em Londres, onde faz a crítica artística mais mordaz e contundente em relação à situação colonial portuguesa.

 

Haverá muitas obras inéditas?
A.V. – Sim, a começar pelas de Teresa Magalhães, de quem só foram cá expostas anteriormente duas obras deste período. Do Ruy Leitão será apresentada uma pintura que nunca foi vista, por ter ficado em Londres desde os anos em que ele lá viveu. Teremos também esculturas inéditas de João Cutileiro e obras realizadas em Angola por José de Guimarães que nunca foram expostas. Serão também mostradas quatro obras bordadas de Clara Menéres, as quais, desde que foram feitas e expostas pela primeira vez, nunca mais foram vistas. Retomam-se trabalhos feitos em Londres por Ana Hatherly e por Sena da Silva, bem como pinturas de Maria José Aguiar e de Fátima Vaz raramente expostas. São duas artistas com uma obra
muito interessante e que caíram no esquecimento. O público terá também a oportunidade de admirar a obra que esteve na primeira exposição que Paula Rego realizou em Lisboa, na Sociedade Nacional de Belas-Artes, em 1965. Nessa altura, a artista só vendeu duas peças e uma delas – Manifesto (For a Lost Cause) – foi comprada pela Fundação Gulbenkian.

 

Além das obras, há algum pormenor da montagem a destacar?
P.R. – Gostava de chamar a atenção para uma curiosidade na montagem desta exposição; aliás, para três curiosidades. Ao longo do percurso serão vistas três grandes caixas pretas, uma espécie de “gabinetes temáticos”, que têm um trabalho gráfico original e que serão três momentos underground da exposição. Estes espaços, visitáveis, estarão repletos de obras, cartazes, documentos, música, imagens de arquivo, etc. A primeira caixa é dedicada à moda e à música; a segunda ao corpo erotizado e ao novo cinema; e a última prende-se com a questão política nacional.

 

O que esperam que o público leve desta exposição?
A.V. – Esperamos que as pessoas se divirtam com o que vão ver. É uma exposição colorida, visualmente muito forte, com grande diversidade e que valoriza a arte portuguesa deste período. Apresenta as coisas de outra maneira, propõe quase um flashback sobre estes anos (uma revisitação para quem os viveu), ou outra narrativa para os mais novos. Trata-se do nosso passado recente e quanto melhor o conhecermos, maior consciência ganhamos sobre o futuro.

 

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