Iniciativa Gulbenkian para os Oceanos

12 nov 2013

Quanto vale um clima ameno ou uma vista para o mar? E quanto vale o acesso a peixe fresco?
Num país como Portugal, com uma tão vasta área marítima sob a sua alçada, a Iniciativa Oceanos foi criada pela Fundação Gulbenkian em 2013 para ajudar a responder a estas perguntas, melhorando a perceção pública e política dos benefícios que nos trazem os ecossistemas marinhos e costeiros. Damos-lhe aqui a conhecer as linhas programáticas desta Iniciativa, que aposta na investigação científica, nas atividades de capacitação e na mudança dos processos de tomada de decisão, a nível local, nacional e global.

24 de março de 1989. O petroleiro Exxon Valdez embate num recife do Golfo do Alasca e o resultado é um derrame de 40 milhões de litros de crude, espalhados por cerca de 2.000 quilómetros de costa, afetando ecossistemas muito sensíveis. A primeira coisa que ocorre ao pensar neste acidente é o custo ambiental que originou. Mas a verdade é que nesse ano observa-se um pico no PIB dos Estados Unidos – o acidente acabaria por ter um impacto positivo na economia. A explicação é “simples”: foram contabilizados os benefícios privados da atividade económica ligada aos trabalhos de limpeza, mas não foram considerados os custos públicos de um dos mais graves desastres ambientais da história. Tal como acontece com os benefícios públicos, é recorrente o valor económico dos custos públicos não estar determinado. E se não está determinado, não pode ser contabilizado.

A missão da Iniciativa Gulbenkian Oceanos é promover a valoração económica dos serviços prestados pelos ecossistemas marinhos e costeiros, que mais não são do que os benefícios que retiramos da sua existência e funcionamento.

 

Os serviços prestados pelos ecossistemas marinhos e costeiros incluem os serviços de provisão, de regulação e culturais, que afetam diretamente o bem-estar humano; e os serviços de suporte, essenciais para a existência dos outros serviços dos ecossistemas. Os serviços de provisão incluem todos os benefícios materiais (produtos) derivados dos ecossistemas, tais como o peixe e o marisco, o gás natural e os recursos bioquímicos e farmacológicos usados nos medicamentos e produtos de cosmética. Os serviços de regulação incluem os benefícios obtidos pela regulação dos processos dos ecossistemas, tais como a regulação do clima, a absorção de CO2 da atmosfera, e a estabilização da linha de costa. Os serviços culturais são os benefícios não-materiais derivados dos ecossistemas, tais como os benefícios estéticos, espirituais e psicológicos que afetam diretamente as relações sociais, a diversidade cultural e diferentes formas de recreação e turismo, entre outros. Por último, os serviços de suporte, tais como a fotossíntese realizada pelo fitoplâncton marinho e que fornece metade do oxigénio que respiramos.

 

“Os ecossistemas marinhos prestam serviços cruciais para o bem-estar humano e para a prosperidade económica. No entanto, e porque o seu valor económico é geralmente desconhecido, não é reconhecido nas decisões técnicas e políticas que afetam os ecossistemas marinhos”, lê-se no manifesto desta Iniciativa. O manifesto alega também que, em contraste com o progresso já feito na valoração dos serviços dos ecossistemas terrestres, existe uma carência de dados relacionados com os ecossistemas marinhos e o seu valor económico.

Os oceanos são também um meio natural para o transporte de pessoas e bens. No entanto, e contrariamente às redes viárias e ferroviárias, que têm custos associados bem definidos, o transporte marítimo não reflecte no seu custo o valor económico desta infra-estrutura natural: o espaço marítimo. É no entanto um facto que mais de 90% do comércio mundial é feito por via marítima. O clima ameno de Lisboa, que se deve ao facto da corrente quente do Golfo do México atravessar o Atlântico, é outro exemplo comum destes benefícios, tal como o acesso a peixe fresco. Nesse aspeto Portugal está aliás muito bem posicionado: dispõe de uma grande variedade de espécies consumíveis, pelo facto de se encontrar numa zona de charneira, entre o Atlântico Norte e o Atlântico Sul, com alguma influência do Mediterrâneo. O problema é que frequentemente estes benefícios são negligenciados quando se tomam decisões políticas. Por isso há gestos que importam, como a assinatura em junho deste ano de um protocolo de cooperação entre a Fundação Calouste Gulbenkian (no âmbito da Iniciativa Oceanos), a Direção-Geral de Política do Mar, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, e a Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental, onde já se reconhecia “a necessidade de integrar os serviços dos ecossistemas marinhos nos processos de tomada de decisão como elemento essencial”.

 

Uma preocupação global
A Iniciativa Gulbenkian Oceanos surge de uma preocupação a nível global e aplicável a nível nacional, nascendo assim na sequência de vários programas internacionais. A importância crescente da questão da economia dos ecossistemas e da biodiversidade foi posta em evidência pelo TEEB (The Economics of Ecosystems and Biodiversity), uma iniciativa sob o patrocínio da UNEP – Programa Ambiental das Nações Unidas, apresentada em 2010, o Ano Internacional da Biodiversidade. Para além do grupo dedicado ao TEEB, a UNEP tem atualmente um grupo de trabalho focado exclusivamente na Economia dos Serviços dos Ecossistemas – Ecosystem Services Economics (ESE) e outro nos ecossistemas marinhos e costeiros – Marine and Coastal Ecosystems Branch (MCEB).  A WAVES (Wealth Accounting and the Valuation of Ecosystem Services) é outra iniciativa que enaltece a importância da valoração económica dos serviços dos ecossistemas marinhos. A parceria WAVES é promovida pelo Banco Mundial e formada por uma vasta aliança de agências das Nações Unidas, governos, institutos internacionais, organizações não-governamentais e instituições académicas.

A IGO procurará ativamente estabelecer relações estreitas com estas e outras iniciativas, desenvolvendo sinergias mutuamente benéficas e aplicáveis a Portugal.

 

Juntar as ciências naturais e sociais
Com um horizonte de trabalho de cinco anos, a equipa que está a desenvolver a Iniciativa Oceanos é interdisciplinar: dois biólogos marinhos, Catarina Grilo e Gonçalo Calado, e uma economista, Filipa Saldanha. Uma interdisciplinaridade – e transdisciplinaridade – que se reflete na estratégia da Iniciativa: unir investigadores das áreas das ciências naturais com as áreas das ciências sociais, para determinar o valor económico dos serviços dos ecossistemas marinhos através de um projeto de investigação, a desenvolver numa área delimitada da costa portuguesa. Esta é uma das vertentes da Iniciativa Oceanos.

As outras duas vertentes deste programa estão relacionadas com o passo seguinte: transformar resultados científicos em informação passível de ser utilizada por decisores políticos. Aí entram as ‘atividades de capacitação e divulgação’ que a Iniciativa vai promover e que passam por cursos de escrita de “policy papers”, por exemplo, dirigidos a investigadores e técnicos que trabalham com a administração pública ou com ONG. O objetivo é que pessoas que tomam decisões, ou que têm de informar decisores políticos, possam aperfeiçoar a redação de documentos com essa finalidade. Mas a responsabilidade de tornar a ciência acessível para os decisores políticos não é exclusiva dos investigadores e técnicos, advertem os membros da Iniciativa Oceanos. É preciso que também haja vontade política para usar essa informação. E assim chegamos à terceira vertente da Iniciativa Oceanos – promover novas políticas, de que é exemplo o contributo técnico que a equipa da Iniciativa deu recentemente para a Discussão Pública sobre a Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020, e para a Estratégia do Atlântico, que decorreu a nível europeu.

 

ONG e associações locais
Para além de atribuir apoios financeiros a projetos externos que se enquadrem nos seus eixos de intervenção, a Iniciativa Oceanos pretende dirigir-se ao público em geral organizando diversas atividades, local e nacionalmente, para melhorar a perceção pública sobre os serviços dos ecossistemas marinhos. Porque é preciso que as pessoas percebam que, não estando dentro de água, beneficiam do que o mar lhe traz. Sessões de esclarecimento, concursos para escolas e oficinas de ciência marinha para crianças já estão em marcha, mas há outro público-alvo que merece uma atenção especial da Iniciativa Oceanos: as ONG de ambiente e as associações locais.
Por um lado, a Iniciativa Oceanos pretende estreitar relações entre as ONG de ambiente e as associações locais, que muitas vezes não têm uma componente ambiental mas conhecem muito bem as realidades locais. Espera-se que esse trabalho seja focado em temas ligados aos serviços dos ecossistemas marinhos e daí resultarão parcerias frutíferas para todos, garante a equipa da Iniciativa. Por outro lado, há uma preocupação em envolver na Iniciativa Oceanos as ONG de ambiente para que aprendam a utilizar argumentos económicos de forma credível e robusta, já que normalmente estas organizações integram pessoas mais ligadas às ciências naturais.

Surgiu assim a ideia de dar uma formação intensiva na área de economia, focando conceitos económicos de base e uma componente de valoração económica ambiental, para que os destinatários desta formação possam adotar um discurso com os mesmos indicadores e a mesma linguagem que utilizam os decisores políticos, permitindo-lhes, em última instância, negociar em processos de decisão que envolvam análises de custo-benefício.

Numa área com muitas falhas de mercado como é a dos Oceanos, é muito comum encontrar diversas externalidades negativas, tais como a poluição ou a sobre exploração de recursos, entre muitas outras. Isto deve-se em grande parte a uma escassez de conhecimento sobre os verdadeiros custos e benefícios externos relacionados com o uso (in)adequado dos Oceanos, que nos permitem conhecer o verdadeiro impacto económico na sociedade. É no entanto muito vulgar calcular apenas os custos/benefícios privados das atividades económicas que se relacionam direta ou indiretamente com o mar. Por isso a missão da Iniciativa Oceanos é tão importante: determinar o valor económico dos serviços dos ecossistemas marinhos para incluí-lo no somatório do privado e do externo. Aí então teremos a conta certa.

Dia 27 de setembro reúne-se em Lisboa, na Fundação Gulbenkian, o Conselho Consultivo da Iniciativa Gulbenkian Oceanos. À cabeça desta reunião estará Pavan Sukhdev, o economista indiano que ficou conhecido internacionalmente por liderar o estudo TEEB sobre os benefícios económicos globais da biodiversidade. Waddah Saab (DG  Investigação e Inovação, Comissão Europeia), Laurence Mee (SAMS – Scottish Association of Marine Science), Carlos Duarte (Oceans Institute, University of Western Australia; Laboratorio Internacional de Cambio Global) e Pushpam Kumar (UNEP – Programa Ambiental das Nações Unidas) são os quatro especialistas que completam o painel internacional do Conselho Consultivo da Iniciativa Oceanos.

Mais informações: gulbenkian.pt/iniciativas/gulbenkian-oceanos/

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