Associando-se às comemorações do cinquentenário da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), a Arthur M. Sackler Gallery, um dos dois núcleos da Smithsonian Institution de Washington, ofereceu à FCG a exposição «Mundos de Sonho. Gravuras Japonesas Modernas da Colecção Robert O. Muller», na qual foi apresentado um conjunto de estampas japonesas, maioritariamente do último quartel do século XIX e das primeiras décadas do século XX, pertencentes à coleção de Robert O. Muller. A exposição foi inaugurada no dia 26 de outubro de 2006 na Galeria de Exposições Temporárias do Museu Calouste Gulbenkian, mantendo-se até 7 de janeiro de 2007.

Comissariada por James T. Ulak, diretor-adjunto da Arthur M. Sackler Gallery, a mostra continha alguns dos mais notáveis trabalhos dos gravadores do movimento Shin-hanga («nova gravura»), grupo de artistas que recuperou as técnicas tradicionais da gravura japonesa em declínio, adaptando-a a temas modernos. De acordo com João Castel-Branco Pereira, diretor do Museu Calouste Gulbenkian (MCG), a exposição mostrou «como esta tradição se renovou no Japão do século XX, numa continuidade de procedimentos técnicos, adoptando posturas mais individualistas por parte dos artistas que se aproximavam assim de valores da cultura moderna europeia» (Mundos de Sonho. Gravuras Japonesas Modernas da Colecção Robert O. Muller, 2006).

Até praticamente à data da sua morte em 2003, e contando já 91 anos de idade, Robert Otto Muller juntou com tenacidade e perseverança as mais de quatro mil estampas e documentação de arquivo que hoje fazem parte do acervo da Arthur M. Sackler Gallery e da Freer Gallery of Art, ambas integradas no Smithsonian Institution. A sua coleção começou por ser constituída por estampas «produzidas durante o reinado reformador do imperador Meji (1868-1912)», a que posteriormente se juntou um outro núcleo, que «incluía o movimento artístico organizado em grande parte pelo editor e empresário Watanabe Shozaburo (1885-1962)» (Ibid.).

O primeiro contacto com as estampas japonesas deu-se durante a sua adolescência. Em meados da década de 1930, «Muller sentiu uma grande afinidade com uma parte importante da produção de estampas japonesas, até então largamente ignorada, e mesmo desprezada pelo mercado, por especialistas e académicos». Levou sempre a sua coleção às costas, percorrendo vários locais do mundo, desde Tóquio, Nova Iorque até às «paisagens rurais de Connectitut», onde, em 1962, adquiriu a Merwin's Art Shop, em New Haven, «uma loja de molduras e galeria de estampas cujos donos eram clientes seus» (Ibid.).

Localizada perto da Universidade de Yale, a Merwin's proporcionou a Muller a oportunidade de estabelecer laços de amizade com professores daquela instituição. Depois de adquirir a galeria, o colecionador estabeleceria contacto com James T. Ulak, conservador das coleções asiáticas da galeria de arte da Universidade, com quem foi cimentando laços, motivados pelo interesse comum nas estampas Shin-hanga que integravam a coleção do instituto.

Em 1997, depois de se aconselhar com Joan B. Mirviss, negociante de estampas e pinturas japonesas, com o intuito de procurar um local definitivo para a sua coleção, Muller definiu os principais critérios que determinariam a sua escolha, posto que a coleção «se mantivesse intacta e que permanecesse nos Estados Unidos». Muller viria a legá-la à Arthur M. Sackler Gallery e à Freer Gallery of Art, a fim de lhe assegurar a possibilidade de conservação e restauro profissionais, a tecnologia mais avançada e o acesso a uma investigação continuada sobre as suas peças (Ibid.).

Com projeto museográfico de Mariano Piçarra, a exposição «Mundos de Sonho» deu a ver uma pequena parte deste legado, distribuído em quatro núcleos temáticos, seguindo a tradição japonesa antiga: «Presenças em palco», que remetia para o tema do teatro na cultura japonesa, recuperado pela escola Shin-hanga e por Watanabe Shozaburo, o primeiro a aperceber-se da «nostalgia do colecionador ocidental por estampas que representavam um Japão entretanto desaparecido»; «Personificação da beleza», que representava os temas tradicionais ligados à imagem feminina dos bordéis, recuperados por artistas como Hashiguchi Goyo e Ito Shinsui, mantendo o seu caráter erótico tradicional; «Valores da luz», que, tal como o nome indica, destacava o tratamento da luz e das paisagens, tema recuperado e enfatizado no século XX por Kobayashi Kiyochika, «talvez o principal inovador na representação da paisagem na era moderna»; e, por último, «Seres reais e imaginados», núcleo que representava a veneração pelo mundo natural, em que a fauna e a flora atuavam como «espelhos para o exercício da alma» (Ibid.).

O catálogo editado pela FCG seguiu a mesma organização temática da mostra, reunindo apresentações de Emílio Rui Vilar, João Castel-Branco Pereira e do diretor da Arthur M. Sackler Gallery e da Freer Gallery of Art. A publicação inclui um ensaio sobre o percurso de Robert O. Muller, redigido por Joan B. Mirviss, amiga do colecionador, e James T. Ulak, texto adaptado do obituário publicado na revista internacional de arte asiática Orientations, em setembro de 2003.

A exposição, cuja coordenação executiva coube a Maria Queiroz Ribeiro, esteve patente na Galeria de Exposições Temporárias do MCG entre 26 de outubro de 2006 e 7 de janeiro de 2007.

Joana Atalaia, 2019