Busoni: Concerto para Piano

Coro e Orquestra Gulbenkian / Hannu Lintu / Kirill Gerstein

Sob a direção do maestro Hannu Lintu, e com a colaboração do reputado pianista Kirill Gerstein, a Orquestra e o Coro Gulbenkian apresentam o monumental Concerto para Piano de Ferruccio Busoni.
João Silva 08 nov 2024 73 min

No centenário da morte de Ferruccio Busoni, assinala-se o percurso idiossincrático deste compositor, que marcou o século XX. Compositor, professor, pianista e teórico musical, deixou um legado nessas áreas. Nascido em Empoli, na Itália, a sua fama de menino-prodígio permitiu-lhe estudar no Conservatório de Viena e apresentar-se em concerto desde cedo. Após esse período de formação, fixou-se em Helsínquia, então Helsingfors, para lecionar piano no Instituto de Música dessa cidade. Nesse breve período, tornou-se amigo de Sibelius (que pode ter conhecido quando o finlandês se encontrava no Império Alemão) e estabeleceu uma forte e duradoura relação. O impacte de Busoni em Sibelius foi profundo e os seus encontros frequentes prolongaram-se. Nessa altura, o italiano começou a preparar as suas edições de obras de J. S. Bach, que marcaram a visão que se tinha da música desse compositor no início do século XX. Posteriormente, Busoni dedicou-se às digressões, que lhe deixaram pouco tempo para a composição. Assim, aproveitava as interrupções dos périplos europeus e americanos para escrever. O Concerto para Piano e Orquestra, op. 39, é uma obra ímpar da literatura para o instrumento. Fundindo monumentalidade e virtuosismo, afasta-se da forma tradicional, pois contém cinco andamentos e inclui um coro masculino no último. Escrita em 1904, a obra foi estreada em Berlim a 10 de novembro de 1904, com o compositor como solista e a Orquestra Filarmónica de Berlim, dirigida por Karl Muck.

Começa com um prólogo solene, misterioso e de atmosfera enigmática, interpretado pelo tutti da orquestra. O agrupamento apresenta três temas, tensos e carregados de pathos. O pianista faz uma entrada heroica, elaborando os elementos de um novo tema em acordes densos que atravessam o teclado. Dois temas, aparentados com os previamente apresentados pela orquestra, são dominados pelo solista até às intervenções esparsas do agrupamento. A tensão cresce numa secção com caráter de desenvolvimento que desemboca em passagens delicadas e solenes. A leveza movimentada de Pezzo giocoso assenta num ritmo principal, sobre o qual são apresentadas duas melodias contrastantes. Após a introdução, Busoni alterna scherzi e trios que misturam longas linhas melódicas com elementos percussivos. A alternância entre orquestra e solista sublinha o encontro de forças sob o espírito do estilo concertante. Danças, melodias de sabor tradicional, rusticidade, fanfarras, ambiguidade tonal e modalismo orientalizante são alguns dos elementos que Busoni integra num andamento de caráter leve.

A complexidade de Pezzo serioso sobressai nesta obra ímpar numa síntese entre lirismo e tragédia. Recorrendo a grande quantidade e diversidade temática, o andamento começa com um baixo ostinato que apoia um recitativo. A angularidade misteriosa e cromática materializa-se, progressivamente, na primeira parte do andamento. O lirismo cantabile reminiscente da ópera italiana domina uma secção em que o piano se foca na subtileza dos seus timbres cristalinos. Segue-se uma longa segunda parte assente no ritmo repetitivo e em materiais de caráter dançável, cujo virtuosismo exigente conduz o concerto a um clímax em textura de marcha. A última secção do andamento é um retorno à calma, liderado pelo piano; o estatismo e a repetição centrados no registo grave até ao final brilhante.

All' Italiana encarna o excesso de uma tarantela italiana, com os seus rodopios estonteantes. O brilho animado, a rusticidade, e as tipologias militares apoiam o piano até uma passagem central misteriosa e cantabile. Seguidamente, regressa a textura de dança, acelerada caricaturalmente de forma a evocar os finais da ópera cómica italiana dos séculos anteriores. Atravessando texturas de marcha e canção popular, a tarantela obsessiva regressa, conduzindo à cadência final do solista.

Cantico inclui um coro masculino que interpreta Hino a Alá, da peça teatral incompleta Aladino, escrita pelo poeta romântico dinamarquês Adam Oehlenschläger. O apelo universal ao divino atravessa o poema, que contrapõe opostos numa síntese que evoca a filosofia hegeliana. A indefinição misteriosa introduz o andamento, num episódio grave e escuro que prepara a entrada do coro masculino. Essa atmosfera evoca a música da Igreja Ortodoxa e contribui para contextualizar o poema. Essas ressonâncias de hino dão lugar a uma passagem de orquestração leve, pontuada pelos instrumentos de bocal e pela percussão. O caráter meditativo é interrompido pela intromissão do piano, com figurações virtuosísticas que alternam percussividade com arpejos num percurso sinuoso que leva ao final deste monumental concerto, uma dialética sonora sem síntese final.


Intérpretes

  • Maestro
  • Piano

Programa

Ferruccio Busoni

Concerto para Piano e Orquestra, com Coro Masculino, em Dó maior, op. 39
– Prologo e Introito: Allegro, dolce e solenne
Pezzo giocoso: Vivacemente, ma senza fretta
– Pezzo serioso
   Introductio: Andante sostenuto
   Prima pars: Andante, quasi adagio
   Altera pars: Sommessamente
   Ultima pars: a tempo
– All’ Italiana, Tarantella: Vivace, in un tempo
– Cantico: Largamente
– Allegro scherzando

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