Brahms: Sinfonia n.º 1

Orquestra Gulbenkian / Lorenzo Viotti

Sob a direção do maestro Lorenzo Viotti, a Orquestra Gulbenkian interpreta a primeira sinfonia de Johannes Brahms.
Rui Cabral Lopes 25 out 2024 46 min

Inscrevendo-se numa linha de criação instrumental austro-germânica cujas origens remontam à escola de Viena, a primeira sinfonia de Johannes Brahms foi concluída no outono de 1876, no termo de um prolongado processo criativo de mais de vinte anos e que foi sofrendo várias interrupções, à medida que o músico expandia a sua atividade como diretor de orquestra e pianista. Na verdade, os primeiros esboços começaram pouco depois de Brahms ter conhecido Robert Schumann e a sua esposa, a pianista Clara Schumann, em Düsseldorf, numa época em que as sinfonias de Beethoven permaneciam como referencial absoluto do espaço musical público. O próprio Schumann reavivara esta ideia no periódico Neue Zeitschcrift für Musik, em certa passagem publicada em 1840: “…os compositores foram muitas vezes admoestados de que seria melhor para eles – depois de Beethoven – se se abstivessem do género sinfónico”. A influência de Schumann no jovem Brahms terá tido um papel de fundo no culto da tradição sinfónica beethoveniana e na posterior conduta reflexiva e autocrítica, que conduziria à conclusão tardia da primeira sinfonia, em 1876, quando Brahms contava quarenta e três anos de idade. Neste patamar de maturidade criativa, a Sinfonia n.º 1 expressa, de modo vincado, o compromisso entre a herança classicista e as novas tendências do Romantismo, rumo a um patamar abstrato, quase metafísico, no qual se fundem as emoções e os estados de espírito mais profundos e inusitados. A estreia sobreveio a 4 de novembro de 1876, no Großherzogliche Hoftheater de Karlsruhe, sob a direção do maestro Felix Otto Dessoff.

Contrariando o perfil estilístico da sinfonia clássica, o primeiro andamento, Un poco sostenuto – Allegro, principia com um rasgo do tutti orquestral, massivo e imponente, apoiado pela marcha inexorável dos timbales. A prolongada introdução prossegue em patamares harmónicos sucessivos, alternando a forte intensidade expressiva com momentos mais reflexivos e serenos. A seção Allegro recupera o motivo inicial da introdução, agora com articulação mais breve e partilha sucessiva pelos vários naipes orquestrais. Nesta forma de sonata de primeiro andamento sucede-se o idílico segundo tema, introduzido pelos oboés e comentado pelas trompas. A curto espaço, surge o terceiro componente temático, trazendo consigo a inquietude inicial, mercê das anguladas figurações motívicas que perpassam pela orquestra. O desenvolvimento baseia-se, em grande medida, em motivos anteriores, ainda que Brahms leve mais longe a harmonização desses motivos, por vezes infletindo em modulações sucessivas que seriam impensáveis na linha de composição clássica. A recapitulação evolui de forma linear, sendo de assinalar a coda final, Meno allegro, a qual destitui o andamento do seu pendor enérgico e fatalista, para anunciar, em breves e derradeiros compassos, o contrastante quadro sonoro do andamento que se segue.

É, com efeito, um cenário do mais sonhador e comovente Romantismo aquele que nos traz o segundo andamento, Andante sostenuto, na tonalidade relativa de Mi maior, assente numa instrumentação delicada, partilhada entre as cordas e os sopros. Linhas melódicas suaves, emolduradas por harmonias calorosas, conduzem o ouvinte aos recantos secretos desse jardim sonoro imaginado por Brahms, onde o sentimento e a emoção se conjugam com a confidência e algum mistério.

Com a indicação Um poco allegretto e grazioso, o terceiro andamento, na tonalidade sobredominante de Lá bemol maior, ocupa o lugar do Scherzo, mas o seu caráter diverge substancialmente do cânone beethoveniano, no sentido em que abandona totalmente a vocação experimental e dramática, para se afirmar como breve espaço de poesia sonora, com ecos do imaginário pastoral, no prolongamento do andamento anterior.

De regresso à tonalidade de partida, o quarto e último andamento, Adagio – Più andante –Allegro non troppo, ma con brio, é aquele que apresenta maiores proporções, a partir da grave secção inicial, a qual parece evocar, novamente, a dimensão onírica. Após um breve episódio das cordas, em pizzicato, a textura adquire maior dinamismo e faz surgir, nos sopros de madeira, um novo motivo, em ritmos ponteados. Com a secção Più andante, a tonalidade inflete na homónima maior para servir de fundo ao tema trazido pelas trompas e depois retomado pelas flautas, sobre o acompanhamento, em tremolo, das cordas. Os metais entoam então um “coral” que mais não é do que o prelúdio solene para a secção Allegro. Surge aí o famoso tema principal do andamento, a partir do registo grave dos violinos, tantas vezes conotado com a Ode à Alegria do último andamento da Sinfonia n.º 9, op. 125, de Beethoven. Foi este componente melódico muitas vezes invocado, por músicos e diretores de orquestra, como argumento de apoio à ideia de que a Sinfonia n.º 1 de Brahms poderia considerar-se como a 10.ª de Beethoven, ideia essa que atravessou gerações até à atualidade. O segundo tema do andamento, na tonalidade dominante de Sol maior, aparece nos violinos e vai-se prolongando, em volutas de colcheias, até ao momento em que Brahms decide conjugar outros componentes temáticos já surgidos anteriormente, com destaque para o tema principal. A coda final faz regressar o coral do anterior Più andante, partilhado por cordas e metais, antes da declamação triunfal do tutti orquestral, nos derradeiros compassos do andamento.


Intérpretes

  • Maestro

Programa

Johannes Brahms

Sinfonia n.º 1, em Dó menor, op. 68
1. Un poco sostenuto – Allegro – Meno allegro
2. Andante sostenuto
3. Un poco allegretto e grazioso
4. Adagio – Più andante – Allegro non troppo, ma con brio – Più allegro

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