«Contemporâneo Capital» foi o título dado, quase numa exclamação, por Eduardo Lourenço ante o aceno de um tomo das Obras Completas a reunir seus ensaios sobre Jorge de Sena.

A despeito das afinidades […] não foram intensas as relações pessoais entre os dois contemporâneos, pois o diálogo presencial restringiu-se a esparsos encontros […] entre personalidades radicalmente distintas que o literário aproximou. Se o temperamento de Lourenço se pauta por pouco falar de si e de convocar ao diálogo o infinito à sua volta […] o temperamento de Sena define-se pelo imperioso sinete personalístico em tudo o que focaliza, do mais ínfimo ao mais complexo, numa torrente discusiva.

Com diferença de apenas três anos e meio […] conheceram-se nos cafés de Lisboa. Estando o pensador em Coimbra, como professor assistente na Universidade, e o poeta em Lisboa, como engenheiro da Junta Autónoma das Estradas, o incerto presencial logo derivou para trocas epistolares.

Instaurado o comum destino de viagens e mudanças, mais rareiam as hipóteses de convívio. Lourenço sai de Portugal em 1953, primeiro em périplos docentes europeus e depois, em 1958, como professor de Filosofia na Universidade da Bahia. Sena parte para o Brasil em 1959, graças a um providencial convite em que Lourenço se empenhara de modo decisivo.

É em Nice que Eduardo e Jorge se reveem em 1968; novo encontro pessoal ocorre na Arrábida, em 1971. Mas em março do ano seguinte, deu-se o que talvez tenha sido o último face a face. Ainda em volta de publicações, houve o esboço de uma convivência frutuosa: Eduardo propõe a Jorge, em 1977, a direção conjunta de uma revista-antologia, a Nova.

Se escasseiam os encontros, fértil foi o resultado do olhar atento lourenciano sobre os múltiplos Senas que o contínuo borbotar de livros revelava, mesmo postumamente.

(Da introdução de Gilda Santos)