Última exposição do ciclo «Fotografia como Arte/Fotografia como Suporte», que decorreu no Centro de Arte Moderna (CAM) entre outubro de 1986 e maio de 1987, antecedida pelas mostras «Gérard Castello Lopes. Insignificâncias», «Cruz Filipe. Pintura» e «Fotografias de Jorge Molder», «Helena Almeida. Frisos» e «Fotografias de Manuel Magalhães».

Associados às diversas exposições, e respetivo programa de visitas guiadas, foram ainda organizados, com a colaboração do Serviço de Animação, Criação Artística e Educação pela Arte (ACARTE), dois colóquios para reflexão e debate sobre questões levantadas pela prática da fotografia na contemporaneidade.

A complexidade e abrangência do tema é de imediato evidente se olharmos para os artistas selecionados: três fotógrafos – um do «momento decisivo», outro do nu feminino, e um outro de ficções –, aos quais se juntavam três pintores que faziam usos distintos da fotografia. Estes e aqueles não foram agrupados desta forma, mas sim apresentados alternadamente, como se pode verificar pela ordem das exposições.

Nesta exposição, Eduardo Nery (1938-2013) apresentava uma vasta seleção de trabalhos em fotografia produzidos entre 1979 e 1987, alguns dos quais inéditos. Nestes, destacavam-se duas linhas de ação: uma que vinha na continuidade das colagens da série O Museu Imaginário na Sociedade de Consumo, exposta em 1976 no Museu Nacional de Arte Antiga; e outra que assentava em variações de texturas, superfícies, formas, padrões.

Da primeira, fazia parte um conjunto de fotografias, produzidas entre 1981 e 1985, em que reproduções de obras de arte históricas – como Danae (1907), de Gustav Klimt, ou Retrato de Madame Récamier (1800), de Jacques-Louis David – eram sobrepostas a imagens banais (paisagens urbanas, rurais e marítimas, pavimentos e solos). Este jogo de colagens é retomado em 1986-87 com uma série de trabalhos em que ambientes siderais são atravessados por elementos terrenos. Visualmente, estas imagens fotográficas (como, por exemplo, Rompem-se as estrelas, Trajectória, Apocalipse Now) estão muito próximas das obtidas em experiências de navegação em realidades virtuais. Curiosamente, foi nesse mesmo ano que Jaron Lanier adotou e popularizou o termo «realidade virtual» e que um dos projetos pioneiros desta geração (o Star Tours) foi inaugurado.

Do período intermédio, foram ainda apresentadas experiências de desdobramento, desfocagem, duplicação, sobreposição e inversão de cores, com imagens de superfícies diversas e paisagens.

José Luís Porfírio, no seu texto para o catálogo da exposição, afirma: «Não se tendo optado por um contraponto sistemático com outras actividades plásticas no domínio da pintura ou da colagem, a exposição é simultaneamente um fragmento e um corte num percurso.» (Eduardo Nery. A Verdade da Ilusão, 1987)

Na ausência de contextualização ou de referências à obra pictórica desenvolvida pelo artista ao longo deste período, a sua prática fotográfica parecia surgir aqui como atividade paralela e autónoma, com objetivos próprios, dos quais se destacava a reflexão sobre o vasto poder ilusório da imagem.

Depois de ter sido apresentada na Sala de Exposições Temporárias do CAM, esta seleção de fotografias integrou, a par das de Manuel Magalhães (1945) e de Helena Almeida (1934-2018), o «Ciclo de Fotografia Portuguesa Contemporânea (Primeira Parte)», no Museu Luís de Camões – Galeria de Exposições do Leal Senado (Macau), em 1988.

Mariana Roquette Teixeira, 2018