A exposição «Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)», inaugurada no dia 18 de abril de 2016 nas Galeries Nationales du Grand Palais, em Paris, e aberta ao público a 20 de abril, realizava-se uma década depois da grande exposição intitulada «Amadeo de Souza-Cardoso. Diálogo de Vanguardas», organizada na Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), em Lisboa, programada no âmbito das comemorações do cinquentenário da FCG e do centenário da partida do artista para Paris e das suas duas últimas exposições, ainda em vida, realizadas nas cidades de Lisboa e Porto.

Em 2016, a exposição, numa parceria entre a FCG e a Réunion des Musées Nationaux-Grand Palais (RMN-Grand Palais), integrava as comemorações do 60.º aniversário da Fundação Calouste Gulbenkian e o 50.º aniversário da Fondation Calouste Gulbenkian – Délégation en France. Por outro lado, a celebração da obra de Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918), concretizada neste projeto expositivo, surgia também da vontade da FCG de apresentar Amadeo à cidade de Paris, uma cidade fundamental para o desenvolvimento do seu trabalho e onde ele permanecia um artista pouco conhecido do grande público, com uma única exposição individual (em 1958), realizada na Casa de Portugal. De acordo com o comunicado de imprensa divulgado na Newsletter da FCG, «[esta] mostra, apresentada numa das salas mais emblemáticas e mais visitadas da capital parisiense, constitui uma grande oportunidade para revelar internacionalmente um dos segredos mais bem guardados da arte moderna, citando o historiador de arte norte-americano Robert Loescher» (Newsletter. Fundação Calouste Gulbenkian, n.º 175, abr. 2016, p. 20).

Neste contexto, um dos grandes propósitos do projeto curatorial era devolver ao artista o seu legítimo lugar na história da arte internacional e pôr fim ao seu esquecimento, uma vez que a sua morte prematura interrompera também as aparições públicas do seu trabalho, deixando em suspenso «a sua integração na dinâmica artística da vanguarda internacional […] confirmada pelo percurso expositivo de grande notoriedade que desenvolveu [no] breve período [em que esteve vivo]» (Ibid., pp. 24-25).

Para tal, a curadora da exposição, Helena de Freitas, profundamente conhecedora da obra do artista, procurou conceber uma exposição multidisciplinar, a fim de demonstrar que Amadeo de Souza-Cardoso tinha sido um artista plural que usava diferentes linguagens plásticas, entre a tradição e a modernidade, sendo simultaneamente vanguardista e intérprete de iconografia popular, por exemplo. Esta perspetiva transparecia logo no início do percurso expositivo, na transcrição de uma frase que o artista confidenciara sobre si numa carta endereçada a Lucie de Souza-Cardoso: «J'ai plus de phases que la lune.»

Para conceber e realizar esta exposição, a curadora reuniu uma equipa versátil, constituída por elementos nacionais e estrangeiros, capaz de abranger áreas como a história de arte, a música, o cinema, a filosofia, as artes plásticas, a museografia e a arquitetura. O percurso expositivo resultou num circuito aberto «chrono-thématique», dividido em treze secções, não lineares, distribuídas pelos dois pisos do edifício. Pretendia-se que a museografia não se sobrepusesse às obras e aos circuitos temáticos e, simultaneamente, que a exposição fosse aberta, com uma visão ampla, definida por linhas diagonais e curvas, evitando as orientações ortogonais. Na primeira sala, ao nível do primeiro andar, reuniam-se trabalhos e diversa documentação relativa ao período em que Amadeo viveu em Paris, entre os anos de 1906 e 1914; na segunda, no piso térreo, encontravam-se as obras do seu período de regresso a Manhufe (Portugal), a partir de 1914, no início da Grande Guerra.

Dividido em 14 núcleos, o percurso expositivo iniciava-se com um diversificado conjunto de documentação e de obras gráficas de Amadeo, propondo uma apresentação biográfica do artista. Os restantes núcleos, quase todos remetendo para títulos de obras de Amadeo, distribuíam-se por: «1. Saut du Lapin / Armory Show»; «2. D'Aprés Nature»; «3. Nature Vivante (Des Objets)»; «4. Femme – Mouvement»; «5. XX Dessins»; «6. La Légende de Saint Julien l'Hospitalier et les Héros de la Littérature»; «7. Tour d'Horizon»: «8. Chanson Populaire – Maison Poupée – Poéme en Couleur»; «9. Tête Nègre – Paysage Vert»; «10. Têtes Océan»; «11. Vie des Instruments»; «12. Zigzag – Arabesque Dynamique»; «13. Fraise Avant-garde». A exposição reunia um total de 220 obras, das quais 205 eram da autoria de Amadeo de Souza-Cardoso – entre pintura, desenho, aguarela, colagem ou cadernos de artista –, e as restantes pertenciam a Robert Delaunay (1885-1941), com dez obras; Constantin Brancusi (1876-1957), com três obras; Amedeo Modigliani (1884-1920) e Sonia Delaunay (1885-1979), com uma obra cada. Do conjunto faziam ainda parte três máscaras africanas, uma oriunda de uma coleção particular e as outras duas do Museu Nacional de Etnologia, e duas estampas japonesas, pertencentes ao British Museum.

A conceção do projeto expositivo e da museografia decorreu entre maio de 2014 e novembro de 2015. Findo este processo, a construção e montagem da exposição aconteceu entre meados de março e o início de abril de 2016.

Com o objetivo de enaltecer o caráter multifacetado do artista e o cruzamento de disciplinas, organizou-se um ciclo internacional de conferências, que tiveram lugar entre 20 de abril e 4 de junho de 2016, acompanhando a exposição no Grand Palais. Nestas conferências participaram a curadora Helena de Freitas, a historiadora de arte Catarina Alfaro, a professora Maria Filomena Molder, o professor Fernando Cabral Martins, o artista Pedro Cabrita Reis, o cineasta Christophe Fonseca e o historiador e gestor cultural Jean-François Chougnet. No âmbito da programação associada, realizou-se igualmente um ciclo de cinema português consagrado a Amadeo. Este ciclo, que decorreu entre 22 de abril e 3 de junho de 2016, exibiu os filmes Máscara de Aço contra Abismo Azul (1989) e Se eu fosse ladrão... roubava (2013), de Paulo Rocha; Voyage au Début du Monde (1997), de Manoel de Oliveira; e Ce Cher Mois d'Août (2008), de Miguel Gomes.

Ainda no domínio da programação complementar, o realizador luso-francês Christophe Fonseca, juntamente com Frédéric Wilner, produziu o documentário Amadeo de Souza-Cardoso. Le dernier secret de l'art moderne, que esteve em exibição no Grand Palais durante o período em que a exposição esteve patente. Reunindo um vasto conjunto de testemunhos – de especialistas, críticos e colecionadores – e cobrindo fases da investigação do projeto curatorial coordenado por Helena de Feitas, também consultora científica do filme, este documentário traçou o percurso artístico de Amadeo, devolvendo-lhe o seu legítimo lugar na geração do primeiro modernismo. O documentário teve uma antestreia no dia 13 de abril de 2016, no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, e foi exibido na RTP, a 20 de abril de 2016, e na France 5, a 8 de maio de 2016 («Documentário sobre Amadeo de Souza-Cardoso enche Gulbenkian», Diário de Notícias, 14 abr. 2016).

Numa fase inicial, os realizadores Edgar Pêra e Gabriel Abrantes também foram convidados pela FCG a fim de realizarem obras inspiradas no universo de Amadeo; todavia, estas obras, devido a diversos constrangimentos, não chegariam a ser realizadas para o Grand Palais. No entanto, o realizador Gabriel Abrantes, animado por este desafio, acabaria por realizar um filme, intitulado A Brief History of Princess X (2016), que se relaciona com o universo do artista e que estreou em 2016, em Londres.

O catálogo da exposição, em língua francesa, reuniu textos da curadora, Helena de Freitas, de Maria Filomena Molder, investigadora e professora de Estética na NOVA FCSH, de Catherine Grenier, diretora da Fondation Alberto et Annette Giacometti, em Paris, de Javier Arnaldo, historiador de arte e professor na Universidad Complutense de Madrid, de Christian Briend, conservador no Musée National d'Art Moderne, em Paris, e do investigador e historiador de arte Jean-Claude Marcadé. Juntamente com o catálogo, foi também publicado um outro volume, com textos de Raquel Henriques da Silva e de Leonor de Oliveira. Além destes, foram reeditados os catálogos antigos da exposição de 2006 sobre o artista, publicados pela FCG. Paralelamente, havia a intenção de realizar uma pequena tiragem dos XX Dessins, feita a partir das matrizes originais do artista, propriedade da FCG. O artista e técnico de gravura terá iniciado esse processo, mas devido a condições adversas das matrizes, este foi um projeto impossível de concluir.

Na qualidade de material complementar à exposição, sete objetos multimédia/audiovisuais foram instalados no espaço expositivo (percurso museológico): um audio manifest, composto por um manifesto de Almada Negreiros que seria lido por um ator francês, possivelmente Hugues Quester, e audível pelo público através de auscultadores (foi proposto à France Culture que se gravassem estas leituras para posterior emissão); uma instalação sonora nas escadas, com música de Francesco Balilla Pratella, La Guerra, de 1913; uma obra de Nuno Cera intitulada Tour d'Horizon, que consistia numa instalação vídeo das paisagens e lugares das obras e do universo de Amadeo de Souza-Cardoso; uma projeção da Légende de Saint Julien l'Hospitalier, feita a partir do livro integral e em dois ecrãs, com alguns detalhes e sonorização do Ballet de George Antheil e remistura de Jimi Tenor de uma das Vexations de Erik Satie; um diagrama interativo de relações entre Amadeo de Souza-Cardoso e outros artistas; um mapa da Europa e de Paris mostrando as viagens e os ateliês, apartamentos e agentes de arte do artista; um livro eletrónico (ebook) de um caderno de esboços do artista (cedido para a exposição por um colecionador particular); e, por fim, um diaporama biográfico com fotos do artista do acervo dos Arquivos Gulbenkian.

Além de Amadeo, o único artista português presente na exposição foi Nuno Cera, cujo trabalho em filme, Tour d'Horizon (2016) (Inv. 17IM85), estava diretamente relacionado com Amadeo. Segundo a curadora, «a escolha de Nuno Cera justifica-se pela sua adequação ao universo de representação desses lugares do artista e também pela sua experiência de aproximação fotográfica e videográfica de referência paisagística rural ou urbana. Sendo um trabalho autónomo e autoral, será apresentado também como um espaço de recriação dos lugares onde Amadeo viveu e trabalhou» (Comunicado de imprensa, 23 dez. 2015, Arquivos Gulbenkian, ID: 128007). Apesar de ser exposto autonomamente numa das rotondes do Grand Palais, este trabalho estava em articulação visual com as restantes salas, e por isso integrado no espaço expositivo. A obra consistia numa instalação vídeo, constituída por três ecrãs, com intervalos de cerca de 25 centímetros entre cada um. Era uma criação original em vídeo HD, com três canais de vídeo sincronizados e com 14 minutos de duração (vídeo H264), e produzido a cores e com som. As imagens foram realizadas a partir da paisagem e dos lugares que pontuavam a obra e o universo de criação de Amadeo: Manhufe, a cozinha e ateliê da casa do artista, o rio Tâmega, Castelo de Keriolet, etc.

A convite da RMN-Grand Palais e da FCG, deslocou-se a Lisboa, no fim do mês de janeiro, um grupo de jornalistas, a fim de conhecerem a obra de Amadeo de Souza-Cardoso, tanto a reunida nas reservas do Centro de Arte Moderna (CAM) e a apresentada na exposição, então patente no CAM, O Círculo Delaunay, como a do acervo do Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC). No Grand Palais, em Paris, nos dias 14 e 15 de abril de 2016, dias antes da inauguração da exposição, foram organizadas visitas para a comunicação social, uma para jornalistas portugueses e outra para a imprensa internacional.

Dados finais dizem que a exposição recebeu quase 74 mil visitantes, 96% dos quais ficaram satisfeitos e 44% disseram que a exposição superou as suas espectativas (Newsletter. Fundação Calouste Gulbenkian, n.º 179, set. 2016, p. 12).

Ana Lúcia Luz, 2020