«Os Galgos» de Amadeo. Olhar a História de uma Pintura

Exposição individual rotativa que integra um programa do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão com o intuito de olhar de uma forma diferente para peças da Coleção. Destaca o trabalho realizado em conservação e restauro – reflectografia, radiografia e transmitografia – sobre a pintura Os Galgos, de Amadeo de Souza-Cardoso.
Rotating solo exhibition included in the programme of the Modern Art Centre José de Azeredo Perdigão, which sought to provide a different perspective on familiar pieces. The show focused on the conservation and restoration work – reflectography, radiography and transmitography – on Amadeo de Souza-Cardoso’s painting “Greyhounds”.

Esta exposição integrou um programa de exposições rotativas, que se iniciou em 2001 e perdurou até 2006, todas elas realizadas com obras da coleção do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP).

Após algumas intervenções no edifício, em abril de 2001 o CAMJAP reabre ao público com uma nova mostra da sua coleção, na qual foram criadas duas áreas para mostras rotativas, destinadas a durar seis meses. O percurso expositivo no piso 0 começava com uma parede dedicada à segunda metade do século XX, ou, mais precisamente, à arte realizada entre os anos de 1960 e a contemporaneidade. Dialogando com a pintura de António Areal (1934-1978), apresentava-se o último trabalho conhecido de Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918), com o que se pretendia assinalar a sua grande modernidade no início do século XX.

Os espaços rotativos e temporários procuravam proporcionar ao visitante o contacto com núcleos da coleção que, devido à sua especificidade, dificilmente seriam integráveis num discurso museográfico genérico. Estes espaços situavam-se no piso 01 e no piso 0, e destinavam-se a mostrar, respetivamente, trabalhos da primeira e da segunda metade do século. Um dos objetivos desta iniciativa era proporcionar ao visitante zonas de pausa na sua visita, que lhe permitissem focar-se num aspeto da coleção. Desta feita, a escolha privilegiava o estudo dos materiais e técnicas de Amadeo de Souza-Cardoso, pretendendo-se que o observador olhasse para a pintura como um objeto físico.

Em janeiro de 2002, iniciara-se uma investigação sistemática sobre a obra de Amadeo de Souza-Cardoso, com vista à elaboração de um catálogo raisonné (2008). Nesse contexto, pretendeu-se a realização de trabalho de pesquisa, conservação e restauro de pinturas do artista em obras do acervo CAM-FCG e em obras privadas. Surgiu então a ideia de efetuar um estudo detalhado de uma obra do próprio acervo – Os Galgos (Inv. 77P1). Esta exposição rotativa surgia como a primeira mostra do trabalho a empreender para o catálogo raisonné.

O Gabinete Conservação e Restauro – Atelier K4 assumiu a responsabilidade científica por este projeto, realizando diversos exames, radiografias e refletografias. Pedro Sousa, do Instituto Português de Conservação e Restauro, também colaborou neste trabalho. Numa primeira fase de observação da obra, detetaram-se indícios, relevos e manchas de cor que não correspondiam à pintura visível na tela, o que, desde logo, suscitou dúvidas. Uma vez que Amadeo fizera um desenho prévio (preparatório) da pintura Os Galgos, que razões poderia haver para o artista hesitar no traço e na pintura final? Esta dúvida determinaria a continuação do processo de investigação.

A investigação avançou, assim, para uma fase de exames não destrutivos, que resultam de diferentes tipos de radiação ao interagirem com a matéria: luz ultravioleta, infravermelha e raio X. A documentação deste processo – refletografia – corresponde ao primeiro momento da exposição, que dá a ver uma figura feminina desenhada de forma muito óbvia e clara (o que nem sempre acontece nestes processos). Esta descoberta revelou o primeiro exemplo de uma figura feminina pintada pelo artista. Para melhor entender esta imagem, recorreu-se à sua comparação com desenhos já conhecidos de figuras femininas realizadas pelo artista e a imagens de referência (entre elas Inv. 77DP355, Inv. 92DP1559 e um desenho proveniente de coleção particular).

O segundo momento da exposição documenta os resultados obtidos por transmitografia de infravermelhos, um processo em que a luz é projetada no sentido inverso, ou seja, por trás da imagem. Este trabalho revelou linhas de desenho que não correspondiam às duas pinturas previamente identificadas na tela, permitindo observar um outro desenho subjacente, que tornou a definição da imagem feminina ainda mais confusa e indeterminada. Este exame mostrou também muitas semelhanças técnicas entre a pincelada da figura feminina e Os Galgos, o que fez pressupor uma proximidade temporal entre as duas realizações.

O terceiro momento da exposição mostrava uma radiografia, realizada pelo fotógrafo José Pessoa para o Instituto Português de Conservação e Restauro. Este exame foi mais elucidativo e revelou uma terceira imagem: uma cena campestre com uma carroça e dois cavalos. Este é um processo muito evidente que mostra, inclusive, a textura da tela ou a grade. A título de curiosidade, aqui a tela encontra-se pintada na horizontal (ao contrário do que acontecia habitualmente) e a sua dimensão era standard, correspondendo às telas que, à época, eram comercializadas com a finalidade da pintura de paisagem (Os Galgos de Amadeo. Olhar a História de uma Pintura [folha de sala], 2004, Arquivos Gulbenkian, ID: 268334).

Além destes estudos não invasivos, também se realizou um estudo «destrutivo», em consonância com o Instituto Português de Conservação e Restauro: análises estratigráficas da camada pictórica, que implicaram retirar seis amostras pictóricas. Entre várias outras revelações, pôde concluir-se que o artista não usou nenhum isolante entre as três composições presentes na tela.

No decurso da exposição, foi realizado um programa televisivo para a RTP, no âmbito do qual a jornalista Raquel Santos entrevistou Helena de Freitas (comissária do CAMJAP), Helena Pinheiro de Melo (técnica de conservação e restauro do Atelier K4) e Vanda Coelho (técnica de conservação e restauro). A entrevista foi realizada no espaço expositivo, permitindo explicitar e dar a ver ao público televisivo os trabalhos de pesquisa técnica e científica desenvolvidos à volta da pintura Os Galgos e relativamente aos quais Helena de Freitas reconhece que, embora não havendo «maldade», «é de facto um processo intrusivo. Estamos a mostrar uma coisa que o pintor não queria que fosse mostrada». Trata-se de uma chamada de atenção para um pormenor que não deve ser esquecido nestes processos (Conversa/Depoimento [vídeo], 16 mar. 2004, RTP Arquivos).

Esta exposição seria também noticiada na imprensa internacional, nomeadamente na revista espanhola Arte y Parte, onde se alude ao facto de a mostra contribuir para «reforzar determinadas características del proceso de trabajo de este autor, como la intensa experimentación pictórica y la circunstancia particular de haber reutilizado una misma tela para efectuar diferentes trabajos» (S.V., Arte y Parte, jun.-jul. 2004, p. 125).

Na restante programação paralela, tiveram lugar as habituais visitas guiadas, com organização do Setor de Educação do CAMJAP.

Ao mesmo tempo, entre 13 de janeiro e 4 de julho de 2004, realizou-se no piso 0 a exposição «XVI Desenhos de António Areal», comissariada por Alexandre Conefrey. No espaço de exposições rotativas, seguiu-se «Alfaiataria Cunha. Imagens de Moda no Início do Séc. XX» (25 jul. 2004 a 2 jan. 2005), também no CAMJAP (piso 01), comissariada por Alice Costa Guerra.

Ana Lúcia Luz, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Lévriers / Os Galgos

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Lévriers / Os Galgos, Inv. 77P1

Sem título

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Sem título, Inv. 77DP355

Título desconhecido

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Título desconhecido, Inv. 92DP1559


Publicações


Fotografias


Multimédia


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 110814

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAMJAP, Lisboa) 2004


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1988 / Palazzo Lazzarini, Pesaro

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