Exposição de comemoração do centenário do nascimento do pintor Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918). Resultou de uma parceria entre o Centro de Arte Moderna (CAM) e o ACARTE, tendo sido integrada nas comemorações do 31.º aniversário da Fundação Calouste Gulbenkian, onde esteve patente na Galeria de Exposições Temporárias do Edifício Sede. O programa de comemoração do centenário deste pintor português contou ainda com um vasto conjunto de iniciativas, entre as quais se destacam duas exposições temporárias (inauguradas no mesmo dia), um colóquio, um concerto, um espetáculo de teatro e um recital de poesia.

No mesmo período, realizou-se na galeria do piso 01 do CAM uma exposição alusiva ao centenário do nascimento de Stuart Carvalhais (1887-1961), contemporâneo de Amadeo, a par de uma outra, «10 Amad(e)ores. Desafio de Amadeo aos Artistas Contemporâneos», iniciativa do ACARTE organizada na galeria do piso 1 do CAM, que contou com a curadoria de Sílvia Chicó e pretendeu refletir sobre o legado de Amadeo. Acerca da mostra, a crítica de arte (aqui curadora) escreveu: «É preciso vencer a resistência ao título e a distância entre a sede da FCG e o CAM.» («10 Amad(e)ores no Centro de Arte Moderna», Expresso, 29 ago. 1987)

Esta exposição de Amadeo de Souza-Cardoso tinha um objetivo bem diferenciado da mostra que, em 1983, esteve integrada no projeto de inauguração do Centro de Arte Moderna e que se intitulou «Amadeo de Souza-Cardoso. A Primeira Descoberta de Portugal na Europa do Século XX», com o comissariado de Paulo Ferreira («Exposições recordam Souza-Cardoso e Stuart», A Capital, 13 jul. 1987). Em 1987, apresentava-se uma exposição de pendor retrospetivo, contendo informação cronológica e biográfica sobre o artista, documentos pertencentes ao espólio da família, fotografias e referências a companheiros e amigos do círculo português e parisiense, e ainda material sobre o seu atelier em Paris. Para facilitar o enquadramento histórico, a mostra incluía um «painel cronológico com os maiores acontecimentos políticos e culturais do que se fez em Portugal e França, na época» (Mendonça, DN Magazine, 16 ago. 1987, p. 8). O espaço expositivo integrava ainda um conjunto de obras de alguns dos companheiros de Amadeo, como Sonia Delaunay (1885-1979), Robert Delaunay (1885-1941), Eduardo Viana (1881-1967), José Pacheko (1885-1934) e Almada Negreiros (1893-1970). Numa pequena sala, encontravam-se trabalhos de caricatura, desenhos de arquitetura e as primeiras obras (desenho e óleo) de Amadeo.

Pretendeu-se uma exposição que pusesse em diálogo a obra plástica de Amadeo e a diversidade de documentação reunida, na qual se incluíam diversos livros da sua autoria, como se lê neste excerto de um documento interno da FCG: «Será a exposição mais documentada até agora apresentada e isso só foi possível, graças à colaboração de Museus nacionais e estrangeiros. A acompanhar a exposição haverá slides e visitas guiadas.» (Nota interna, 30 jun. 1987, Arquivos Gulbenkian, CAM 00037)

A exposição foi composta por 120 pinturas, 80 desenhos e aguarelas, tendo sido considerada pela imprensa como «a maior exposição» dedicada a Amadeo (Nota interna, 1 jul. 1987, Arquivos Gulbenkian, CAM 00037). Algumas das obras, oriundas de colecionadores privados e da coleção do CAM, exigiram restauros prévios, situação que ilustra o ineditismo de várias das obras em exposição.

No processo de pesquisa, que se desenvolveu ao longo de três anos, a colaboração de Paulo Ferreira e da viúva do artista, Lucie de Souza-Cardoso, permitiu reunir novos elementos até então desconhecidos do grande público. Apesar de ter mostrado alguma relutância no início, Lucie de Souza-Cardoso acabou por disponibilizar para a exposição algum material pessoal do artista, como uma boneca (modelo), fotografias ou a sua paleta. Procurava-se uma apresentação o mais exaustiva possível e, por esse motivo, decidiu-se organizar a exposição na Galeria de Exposições Temporárias da Sede (piso 0), e não na Sala de Exposições Temporárias do Centro de Arte Moderna, um espaço de menores dimensões.

Numa entrevista concedida ao Diário de Notícias, José Sommer Ribeiro e Isabel Guedes Olazabal afirmariam: «[…] não quisemos mostrar os quadros, mas, principalmente, efectuar um estudo sobre a sua obra. Estudo que, apesar das análises e pesquisas que têm sido feitas, pretende ir um pouco mais longe [...]. São divulgadas algumas coisas que nunca foram vistas, designadamente as portas de uns armários que pintou aos nove anos.» (Mendonça, DN Magazine, 16 ago. 1987, pp. 8-9)

Para o trabalho de investigação, a FCG esteve igualmente «em contacto com a Televisão e a Cinemateca, para cobrir tudo o que foi feito por e sobre Amadeo» (Ibid., p. 9). João Bénard da Costa, subdiretor da Cinemateca Portuguesa, disponibilizaria para a exposição o único registo arquivado no espólio da instituição, um filme de Silva Brandão produzido em 1959 pelo Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (Carta de João Bénard da Costa para José Sommer Ribeiro, 2 set. 1987, Arquivos Gulbenkian, CAM 00035).

O processo de investigação centrou-se no trabalho desenvolvido pelo Departamento de Documentação e Pesquisa do Centro de Arte Moderna, ao qual se associou a pesquisa desenvolvida por Amílcar Baião Pinto, em Lisboa e no norte do país, e a de Paulo Ferreira, em Paris.

O facto de se pretender expor a quase totalidade da obra de Amadeo – para cuja pesquisa muito contribuiu Paulo Ferreira, que assumiu a intermediação com a viúva do artista (na altura com 96 anos) e com diversas instituições nacionais e internacionais – explica, seguramente, o êxito público desta exposição. No entanto, a ausência de um fio condutor, de um itinerário definido, seria vista como uma desvantagem por José-Augusto França, que criticou o facto de a exposição não ter dado «nenhum destaque […] a qualquer das obras expostas, nivelando-se todas elas, no seu conjunto, umas após outras, por ordem mais ou menos cronológica – o melhor ao lado do pior, o bom ao lado do mau. […] O defeito da exposição realizada é, por conseguinte, deixar o público menos apto a uma leitura crítica incapaz de seleccionar e entender o que se passa na arte de Amadeo, falto de um fio conducente» (França, Colóquio/Artes, n.º 74, set. 1987, p. 72).

Em julho de 1987, enquanto a exposição ainda decorria, foram retiradas duas obras, o Quadro G (Inv. 77P2) e Étude du Nu (Inv. 77DP401), para figurarem na exposição «1912: Break-Up of Tradition», realizada na Winnipeg Art Gallery, no Canadá. Esta decisão resultava de um acordo entre três instituições: o museu canadense, a FCG e o Centre Georges Pompidou. Este último, quando contactado pela FCG para o empréstimo da obra Les Cavaliers, de Amadeo, já tinha autorizado a sua cedência para a exposição da galeria canadiana, a decorrer entre 6 de agosto e 4 de outubro de 1987. Perante este facto, e sendo essa uma obra de particular relevância para a mostra organizada em Lisboa, a FCG acordou com a Winnipeg Art Gallery a substituição da obra do museu francês por duas obras da coleção do CAM, um óleo e um desenho de Amadeo, o que veio a concretizar-se. Mais tarde, no fim de setembro desse ano, a obra Cavaleiros (Inv. 92P208) foi também retirada da exposição, como já tinha acontecido com o conjunto de portas pintadas pelo artista.

No âmbito da programação associada, foram organizadas visitas guiadas à exposição, de terça a sexta-feira, de manhã e de tarde, entre 22 de setembro e 23 de outubro de 1987, asseguradas por Maria do Céu Baptista, Luísa Arruda, Marina Bairrão Ruivo e Paulo Henriques. Além destas, também se realizaram, nos dias 20, 21 e 24 de outubro, as chamadas «visitas comentadas», sob o título «O Crítico e o Artista», orientadas por Sílvia Chicó, Pedro Calapez, Rui Mário Gonçalves, Jorge Pinheiro, António Rodrigues e Joaquim Bravo.

O CAM produziu também um vídeo sobre Amadeo, da autoria de Maria Helena Oliveira, e a jornalista Helena Balsa realizou um filme sobre o artista, baseado na exposição. O filme viria a ser exibido no canal 1 da RTP, no dia 24 de outubro de 1987, pelas 22 horas (véspera do encerramento da exposição).

No âmbito das comemorações do centenário do artista, foram ainda realizadas outras filmagens da exposição, dirigidas pelo realizador Paulo Rocha, num projeto subsidiado pela RTP e com vista à produção de um documentário. As rodagens decorreram nos dias 20 e 21 de julho de 1987, integrando diversas imagens da exposição, com especial destaque para uma das obras do artista que iria ser retirada no final desse mês.

O merchandising da exposição incluiu a produção de T-shirts serigrafadas com a assinatura do artista, calendários e a edição de um álbum com a reprodução de 20 desenhos do artista, intitulado XX Dessins par Amadeo de Souza-Cardoso.

Em programação paralela, realizou-se o colóquio «Centenário do Nascimento de Amadeo de Souza-Cardoso», que terminou com a iniciativa «Ilustração de Amadeo pela Palavra», no contexto da qual foi apresentado um vídeo com os escritores Maria Alberta Menéres e António Torrado. Foi publicada uma monografia da autoria de ambos, com reprodução de desenhos retirados do álbum XX Dessins par Amadeo de Souza-Cardoso.

Realizou-se ainda a apresentação cénica de Pierrot Y Arlequim, com apontamentos de cenário e figurinos de Almada Negreiros, a qual fora inicialmente pensada como uma leitura dramatizada do texto. No dia 20 de julho, dia da celebração do aniversário da FCG, presidiu à inauguração da exposição o então presidente da República, Mário Soares.

Entre 20 de setembro e 20 de outubro, a exposição foi vista por 70 830 pessoas, totalizando, no encerramento, mais de 115 000 visitantes. A afluência maciça de público originou alguns problemas de segurança no espaço expositivo, o que levou a que se viesse a pedir a vigilância suplementar da PSP de Lisboa. No último dia em que a exposição esteve patente, o horário de visitas foi alargado até às 19h30.

No contexto das comemorações do centenário do nascimento do artista, foi realizado um concurso visando a criação de uma medalha comemorativa da efeméride, para cuja maquete a FCG convidou os escultores Armando Alves, José Aurélio, Hélder Baptista, José Rodrigues e Maria Irene Vilar. Porém, a Fundação acabaria por deliberar, por unanimidade, não executar nenhuma das propostas, considerando que «nenhum dos projectos evidenciava o espírito de invenção ou de imaginário que dá significado e que prestigia a obra e a figura do homenageado, não obstante ter sido dada aos concorrentes toda a liberdade de concepção» (Carta de José Sommer Ribeiro para José Aurélio, 22 jun. 1987, Arquivos Gulbenkian, CAM 00036).

Por sua vez, os Correios de Portugal lançaram no dia 27 de agosto de 1987 um selo desenhado por António Pimentel (1935-1998), com a colaboração de José-Augusto França. Em fevereiro do ano seguinte foram produzidos novos selos, integrados numa série dedicada à pintura portuguesa do século XX, na qual se inseriu uma homenagem a Amadeo. A empresa Comboios de Portugal pretendeu associar-se à efeméride do centenário, promovendo a reprodução de uma obra de Amadeo, propriedade da FCG, na edição de um calendário artístico. Esta ideia surgia associada ao facto de a primeira viagem de comboio entre Lisboa e Paris, a bordo do Sud Express, ter acontecido exatamente no dia do nascimento de Amadeo (Carta enviada a José Sommer Ribeiro, 29 out. 1987, Arquivos Gulbenkian, CAM 00036).

Quando José Sommer Ribeiro se deslocou a Amarante com o propósito de escolher as obras de Amadeo de Souza-Cardoso que viriam a fazer parte da exposição da FCG, o presidente da câmara municipal solicitou que se levasse a exposição àquela cidade e à Casa-Museu Albano Sardoeira. Pretendia-se igualmente apoiar a criação de um busto do artista, criar uma medalha comemorativa do centenário e retomar a atribuição do prémio de pintura «Amadeo de Souza-Cardoso». A itinerância da exposição viria mesmo a realizar-se em Amarante, no Museu Biblioteca Albano Sardoeira – Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso, com organização do Centro de Arte Moderna da Fundação. Inaugurou no dia 14 de novembro de 1987, estendendo-se até 13 de dezembro do mesmo ano. A Câmara de Espinho também solicitou a itinerância da exposição, mas esta não se chegou a realizar em virtude do compromisso com Amarante (Carta do presidente da Câmara Municipal de Espinho para José Sommer Ribeiro, 8 set. 1987, Arquivos Gulbenkian, CAM 00035).

Foram apresentadas 234 obras, com o intuito de mostrar os principais trabalhos do artista e de definir, da melhor forma, os períodos da sua obra. A exposição foi considerada «a maior e mais valiosa jamais realizada na região» (Repórter do Marão, 13 nov. 1987). O CAM assegurou o transporte das obras para Amarante, assim como o seu regresso a Lisboa, que aconteceu no dia 18 de dezembro 1987. Todavia, cerca de trinta obras acabariam por não integrar a mostra em Amarante, devido ao facto de este museu não possuir, à data, ar condicionado, o que levou alguns colecionadores a considerarem não haver condições adequadas para a exposição. O museu era de construção recente, mas existiam alguns problemas de estrutura, principalmente relacionados com a gestão da temperatura e da humidade. Para colmatar este problema, a FCG chegou a adquirir dez desumidificadores para Amarante, que deveriam ser usados futuramente noutras exposições itinerantes organizadas pela Fundação. A montagem da exposição foi executada pelos funcionários da oficina do Serviço de Exposições e Museografia da FCG em colaboração com o CAM.

A imprensa também deu destaque à programação paralela realizada em torno desta exposição. Fernando de Azevedo, Fernando Pernes, Sílvia Chicó (que não pôde estar presente e foi substituída por António Rodrigues) e António Cardoso foram convidados a realizar uma conferência em Amarante. Depois de cada sessão, seguia-se a exibição de um filme sobre um movimento artístico – cubismo, expressionismo e impressionismo – e, por fim, um documentário sobre o artista. No último dia da exposição, foi realizada uma mesa-redonda, onde participariam António Cardoso, Bernardo Pinto de Almeida, Fernando de Azevedo, José Sommer Ribeiro e Joaquim Matos Chaves (que acabou por não comparecer na conferência por motivo de doença). Terminada a conferência, realizou-se uma visita guiada à exposição.

Como programação paralela, a Câmara Municipal de Amarante quis apresentar os espetáculos de poesia e de teatro Arlequim Y Pierrot. Contudo, apesar do esforço de Madalena Perdigão, estas apresentações não se puderam realizar devido à falta de tempo e às dificuldades técnicas existentes (Apontamento, 27 nov. 1987, Arquivos Gulbenkian, ACARTE 00386).

Para serem vendidos em Amarante, a FCG enviou calendários, posters com reprodução de obras de Amadeo – como Natureza Viva dos Objectos, Os Galgos, Pintura 1917, La Russe e Quadro G –, coleções de postais (Amadeo Centenário), jornais (Amadeo. Amarante), catálogos das exposições realizadas em 1987 (Centenário do Nascimento de Amadeo de Souza-Cardoso 1887-1987 e 10 Amad(e)ores. Desafio de Amadeo aos Artistas Contemporâneos) e o álbum XX Dessins par Amadeo de Souza-Cardoso, editado pelo CAM, em 1983. Por sua vez, o CAM comprou à escola preparatória de Amarante 500 exemplares da coleção de postais intitulada Homenagem das Crianças de Amarante, para disponibilizar na loja do CAM, revertendo o valor da venda a favor da instituição de solidariedade social CerciAmarante.

Não foi publicado nenhum catálogo especificamente dedicado à itinerância em Amarante, sendo somente disponibilizado para venda o anteriormente editado na exposição na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

Ana Lúcia Luz, 2019