Flaubert na Coleção Gulbenkian

Programada para coincidir com as celebrações do Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, a exposição «Flaubert na Coleção Gulbenkian» apresentou um conjunto de publicações pertencentes à coleção do Museu, maioritariamente compostas por obras de Gustave Flaubert (1821-1880). Estas edições, adquiridas por Calouste Sarkis Gulbenkian, destacam-se pelo seu caráter ilustrado e de luxo.

A exposição «Flaubert na Coleção Gulbenkian» esteve patente entre 19 de abril e 20 de novembro de 2023 e consistiu na apresentação, distribuída por vitrinas dispostas em três núcleos do Museu Calouste Gulbenkian (MCG), de um conjunto de 12 publicações que integram a sua coleção, das quais a maioria (dez) é composta por obras da autoria de Gustave Flaubert (1821-1880): Madame Bovary (1857), Salammbô (1862), La Tentation de Saint Antoine (1874), Trois contes (Heródias, La Légende de Saint-Julien l’Hospitalier e Un Cœur Simple) (1877), Bouvard et Pécuchet (1881) e Par les Champs et par les Grèves (1910). Duas edições complementaram a mostra: exemplares de 1896 da obra La Légende Dorée (c. 1260), de Jacques de Voragine (1228/1230-1298).

A iniciativa permitiu congregar em torno de um mesmo projeto diferentes unidades orgânicas da Fundação: o Museu Calouste Gulbenkian, a Biblioteca de Arte e Arquivos e o Centro de Arte Moderna (CAM).

As publicações expostas foram maioritariamente adquiridas pelo próprio Fundador e destacam-se como edições de luxo, ricamente ilustradas e/ou encadernadas por conceituados especialistas, como Georges Antoine Rochegrosse (1859-1938), Henri Jourdain (1864-1931) e Charles Meunier (1865-1940), tendo sido impressas nas oficinas de Paris entre 1892 e 1924. A exceção foi uma edição única que integra a coleção do CAM e corresponde à Légende de Saint Julien l’Hospitalier, copiada e ilustrada (a tinta-da-china e guache) por Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) em 1912, durante a sua estadia na Bretanha.

Embora Gustave Flaubert tenha inicialmente confessado fortes reticências em relação à ilustração das suas obras – temendo que comprometesse, sobrepondo-se, o poder das suas evocações escritas («Nunca, enquanto for vivo, serei ilustrado, pois a mais bela descrição literária é devorada pelo mais mísero desenho») –, a verdade é que o autor acabou por ceder e perceber que, mais do que concorrentes, as ilustrações poderiam ser fortes aliadas na cativação de leitores.

Com curadoria de Ana Maria Campino, conservadora de livros e documentos gráficos europeus do MCG, a iniciativa foi projetada para coincidir com as celebrações do Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor (23 de abril). Surgiu no seguimento de uma programação que, em anos anteriores, e assumindo também o livro como ponto de partida, levou às vitrinas do MCG obras de Cervantes, Shakespeare e Molière. Estes autores, igualmente representados na Coleção Gulbenkian, potenciaram o estabelecimento de diálogos com as obras que integram a exposição permanente. «Flaubert na Coleção Gulbenkian» reforçou ainda a visibilidade de Calouste Sarkis Gulbenkian enquanto colecionador bibliófilo eclético, que ao longo da vida constituiu duas bibliotecas: uma de documentação (composta por 3000 volumes) e outra de livros-objetos de arte.

Na exposição, a distribuição das diferentes publicações pelo espaço museológico orientou-se de acordo com três principais temáticas que inspiraram o escritor, expoente máximo do realismo literário e um dos maiores autores franceses do século XIX (a par de Victor Hugo, Stendhal, Zola e Balzac): «Antiguidade e o Oriente», «O Imaginário Cristão e Medieval» e «O Século XIX». Em conformidade com esta lógica temática, as obras foram distribuídas por três núcleos do MCG: a sala da Antiguidade greco-romana, as vitrinas dos manuscritos iluminados (relativas ao período medieval) e as vitrinas do século XIX (localizadas na sala correspondente às obras dessa época). Com este percurso, procurou-se evocar o papel desempenhado pelas diferentes fontes documentais e artísticas consultadas por Flaubert no âmbito do seu processo criativo.

Na sala da Antiguidade greco-romana estiveram em exposição, numa vitrina instalada especialmente para o efeito, um exemplar da obra Salammbô (1862), em edição impressa de 1914, e um outro exemplar, impresso em 1892, de Trois Contes (1877), aberto na página de rosto do conto Heródias. Foram ainda exibidas cinco moedas cartaginesas do século III a.C., cunhadas com representações do busto da deusa Tanit e, no reverso, imagens de cavalos.

A edição de Salammbô, adquirida por Calouste Gulbenkian em 1931, corresponde a um exemplar único, ilustrado com aguarelas originais de Edmond Malassis (1874-1944), datadas de 1926 e, portanto, posteriores à impressão. Conta ainda com um desenho a lápis com realces a aguarela da autoria de Théobald Chartran (1849-1907), um retrato do compositor Ernest Reyer (1823-1909) captado por Félix Nadar (1820-1910) e um fragmento musical manuscrito de Reyer. Por sua vez, adquirido em 1924, o outro exemplar dos Trois Contes, não numerado e não comercializado, apresenta aguarelas originais e composições de Georges Antoine Rochegrosse (1859-1938), gravadas a água-forte por Eugène-André Champollion (1848-1901). Inclui também uma carta manuscrita pelo próprio Flaubert. Em 1895, o jornal Le Courrier français integrou esta edição numa listagem dos dez melhores livros modernos ilustrados.

Em Salammbô, o contexto histórico da narrativa corresponde à civilização cartaginesa no decurso da Primeira Guerra Púnica (264-241 a.C.). É neste cenário que se desenvolve uma trágica e fatal história de amor entre a filha de um general cartaginês e um chefe dos mercenários recrutados para o conflito contra os romanos, que acabaram por se revoltar, atacando eles próprios a colónia fenícia e desencadeando outro conflito. Para escrever este livro, Flaubert não só estudou autores gregos e romanos, como contactou o arqueólogo Félicien de Saulcy (1807-1880) e realizou uma viagem de dois meses à Tunísia (em 1858), durante a qual decidiu alterar o nome da obra de Carthage para Salammbô, nome fictício da heroína do seu romance histórico. A protagonista, sacerdotisa da deusa cartaginesa Tanit, apaixonar-se-á pelo mercenário, que também se enamora por ela, apesar de, na sua qualidade de sacerdotisa, ela ter o dever de se manter pura e alienada das paixões mundanas. O livro esteve aberto no capítulo XI, «Sob a tenda», que corresponde, na narrativa, ao único momento em que os jovens se encontram e consumam a sua paixão. Salammbô desloca-se à tenda do chefe dos mercenários com o intuito de resgatar o véu sagrado (Zaïmph) da deusa Tanit, que os cartagineses encaravam como protetor da cidade e que tinha sido roubado pelo jovem. A ilustração remete para esse episódio e mostra o mercenário ajoelhado aos pés da sacerdotisa, que se encontra parcialmente desnuda e com a mão colocada sobre a cabeça dele, em sinal de consentimento. A opção de representar Salammbô como mulher sedutora e fatal, que instrumentaliza os homens, os subverte e condena, contraria a versão predominante na narrativa de Flaubert, que a descreve como ingénua e instrumentalizada.

A viagem empreendida à Tunísia serviu igualmente de inspiração para o conto Heródias, que, apesar de remeter diretamente para as personagens bíblicas centrais de São João Batista e Salomé, centra a narrativa na figura de Herodíade, mãe de Salomé. Herodíade, casada em segundas núpcias com Herodes Antipas, terá coagido a filha a seduzir o padrasto, com o propósito de obter dele uma ordem para assassinar João Batista (que condenava publicamente o casamento de Herodíade com o seu ex-cunhado). De acordo com os evangelhos de São Marcos e de São Mateus, durante a festa de aniversário de Herodes Antipas, a jovem Salomé executou uma dança encantatória que levou o governante da Judeia a prometer satisfazer qualquer desejo que ela expressasse. Sob a influência de Herodíade, Salomé pediu e obteve a cabeça de João Batista, realizando assim o plano da mãe. Uma pintura do simbolista Gustave Moreau, centrada na figura de Salomé, que Gustave Flaubert terá admirado no Salon de 1876, terá também influenciado o escritor durante o processo de escrita deste conto.

O livro encontrava-se aberto no frontispício, e a ilustração de Rochegrosse (a partir de uma aguarela original) remete para o momento em que Herodíade, na cena do banquete que antecede a dança de Salomé, proclama «Longa vida a César», erguendo na mão uma taça romana para rituais (pátera). Rochegrosse, que na sua composição integra elementos descritos por Flaubert (como os festões de anémonas e a indumentária escarlate), recebeu várias medalhas no âmbito dos Salons, a partir de 1882.

A segunda vitrina alocada à iniciativa, que no contexto da exposição permanente exibe manuscritos medievais iluminados, foi ocupada na íntegra por seis publicações que remetem para a influência do imaginário cristão e medieval na obra de Flaubert: uma edição de La Tentation de Saint Antoine, três dos Trois Contes, abertos na Légende de Saint-Julien l’Hospitalier, e, finalmente, outras duas da obra La Légende Dorée, de Jacques de Voragine, apontada como fonte literária de inspiração para o escritor francês.

A edição de La Tentation de Saint Antoine, impressa em 1907, corresponde ao décimo segundo exemplar de uma tiragem de 350 e foi adquirida por Calouste Gulbenkian em 1924. Integra uma aguarela original e composições, novamente de Rochegrosse, desta feita gravadas a água-forte por Eugène Decisy (1866-1936). A narrativa, de difícil classificação (entre o poema em prosa, a narrativa e o teatro), teve três versões publicadas por Flaubert (1849, 1856 e 1874) e foi dedicada ao seu amigo e poeta Alfred Le Poittevin (1816-1848). Centra-se na vida do cristão Santo Antão, nascido em meados do século III e que, aos vinte anos, decide despojar-se de todos os seus bens materiais para se dedicar ao ascetismo. Santo Antão torna-se eremita no alto de uma montanha localizada no deserto do Egito (zona da Tebaida), onde vive ladeado por uma cabana e uma cruz. Ao longo do tempo em que aí permanece, é recorrentemente atormentado por visões de diferentes personagens, que o confrontam e põem à prova a firmeza dos seus desígnios e a autenticidade da sua fé – entre as quais a rainha de Sabá e alguns deuses da Antiguidade greco-romana e egípcia.

O livro encontrava-se aberto na passagem que remete para o diálogo que Apolónio de Tiana (filósofo da escola pitagórica) e Damis, seu discípulo, estabeleceram com Santo Antão. Entre as fontes visuais e escritas que terão influenciado o escritor durante o processo criativo desta obra, contam-se a pintura de Brueghel do século XVI (que Flaubert viu em Génova em 1845), uma gravura do século XVII da autoria de Jacques Callot (1592-1635), ambas alusivas à mesma temática, bem como a tradução francesa da obra de Georg Friedrich Creuzer (1771-1858) sobre a simbologia e a mitologia nas religiões da Antiguidade.

Duas das edições dos Trois Contes – La Légende de Saint-Julien l’Hospitalier em exposição foram adquiridas por Calouste Gulbenkian em 1924. A primeira, impressa em 1895, corresponde ao n.º 35 de uma tiragem de 500 exemplares e integra uma aguarela original e composições de Luc-Olivier Merson (1846-1920), gravadas a água-forte, bem como uma carta manuscrita de Gustave Flaubert. A segunda, com data provável de edição em 1908, é um exemplar único, ilustrado com aguarelas originais de André des Gachons (1871-1951). Finalmente, foi ainda exibida a edição que Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) realizou em 1912, na Bretanha, de La Légende de Saint-Julien l’Hospitalier. Trata-se de um exemplar único, que se aproxima do conceito de livro de artista, caligrafado e ilustrado a tinta-da-china e guache, contendo 143 fólios (83 ilustrados), montados em carcelas. Integra a coleção do CAM por doação de Lucie de Souza-Cardoso, viúva do artista.

La Légende de Saint-Julien l’Hospitalier foca-se, novamente, no relato da vida de um santo, na qual um animal (veado) assume um papel preponderante no desenvolvimento da narrativa. Julião, jovem aristocrata e caçador, resolve expiar o pecado de ter assassinado os pais – incitado por uma suposta prática de incesto não confirmada. Para cumprir penitência, abandona a sua cidade natal e torna-se, primeiro, mendigo e, depois, estalajadeiro, acolhendo os pobres. Assim, alcança não só o perdão mas também a santidade. O conto termina com uma referência do autor aos vitrais do século XIII que, na Catedral de Rouen (terra natal de Flaubert), aludem à lenda e o inspiraram. A publicação de 1895 encontrava-se aberta numa ilustração que remete para a cena em que o veado, que assume dimensões excessivas, se dirige ao jovem e o amaldiçoa. Na outra edição adquirida pelo Fundador, a aguarela ilustra outros detalhes da narrativa, como a presença de uma fêmea e da sua cria. Da obra de Amadeo de Souza-Cardoso foi exibido um fólio ilustrado que inclui representações vegetalistas e de veados.

Finalmente, a referida vitrina acolheu ainda duas edições distintas, ambas de 1896, da Legenda Áurea, coletânea composta por narrativas hagiográficas escritas por volta de 1260 pelo clérigo Jacques de Voragine (1228/1230-1298), integrando, ela própria, referências a Santo Antão e a São Julião. No entanto, ambos os exemplares em exibição reportam a Santo Eustáquio. O livro adquirido por Calouste Gulbenkian em 1924, não numerado, foi exibido fechado, destacando-se a capa, encadernada em marroquim verde por Charles Meunier (1865-1940) e datada de 1909. Com influência da estética Arte Nova, nela surgem vários elementos simbólicos, como a cabeça do veado de Santo Eustáquio, uma espada, um incensório e uma dupla flor-da-paixão. A outra edição da mesma obra foi adquirida em 1899 e corresponde ao exemplar 181 de uma tiragem de 210. A publicação conta com litografias a cores de Alexandre Lunois (1863-1916) e enquadramentos concebidos pelo mesmo e gravados sobre madeira por M. Thomas (século XIX). Neste caso, a ilustração em destaque remete para a imagem do veado associado a uma visão da Santa Cruz.

Na vitrina do núcleo «O Século XIX», a época do próprio Flaubert, estiveram expostas quatro edições, correspondentes às obras Madame Bovary, Trois contes (aberta em Un Cœur Simple), Bouvard et Pécuchet e Par les Champs et par les Grèves. Em todas, foram abordadas temáticas enquadradas na vida quotidiana desse período, tratadas através de abordagens mais ou menos realistas e satíricas, com contornos de crítica social.

A edição que integra Un Cœur Simple, um dos Trois Contes (1887), foi impressa em 1894 e adquirida em 1924. Exemplar não numerado e não comercializado, integra uma aguarela original e composições de Louis-Émile Adan (1839-1937), gravadas a água-forte por Eugène-André Champollion (1848-1901), assim como uma carta manuscrita de Gustave Flaubert. O conto narra a vida repleta de miséria, infortúnios e dor de uma criada órfã, Félicité. A protagonista, que desde os 18 até aos 50 anos trabalhou para uma mesma família, é descrita por Flaubert como sendo uma serviçal exemplar, detentora de uma fé inabalável e de um coração puro. Em resultado da sua solidão, Félicité acaba por desenvolver uma imensa ternura por Loulou, um papagaio que lhe foi dado de presente e que, depois de morto, ela decide empalhar. A morte encontra a criada enquanto decorre a procissão do Corpus Christi, e é antecedida por uma visão em que o Espírito Santo lhe aparece sob a forma de um papagaio gigante. A narrativa foi inspirada na região e nas memórias da infância de Flaubert, nomeadamente da governanta que passou mais de cinquenta anos ao serviço da sua família. Aberto no capítulo IV, destacou-se uma ilustração a preto-e-branco, na qual, em primeiro plano, surge a criada sentada no chão e o papagaio em cima de um poleiro.

De Bouvard et Pécuchet (1881), foi exposta uma edição de 1904, adquirida por Calouste Gulbenkian em 1924 e identificada como o vigésimo sétimo exemplar de uma tiragem de trinta. Contém uma aguarela original, um desenho a lápis e composições de Charles Huard (1872-1965), bem como uma aguarela original de Gaston Hochard (1863-1913) e uma carta manuscrita de Flaubert. Em Bouvard et Pécuchet, o início da narrativa remete para a cidade de Paris, após a Revolução de 1848, quando, num domingo de verão, Bouvard e Pécuchet se conhecem ao partilharem um mesmo banco público. Ambos chegam à conclusão de que têm muito em comum: não só a atividade profissional, como o interesse por diferentes matérias (sobre as quais realizam leituras generalistas) e o desejo de viver no campo. A inesperada herança que um deles recebe acaba por possibilitar a realização dessa ambição, e os dois mudam-se para uma quinta. O entusiasmo pelo saber universal logo esmorece, dando lugar à frustração, e decidem regressar a Paris para elaborar uma «enciclopédia da estupidez humana». O romance, que em tom de comédia satiriza a ambição dos seus contemporâneos pelo saber universal, é abruptamente interrompido no capítulo dez, mas o manuscrito original contém um plano de Flaubert para a sua conclusão. O livro encontrava-se aberto numa ilustração a preto-e-branco que mostra os dois homens sentados num banco de jardim.

Par les Champs et par les Grèves (1910) foi integrado através de uma edição de 1924, adquirida um ano depois por Calouste Sarkis Gulbenkian. Exemplar único, impresso especificamente para o comprador dos desenhos originais, é ilustrado com aguarelas originais e gravuras a água-forte de Henri Jourdain (1864-1931). A obra, que assume contornos de um diário de viagem, foi concebida em parceria com o amigo, escritor e fotógrafo francês Maxime Du Camp (1822-1894). Composta por doze capítulos – Du Camp escreveu os pares e Flaubert os ímpares –, baseia-se no relato da deslocação que ambos empreenderam à zona da Bretanha, em 1847, percorrendo um total de sessenta léguas, em condições por vezes difíceis por se tratar de uma região, à época, bastante selvagem, afastada da civilização. Dois anos mais tarde, em 1849, Du Camp acompanhou Flaubert durante os primeiros sete meses da viagem que este realizou ao Oriente e que durou um ano e meio. A ilustração mostra embarcações, em movimento e atracadas num porto.

Finalmente, de Madame Bovary (1857), esteve presente uma edição de 1912, adquirida em 1935. O exemplar, n.º 34 de uma tiragem de 150, foi ilustrado com aguarelas originais e águas-fortes, novamente de Henri Jourdain, nas quais a ação é apenas sugerida pela representação de ambientes, sem a presença de personagens. Conta ainda com uma litografia original de Charles-Lucien Léandre (1862-1930).

Madame Bovary é, indiscutivelmente, o mais famoso e polémico romance de Flaubert, e encontrou inspiração numa história verídica para abordar a temática do adultério feminino. Emma, a personagem principal, pertence à pequena-burguesia da Normandia, e é apresentada como uma jovem bela, educada num convento, requintada, sonhadora e consumidora feroz de literatura sentimental – que lhe inspira as mais variadas ambições românticas. O seu casamento revela-se uma desilusão e, frustrada, torna-se não só uma consumidora excessiva de bens materiais (mergulhando a família em dívidas), como se refugia em casos extraconjugais que não correspondem às suas expectativas amorosas. Emma Bovary acaba por se suicidar com arsénico, e o marido também morre, na sequência do profundo sofrimento causado pela descoberta das traições da mulher. Com uma forte componente de crítica social, nesta obra Flaubert aponta o dedo à classe social a que ele próprio pertencia, acusando-a de ser excessivamente consumista. Nesta linha, e face ao enorme escândalo que a obra desencadeou, proferiu a célebre frase: «Madame Bovary sou eu.» Numa das páginas em que o livro se encontrava aberto, pôde observar-se uma ilustração em que surge representada uma paisagem, pontuada por um percurso pedestre (ladeado por árvores e situado na margem de um rio), bem como, em segundo plano, edifícios de uma cidade. Como em todas as ilustrações que Henri Jourdain realizou para esta obra, a ação é sempre sugerida exclusivamente pela representação de ambientes, não incluindo personagens.

No que concerne a atividades paralelas programadas no âmbito da exposição, decorreu, no dia 22 de abril, uma visita à mostra acompanhada por uma conversa, orientada pela curadora Ana Maria Campino. Intitulada «Da carnificina à salvação: o mundo animal em Flaubert», destacou o papel crucial que determinadas personagens do reino animal recorrentemente assumem em diferentes obras do escritor. A iniciativa contou com interpretação em língua gestual portuguesa.

Mais tarde, a 6 de maio, numa parceria entre o Museu Gulbenkian e a Biblioteca de Arte e Arquivos da Fundação Calouste Gulbenkian, teve lugar a conferência «Flaubert e a ilustração na viragem do século XIX para o século XX», que contou com a moderação da curadora e reuniu três convidados: Ana Vasconcelos (curadora do CAM e historiadora de arte), Emília Ferreira (diretora do MNAC e historiadora de arte) e Jorge Silva, designer editorial. Os participantes discutiram os caminhos da ilustração na transição do século XIX para o século XX, cruzando curadoria, história da arte, design gráfico e colecionismo. Finalmente, a 28 de outubro, Ana Maria Campino realizou uma visita geral à exposição, que voltou a contar com interpretação em língua gestual. 

«Flaubert na Coleção Gulbenkian» foi também objeto de algumas inscrições mediáticas, nomeadamente no site MutualArt e no âmbito do artigo «Histórias de arte nos livros Gulbenkian», publicado no Observador a 19 de dezembro, no qual a exposição é referenciada.

Cristina Campos, 2024


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Gustave Flaubert - La Légende de Saint Julien L'Hospitalier

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Gustave Flaubert - La Légende de Saint Julien L'Hospitalier, Inv. DP1822

Desconhecido

c. 302 a. C. / Inv. N37

Desconhecido

c. 264-240 a. C. / Inv. N387

Desconhecido

c. 264-240 a. C. / Inv. N386

Desconhecido

c. 264-240 a. C. / Inv. N385

Desconhecido

c. 270 a. C. / Inv. N383

Bouvard et Pécuchet

Gustave Flaubert (1821-1880)

Bouvard et Pécuchet, 1881 / Inv. LM70

Hérodias

Gustave Flaubert (1821-1880)

Hérodias, 1877 / Inv. LM71

La légende de Saint-Julien l' Hospitalier

Gustave Flaubert (1821-1880)

La légende de Saint-Julien l' Hospitalier, 1877 / Inv. LM72

La tentation de Saint Antoine

Gustave Flaubert (1821-1880)

La tentation de Saint Antoine, 1874 / Inv. LM75

Madame Bovary, moeurs de province

Gustave Flaubert (1821-1880)

Madame Bovary, moeurs de province, Dp. 1851 / Inv. LM406

Par les champs et par les grèves

Gustave Flaubert (1821-1880)

Par les champs et par les grèves, 1885 / Inv. LM74

Salammbô

Gustave Flaubert (1821-1880)

Salammbô, 1926 / Inv. LM299

Trois contes - Un coeur simple; La légende de Saint Julien l'Hospitalier; Hérodias

Gustave Flaubert (1821-1880)

Trois contes - Un coeur simple; La légende de Saint Julien l'Hospitalier; Hérodias, 1908 / Inv. LM73

Un coeur simple

Gustave Flaubert (1821-1880)

Un coeur simple, 1877 / Inv. LM76

La légende dorée

Jacques de Voragine (1228/1230-1298)

La légende dorée, Séc. XIII / Inv. LM293

La légende dorée

Jacques de Voragine (1228/1230-1298)

La légende dorée, Séc. XIII / Inv. LM291


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