Obra em Foco. D. Quixote, 1605 – 1615

Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor

Exposição da série «Obra em Foco», organizada por ocasião do Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor, em colaboração com a Biblioteca de Arte e o Instituto Cervantes. Comissariada por João Carvalho Dias, a mostra partia das escolhas de Calouste Gulbenkian e propunha uma reflexão sobre as ilustrações de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes.
Exhibition from the “A Work in Focus”, series organised for World Book and Copyright Day, in collaboration with the Art Library of the Cervantes Institute. Curated by João Carvalho Dias, the show was based on Calouste Gulbenkian’s choices and proposed a reflection on Miguel de Cervantes’ illustrations of Don Quixote.

Por ocasião do Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor, o Museu Calouste Gulbenkian, em colaboração com a Biblioteca de Arte e o Instituto Cervantes, inaugurou mais uma mostra da série «Obra em foco» dedicada à arte do livro.

A obra escolhida foi O Engenhoso Fidalgo D. Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616), comemorando-se assim o aniversário da sua primeira edição (publicada em duas fases: 1605 e 1615). Apresentada num dos corredores do Museu, esta pequena mostra transformava um local de passagem num pequeno gabinete de curiosidades, no qual o visitante poderia deter-se durante o tempo desejado, fazendo uma pausa no percurso da exposição permanente.

Esta mostra, comissariada por João Carvalho Dias, partia da análise histórica e artística das escolhas de Calouste Sarkis Gulbenkian e propunha uma reflexão sobre a ilustração e a sua relevância no entendimento da obra literária em destaque, bem como na construção e mitificação da imagem de D. Quixote. Por outro lado, à semelhança das restantes mostras desta série, esta podia ser lida como mais um capítulo da história da Coleção Gulbenkian, que o Museu ia dando a conhecer ao público.

A obra de Cervantes em destaque entrou para a coleção de livros de Calouste Gulbenkian em dois momentos distintos – 1924 e 1951 – e por diferentes vias – uma aquisição e uma oferta. Essas duas edições, que distam mais de dois séculos entre si, possuem características muito particulares, como explica o curador no seu texto para o catálogo: «[…] uma importante edição da responsabilidade do editor e livreiro de A Haia, Pieter Hondt (1746), com temas gravados a água-forte a partir de desenhos de artistas de relevo, como Charles-Antoine Coypel, François Boucher, ou Charles-Nicolas Cochin; e os dois volumes da primeira parte da obra, publicada em Paris, por Les Bibliophiles Franco-Suisses, sociedade de que Calouste Gulbenkian foi membro entre 1932 e 1951, profusamente ilustrados por Albert Decaris (1951).» (Obra em Foco. D. Quixote 1605/1615, 2015, p. 5) A primeira foi adquirida por Calouste Gulbenkian na venda da coleção de Madame Poullier-Ketele; a segunda, oferecida ao colecionador e bibliófilo, sem encadernação, pela Societé des Bibliophiles Franco-Suisses, da qual era membro.

Para a apresentação destes livros, abertos em páginas criteriosamente escolhidas, de forma a representar o trabalho de ilustração neles contido, foram propositadamente desenhadas duas vitrinas, uma delas destinada a um único livro, o volume da edição de 1746, e outra que apresentaria um conjunto de livros, de forma a serem analisados em paralelo. Nas paredes foram incluídos painéis de texto. Cada livro era assim acompanhado por uma ficha técnica detalhada e um breve texto que o contextualizava na história da imagem gráfica das personagens de Cervantes.

De forma a serem aprofundados aspetos iconográficos e diferentes interpretações gráficas que surgiram ao longo do tempo, foram ainda incluídos nesta mostra o documentário Don Quichotte de Cervantes (1965), de Éric Rohmer, e um slideshow produzido pelo Museu. Estes acabavam por revelar como as ilustrações de um texto literário podem ser um rico complemento, mas também noutros casos podem interferir negativamente na leitura da obra.

A exposição começava com o exemplar da edição de 1746, adquirido por Calouste Gulbenkian em 1924. Exposto isoladamente numa vitrina, este encontrava-se aberto na página da primeira estampa («D. Quixote guiado pela loucura e incendiado pelo amor extravagante de Dulcineia parte de sua casa para se tornar cavaleiro errante»), de modo a introduzir o visitante no universo da obra e na imagem de D. Quixote criada por Charles-Antoine Coypel, a qual permaneceu como referência durante mais de um século. A história da edição e do processo de ilustração era brevemente descrita no texto de parede que acompanhava o livro.

Outras leituras e propostas gráficas posteriores encontravam-se na segunda vitrina, que reunia volumes de várias proveniências. Aos dois primeiros da edição de 1951 oferecida a Calouste Gulbenkian juntavam-se exemplares pertencentes ao espólio da Biblioteca de Arte, e um outro de uma coleção particular. A análise de cada um destes volumes encaminhava a reflexão para direções distintas, levantando questões sobre a relação texto-imagem que poderiam ultrapassar o caso em estudo.

A edição de 1951 integrara também a mostra, pela relevância conferida à imagem de D. Quixote reinventada por Albert Decaris (1901-1988), seu ilustrador. Nas palavras de João Carvalho Dias, «Albert Decaris […] interpreta os humores de D. Quixote, Sancho Pança e das restantes personagens do romance, criando uma linguagem visual de grande rigor técnico, de cariz figurativo que não ignora o anedótico» (Obra em Foco. D. Quixote 1605/1615, 2015, p. 13). Como ilustrações representativas destas qualidades foram selecionadas aquelas que acompanhavam as seguintes passagens: «E ali, posto Sancho no meio da manta, começaram a atirá-lo para cima e a brincar com ele, como um cão pelo Carnaval» (Cervantes, D. Quixote de La Mancha, vol. I, parte I, cap. VIII) e «Como os cavaleiros andantes se socorrem mutuamente do ataque de ferozes e horrendos monstros» (Cervantes, D. Quixote de La Mancha, vol. II, parte I, cap. XXXI).

Ainda sobre a qualidade interpretativa ou tradução gráfica do texto, foram incluídos dois volumes ilustrados por Gustave Doré (1832-1883) e pertencentes a uma coleção particular. Estes surgiam como importante exemplo da ação da ilustração, uma vez que, nas palavras do curador, «revelam, através das imagens que encerram, a riqueza e complexidade do texto de Cervantes» (Obra em Foco. D. Quixote 1605-1615 [painel expositivo], 2015).

A difusão desta obra literária, «um verdadeiro fenómeno de globalização», nas palavas de João Carvalho Dias, encontrava-se representada, no que diz respeito ao contexto português, não só pela tradução dos viscondes de Castilho e de Azevedo, editada pela Lello & Irmão (1929), mas também por dois volumes do acervo da Biblioteca de Arte que fizeram parte das bibliotecas pessoais do pianista e compositor José Vianna da Motta e do artista modernista Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) (Obra em Foco. D. Quixote 1605/1615, 2015, p. 5).

Exemplar da primeira edição ilustrada em língua espanhola (1662), o volume que pertencera a Vianna da Motta possui igualmente um valor histórico que justifica a sua seleção para a exposição. Já o adquirido por Amadeo, de uma edição publicada em Paris, em 1906, pelos Libreros-Editores Garnier Hermanos, foi incluído na mostra por possuir duas figuras desenhadas a grafite e a assinatura do artista modernista português na primeira guarda livre. O desenho de traço livre e curvilíneo dessas figuras está muito distante das ilustrações pormenorizadas de Gustave Staal que acompanham o texto, aproximando-se mais da pintura D. Quixote (1914) pertencente à coleção do Centro de Arte Moderna da FCG. À primeira vista, estas não revelam relações com a pintura, mas servem para introduzir uma outra linha de estudo: as interpretações e imagens renovadas de D. Quixote por outros artistas nos campos da pintura e do desenho e o lugar da literatura na obra desses artistas. Sem lugar na exposição, esta via de análise foi brevemente desenvolvida na publicação (com textos do curador e profusamente ilustrada) que acompanhava a mostra.

Esta exposição contou com um diversificado programa de atividades paralelas, entre as quais leituras, uma conversa e uma conferência, bem como um ciclo de cinema, que tiveram lugar no Museu Calouste Gulbenkian e no Instituto Cervantes.

A imprensa generalista não deixou que esta mostra passasse despercebida, nem as atividades a ela associadas, chamando a atenção para a oportunidade de ver tais exemplares, raramente expostos. No entanto, ao ser essencialmente noticiada como parte do programa do Dia Mundial do Livro, ficou em falta um olhar mais aprofundado e de natureza crítica.

Mariana Roquette Teixeira, 2020


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Don Quichotte de la Manche

Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616)

Don Quichotte de la Manche, 1605 / Inv. LM449A/B

Les principales aventures de l'admirable Don Quichotte, représentées en figures par Coypel, Picart Le Roman, et autres habiles maitres: avec les explications des XXXI planches de cette magnifique collection, tirées de l'original espagnol de Miguel de Cervantes.

Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616)

Les principales aventures de l'admirable Don Quichotte, représentées en figures par Coypel, Picart Le Roman, et autres habiles maitres: avec les explications des XXXI planches de cette magnifique collection, tirées de l'original espagnol de Miguel de Cervantes., 1746 / Inv. LA21


Eventos Paralelos

Sessão de leitura

Vamos Ler D. Quixote

23 abr 2015
Fundação Calouste Gulbenkian / Museu Calouste Gulbenkian – Hall
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

À Conversa com o Conservador. João Carvalho Dias

30 abr 2015 – 11 jun 2015
Fundação Calouste Gulbenkian / Museu Calouste Gulbenkian
Lisboa, Portugal
Ciclo de cinema

Prismas de Quixote

27 abr 2015 – 14 mai 2015
Instituto Cervantes
Lisboa, Portugal
Conferência / Palestra

A Recuperação do Imaginário Áureo. Ressuscitar um Teatro do Século XVII no Alcalá de Henares

21 mai 2015
Instituto Cervantes
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias


Multimédia


Documentação


Fontes Arquivísticas

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 20673

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG, Lisboa) 2015


Exposições Relacionadas

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