Fugir ao trânsito: como os neurónios migram na retina em desenvolvimento

Um novo estudo poderá alavancar a compreensão do desenvolvimento complexo do nosso cérebro.
23 jun 2022

Investigadores do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), do Max Planck Institute of Molecular Cell Biology & Genetics e do Technische Universität em Dresden, na Alemanha, descreveram um tipo de migração celular na retina nunca antes identificado no sistema nervoso em desenvolvimento. Este estudo, publicado na revista científica eLife, ajuda a compreender os diferentes modos de migração que os neurónios usam de modo a garantir o desenvolvimento de um órgão tão complexo como o nosso cérebro, com um foco especial na retina.

A retina integra o sistema nervoso central e é responsável por um dos sentidos mais importantes, a visão. Sem esta, não seríamos capazes de captar imagens do mundo ao nosso redor, o que traria consequências para os nossos movimentos, tarefas e interações com os outros. Apesar da importância inegável desta região, ainda não se compreende inteiramente como esta se forma ou é mantida.

Os neurónios da retina, assim como de outras partes do cérebro, nascem, geralmente, em locais diferentes daqueles onde acabam por desempenhar as suas funções. Como tal, aquando do desenvolvimento cerebral estas têm que migrar até ao seu destino final. Mas ainda não é claro como neurónios de diversas morfologias migram de forma eficaz em ambientes tão complexos e dinâmicos. Esta questão é difícil de investigar na maioria das regiões do cérebro, uma vez que estes tecidos são inacessíveis e, consequentemente, não podem ser observados em organismos vivos. A retina, porém, é uma região do sistema nervoso central em que esta tarefa é facilitada, uma vez que se localiza no exterior do embrião. Isto, aliado ao facto de o embrião do peixe-zebra ser transparente e se desenvolver rapidamente, dá origem ao modelo perfeito para estudar o desenvolvimento do sistema nervoso, exatamente onde e quando este acontece.

Empenhados em compreender o desenvolvimento da retina e, em última análise, do cérebro, uma equipa internacional de investigadores estudou recentemente como um tipo específico de neurónios migra para formar uma camada da retina do peixe-zebra. Nesta fase do desenvolvimento, a retina encontra-se lotada com outras células, deixando pouco ou nenhum espaço para trajetórias pré-definidas. Então como é que estes neurónios da retina evitam todo este trânsito?

Os investigadores descobriram que estas células adaptam o seu movimento às restrições espaciais da retina ao mudar frequentemente de forma e direção. Ao adquirir um movimento rastejante, estes neurónios conseguem seguir trajetórias flexíveis e ultrapassar obstáculos para alcançar as suas posições finais. Também observaram que diversas protrusões se estendiam a partir do seu corpo celular. Uma questão que está ainda por explorar é se estas protrusões servem para impulsionar diretamente a migração, ajudar a explorar o ambiente, ou ambas.

“Este tipo de migração permite às células seguir o percurso de menor resistência quando se movem na retina sobrelotada”, explica Caren Norden, investigadora principal do IGC e coautora do estudo. “O processo exato através do qual os neurónios encontram este percurso e se estes dependem de fatores adicionais para migrar serão objetos de estudo interessantes no futuro”, acrescenta. Mas este estudo já nos deixou com algumas pistas relativamente à influência que o ambiente poderá ter na capacidade de negociação de espaço dos neurónios. Os investigadores observaram que quando diminuíam a capacidade de deformação das células vizinhas, vários neurónios deixavam de conseguir alcançar as suas posições finais. Como tal, para migrarem de forma eficaz estas células poderão ter de avaliar o ambiente envolvente. O facto das protrusões dos neurónios se estenderem simultaneamente em múltiplas direções, mesmo quando estes estão parados, sugere que estas estruturas estão envolvidas neste processo.

Em conjunto, estes resultados revelam outra forma de migração crucial para o desenvolvimento e funcionamento adequados de uma região importante do sistema nervoso central, a retina. De acordo com os autores, agora que a sua existência foi revelada, é provável que este tipo de migração se observe noutras áreas do cérebro. Como tal, este e estudos posteriores ajudarão a compreender como é que o complexo processo de desenvolvimento da retina e do cérebro são levados a cabo para, posteriormente, garantir uma função adequada.

 

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