Como são reguladas as interações entre bactéria, hospedeiro e vetor?
O estudo publicado na revista mBio, da American Society for Microbiology, revela que a bactéria Erwinia carotovora se serve de um mecanismo de deteção de quórum tanto para ativar a degradação dos tecidos das plantas como para colonizar o intestino do seu inseto vetor. A descoberta é particularmente relevante para compreender as estratégias usadas pelas bactérias durante a transmissão entre hospedeiros no contexto de doenças transmitidas por vetores.
São muitos os insetos que contribuem para a disseminação de microrganismos patogénicos entre diversos hospedeiros. As bactérias do género Erwinia, em particular, dependem de insetos para se transmitir entre plantas e causam a doença da podridão mole (caracterizada pelo amolecimento/apodrecimento dos tecidos das plantas), que afeta muitas plantações em todo o mundo. A bactéria Erwinia carotovora interage com cada um dos seus hospedeiros através da produção de fatores diferentes. Para infetar uma planta, como por exemplo a planta da batata, produz proteínas que degradam a parede rígida das células, amolecendo os tecidos e permitindo a invasão dos mesmos. Para infetar um dos seus vetores, a mosca Drosophila melanogaster, inicia a expressão de fatores de virulência que lhe permitem colonizar o intestino transitoriamente. Estudos anteriores mostraram que, durante a infeção de plantas, esta bactéria monitoriza a sua densidade celular e ativa a expressão de proteínas que amolecem os tecidos em resposta à deteção do seu quórum. A deteção de quórum é um tipo específico de comunicação celular, usado para sincronizar a expressão de genes em populações de bactérias em função da sua densidade celular.
Dada a importância deste mecanismo para a interação da bactéria Erwinia carotovora com plantas, os investigadores do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) procuraram perceber se este também é importante para a interação com o inseto vetor Drosophila melanogaster. “Descobrimos que as estratégias empregues pela bactéria para infetar o seu vetor são ativadas em função da densidade populacional em resposta às moléculas de deteção de quórum. Isto permite que a expressão dos fatores necessários para a interação com o vetor seja independente da presença deste, sugerindo uma estratégia antecipatória que deve favorecer uma interação mais forte entre a bactéria e o vetor”, explica Filipe Vieira, autor principal do estudo.
“Apesar de esta bactéria precisar de fatores diferentes para interagir com cada hospedeiro, descobrimos que quando atinge o seu quórum na planta, tanto os fatores de virulência para plantas como para insetos são ativados, inclusive na ausência do inseto. Pensamos que este tipo de regulação simultânea é importante para uma transmissão entre hospedeiros diferentes”, explica Karina Xavier, investigadora principal do IGC e líder da equipa que conduziu o estudo. Luís Teixeira, coautor do estudo, adiciona que “este pode ser um mecanismo que permite às bactérias anteciparem-se e preparem-se para a infetar os insetos que são atraídos pelo tecido apodrecido das plantas infetadas.”
Este estudo vem reforçar a ideia de que, ao longo da sua evolução, os seres vivos podem reutilizar as mesmas vias de regulação para ativar funções novas, usadas em contextos diferentes, como o caso desta bactéria e a sua capacidade de infetar hospedeiros muito diversos. Um melhor entendimento da regulação genética por trás destes fenómenos pode revelar muitas mais semelhanças e levar-nos a encontrar estratégias globais de prevenção das doenças associadas a insetos vetores.
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