O que os peixes-zebra fluorescentes nos podem dizer sobre o desenvolvimento do olho

19 out 2022

Como é que se formam os órgãos e o organismo? Um novo estudo liderado pelo Instituto Gulbenkian de Ciência e pelo Max Planck Institute for Cell Biology and Genetics, em Dresden, aproxima-nos da resposta a esta questão, ao combinar uma série de métodos de análise e de ferramentas experimentais inovadoras. Ao utilizar peixes-zebra que brilham, os investigadores conseguiram mostrar como são regulados processos importantes durante o desenvolvimento.

Muitas das nossas células são rodeadas por uma rede complexa de moléculas que as próprias secretam, a matriz extracelular. Para além de dar suporte às células, esta matriz desempenha um papel importante no seu movimento, sendo importante para o desenvolvimento e correto funcionamento dos organismos. Em particular, algumas das suas propriedades, como a rigidez e a organização, podem influenciar a migração das células que são cultivadas em laboratório. Mas ainda não sabemos se o mesmo se verifica quando as células se deslocam nos organismos em desenvolvimento para formar os diferentes tecidos e órgãos.

Para esclarecer esta questão, investigadores do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) e do Max Planck Institute for Cell Biology and Genetics criaram peixes-zebra geneticamente modificados com uma matriz extracelular fluorescente. Os peixes-zebra são o modelo ideal para estudar o desenvolvimento, visto que os seus embriões são transparentes e se desenvolvem muito rapidamente. Este é o modelo de eleição no grupo de Caren Norden no IGC, que estuda como o olho adquire a sua forma. “Quando observámos a matriz extracelular nesta região, a complexidade e a beleza da sua estrutura atraiu-nos de uma maneira indescritível”, recorda Karen Soans, estudante de doutoramento e primeira autora do estudo mais recente do grupo. A curiosidade foi tanta que os investigadores não resistiram a fazer “zoom” e olhar para ela com mais atenção.

As imagens que os investigadores captaram desta região mostraram que, nas fases precoces do desenvolvimento do olho, as células se movem coletivamente sobre a matriz extracelular através de protrusões que se estendem para baixo da célula imediatamente à frente, no sentido da migração. Mas esta dinâmica não é constante. Uma vez que usaram como modelo o peixe-zebra, os investigadores conseguiram observar as interações entre a matriz e as células e gravar vídeos em tempo real. Estes dados de imagiologia mostram que no início e no final do percurso as células parecem deslizar ao longo da matriz enquanto no meio parecem ir-se “descolando” da superfície, dando pequenos passos em direção à meta.

Mas o trabalho foi para além desta observação qualitativa dos movimentos das células. As colaborações estabelecidas com cinco centros de investigação na Alemanha permitiram “direcionar o projeto para uma vertente mais quantitativa, o que foi desafiante, mas também muito motivador”, nota Karen. Parte deste trabalho colaborativo envolveu ferramentas avançadas de análise de imagens para quantificar a dinâmica das interações célula-matriz. Com isto, os investigadores concluíram que nas fases iniciais da migração, as células se moviam de forma mais direcionada ao passo que no final não alteravam muito a sua posição, acabando por parar quando atingiam o seu destino final.

O recurso a microscópios de alta resolução permitiu aos investigadores perceber que, curiosamente, a matriz sobre a qual as células se movimentavam se organizava de maneira diferente nas várias regiões atravessadas. Na parte final, as fibrilhas que constituem a matriz eram mais alinhadas do que no resto do percurso, que mostrou também ser mais poroso. Os investigadores pensaram, então, que as propriedades da matriz poderiam estar a influenciar os contactos com as células e, consequentemente, a sua migração.

Para testar esta hipótese, provocaram fissuras de diversos tamanhos na matriz, recorrendo primeiro a modelos teóricos, e depois aos peixes-zebra, alterando a expressão de um componente importante desta rede. Nos casos em que a matriz foi mais perturbada, em vez de estender protrusões na direção do movimento, as células apresentaram protuberâncias irregulares no seu corpo que ficavam frequentemente presas nas aberturas da matriz, impedindo a migração. Nos casos menos graves, as células não ficaram presas, mas os seus movimentos tornaram-se menos dirigidos e eficientes. Isto mostrou que as propriedades físicas da matriz, em particular, a sua porosidade, afetam a interação com as células necessária para uma migração eficiente e para o desenvolvimento correto do embrião.

Para além de dar suporte e de moldar o comportamento das células durante o desenvolvimento embrionário, em particular, dando forma ao olho dos vertebrados, como aqui mostrado, a organização da matriz influencia processos essenciais, como a cicatrização de feridas, e é perturbada em condições de doença, como o cancro. “Com cada vez mais ferramentas a serem desenvolvidas para visualizar moléculas da matriz extracelular, nomeadamente em moscas-da-fruta e peixes-zebra, podemos começar a desvendar como a dinâmica da matriz influencia os organismos, não são quando estes se desenvolvem, mas também em fases adultas”, explica Caren Norden. Estes resultados, publicados na revista Current Biology, poderão também ajudar a criar melhores condições laboratoriais para desenvolver organoides, isto é, réplicas de órgãos em miniatura criadas a partir de células, que são úteis para perceber o desenvolvimento humano e o processo de regeneração.

 

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