E se pudéssemos rastrear as doenças infeciosas de forma mais eficaz?

Método computacional simplifica a análise de redes de contacto
24 fev 2023

Quando aplicado a redes sociais complexas, o método recentemente desenvolvido por investigadores da Gulbenkian provou ser útil para estudar como os vírus se propagam na sociedade e como os podemos travar. Especialistas de saúde pública já estão a tirar partido destes novos dados, publicados na PLOS Computational Biology, para estudar a transmissão de doenças como a infeção por Monkeypox e a COVID-19.

A forma como a sociedade está organizada afeta diferentes fenómenos, desde o fluxo de informação à propagação de doenças contagiosas. Quanto mais conexões estabelecemos uns com os outros, por meio de contactos e redes de transporte, mais a transmissão é favorecida. Para estudar a dinâmica de sistemas complexos, como é o caso da sociedade, podemos inferir redes de contactos humanos – em que diversos “nós” são ligados através de linhas – a partir de dados reais. Infelizmente, estas redes tendem a ser demasiado grandes, densas e difíceis de manipular.

Num trabalho anterior, o grupo do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) liderado por Luís M. Rocha encontrou uma forma de simplificar as redes ao extrair apenas o seu esqueleto principal. O princípio da metodologia é simples: encontra-se o caminho mais curto para chegar a qualquer ponto da rede e eliminam-se alternativas redundantes. Mas em que consistem esses caminhos mais curtos? Rion B. Correia, investigador pós-doutorado do IGC, explica-nos: “No mundo tridimensional em que vivemos, estamos habituados a pensar nestes caminhos, por exemplo, como ir de casa ao trabalho pelo trajeto mais curto ou mais rápido”. Mas nos sistemas multidimensionais (em que entram em jogo o trânsito, os vários tipos de transporte e as obras na estrada), o caminho mais eficaz não corresponde necessariamente àquele que une dois pontos de forma direta”. Mesmo que existam possibilidades infinitas para ir do ponto A ao B, com este método, os investigadores conseguem focar-se apenas nas ligações mais importantes. Desde então, já o aplicaram ao estudo de uma série de redes, desde interações entre genes a vias de comunicação no cérebro.

Rede de contatos de 327 alunos de um liceu. As cores representam as quatro especializações; cores mais claras ou mais escuras separam turmas diferentes dentro de cada especialização. O gráfico original está representado à esquerda e o esqueleto principal à direita © Rion B. Correia, 2023

Agora, a equipa superou-se ao testar este método computacional em contactos humanos reais. Para isso recorreram a contactos estabelecidos entre quase 3000 indivíduos numa variedade de contextos sociais, como escolas, um hospital e uma instalação de arte, e que tinham sido previamente gravados com recurso a sensores de proximidade (uma espécie de “Via Verde” para pessoas). Estes dados foram então integrados para obter redes de contacto humano, nas quais as ligações representam o tempo que as pessoas passaram juntas.

Quando extraíram o esqueleto principal, a densidade destas redes de contactos sociais diminuiu de forma substancial. “Isto significa que muitas das ligações estabelecidas nas comunidades humanas são redundantes”, explica Rion, primeiro autor do estudo. Surpreendentemente, os grafos resultantes mantiveram a estrutura das comunidades, que advém da tendência das pessoas se organizarem em grupos. E com uma eficácia muito superior a outros métodos.

Reduzidas a 6-20% das originais, estas redes simplificadas permitem visualizar a estrutura das comunidades e estudar dinâmicas de transmissão de forma muito mais eficiente. No estudo, os investigadores demonstraram que os esqueletos principais das redes podem ser utilizados com confiança para estudar como processos como uma infeção viral se transmitem numa população, bem como para identificar os contactos sociais mais relevantes para travar o contágio. Mas a aplicação deste método nos sistemas sociais vai muito para além da epidemiologia. “A recente pandemia demonstrou como a nossa vida social e a saúde pública em geral depende muito de interações entre escalas, desde as redes moleculares dos mais ínfimos agentes patogénicos aos sistemas de transporte, de saúde, da economia, da ecologia e do governo”, sublinha Luís. “Este conhecimento fundamental sobre os pilares principais oferece uma nova ferramenta no estudo de redes que ligam o mais pequeno vírus à economia mais robusta. Só ao percebermos como estes sistemas interagem poderemos resolver os problemas do século XXI”, conclui.

Este estudo foi desenvolvido pelo Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) em colaboração com a State University of New York at Binghamton, Aix Marseille Univ, Université de Toulon, CNRS, CPT, Turing Center for Living Systems, França, e parcialmente financiado pelo National Institutes of Health, National Library of Medicine Program, pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e a Agence Nationale de la Recherche (ANR) e pelas bolsas Fulbright Commission (LMR) e CAPES Foundation.

 

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