Como os cérebros se tornam sociais

Estudo em peixes-zebra sugere que a presença da molécula oxitocina durante o desenvolvimento determina a expressão de comportamentos vinculativos entre indivíduos durante a vida adulta.
04 nov 2021

Os circuitos cerebrais que controlam o comportamento social que expressamos desde que nascemos formam-se cedo no desenvolvimento do cérebro e vão maturando ao longo da vida. Estabelecemos relações com os nossos pais, a nossa família, os nossos amigos e, pelo caminho, aprendemos a ter vontade de estar com outros. O que faz um indivíduo ser social e querer interagir com outros? As respostas podem estar na molécula oxitocina, e, pensa-se agora, no seu papel durante a fase inicial do desenvolvimento.

Os comportamentos vinculativos entre indivíduos da mesma espécie não são exclusivos dos humanos e são comuns em muitos animais. E o papel da oxitocina como modulador das interações sociais é semelhante entre eles. “O peixe-zebra é uma espécie social, ao contrário de outros modelos usados em investigação que são espécies mais solitárias. Estudar estes peixes permite-nos perceber como a oxitocina organiza determinados comportamentos e quais os mecanismos neurais que implementam a sociabilidade numa espécie que utiliza mecanismos parecidos com os que nós temos”, explica Rui Oliveira, investigador principal do IGC.

O mais recente trabalho da equipa liderada por Rui Oliveira, desenvolvido em colaboração com o grupo de Gil Levkowitz do Weizmann Institute of Science, em Israel, e publicado na revista The Journal of Neuroscience, demonstra que a oxitocina é necessária durante as fases precoces do desenvolvimento para que se venham a desenvolver comportamentos vinculativos no adulto. “Existe uma janela temporal que é um período crítico, onde é necessária a presença de neurónios de oxitocina ativos para reorganizarem circuitos no cérebro que mais tarde no adulto são responsáveis pela implementação de comportamentos sociais”, revela Rui.

O estudo centrou-se na motivação dos peixes-zebra se aproximarem de outros peixes para formarem cardumes. Esta motivação só se estabelece quando o peixe atinge aproximadamente as quatro semanas de vida. Mas o período crítico da ativação dos neurónios de oxitocina acontece antes disso, por volta das duas semanas. “Para descobrir esta janela temporal, usámos peixes transgénicos que têm os neurónios de oxitocina marcados com uma enzima. Por si só, esta não tem qualquer efeito, mas quando tratamos os peixes com antibiótico, este é convertido pela enzima em toxinas que vão ser fatais para os neurónios de oxitocina”, clarifica Rita Nunes, primeira coautora do estudo juntamente com Michael Gliksberg. Esta técnica permitiu aos investigadores eliminar seletivamente estes neurónios nos cérebros dos peixes em diferentes janelas temporais e analisar o seu efeito mais tarde na fase adulta.

Quantificar o tempo que os peixes passam perto do cardume permitiu perceber que peixes tratados durante as duas primeiras semanas de vida, uma vez adultos, demonstram um défice no comportamento de aproximação ao cardume, indicativo de uma capacidade de interação social comprometida. “Os peixes são colocados num aquário, tendo à sua frente dois compartimentos, um com um cardume e outro vazio. Os peixes tratados durante as duas primeiras semanas de vida apresentam mais tarde uma menor tendência para se aproximarem do cardume”, descreve Rita.

Mas a descoberta vai além dos neurónios que produzem oxitocina. “O que parece estar a acontecer quando se removem estes neurónios nas larvas não é que o adulto não tem comportamentos sociais porque lhe faltam estes neurónios: eles voltam a crescer”, afirma Rui Oliveira. “Existem é outros neurónios com outra substância, chamada dopamina, que estão a ser regulados pela oxitocina. E estes, que são importantes para detetar e percecionar interações sociais como agradáveis, parecem ter ficado comprometidos e podem ser a causa dos problemas.” Os resultados indicam que peixes-zebra que não foram expostos a oxitocina nas suas duas primeiras semanas de vida apresentam menos neurónios produtores de dopamina e menos conexões com os mesmos.

“Sabemos que o risco de mortalidade associado às relações sociais tem uma magnitude de efeito que é superior por exemplo ao tabagismo, à obesidade, entre outros. Portanto, é interessante saber deste ponto de vista quais são os mecanismos que fazem com que as pessoas e os animais gostem de estar com outros. Porque é que é tão importante estabelecer relações sociais e quais são os mecanismos que permitem que isso aconteça. Este trabalho dá-nos as algumas pistas no espectro desta pergunta”, conclui Rui Oliveira.

Este estudo foi desenvolvido no Instituto Gulbenkian de Ciência, Portugal e no Weizman Institute of Science, em Israel, e contou com o apoio da Fundação Tecnologia para a Ciência e Israel Science Foundation, entre outras. O estudo contou também com a participação de Susana A.M. Varela e Magda Teles do Instituto Gulbenkian de Ciência, Portugal, Einav Wircer e Janna Blechman do Weizmann Institute of Science, Israel, e Giovanni Petri do ISI Foundation & ISI Global Science Foundation em Torino, Itália.

 

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