Cara ou coroa: como as moscas-da-fruta as distinguem

Investigadores do Instituto Gulbenkian de Ciência revelam como as moscas-da-fruta definem as diferentes áreas do seu corpo. À lista de soluções encontradas pela natureza para formar organismos funcionais juntam-se os estímulos mecânicos.
30 nov 2022

A definição das diferentes áreas do corpo é uma das etapas mais críticas quando uma nova vida se forma. Este processo tem início em fases muito precoces do desenvolvimento, com a formação do eixo cabeça-cauda. Nesse momento, o embrião perde a sua simetria: uma das suas extremidades compromete-se com o desenvolvimento da cabeça e a extremidade oposta com o desenvolvimento da cauda. Em algumas espécies, como é o caso da mosca-da-fruta, esta polaridade é definida ainda mais cedo, nos ovários da mãe. Mas como é que o ovo em desenvolvimento sabe o que fazer? 

Há cerca de vinte anos, cientistas levantaram as primeiras evidências de que as células que rodeiam o ovo da mosca-da-fruta sinalizam a sua polarização. A natureza deste sinal é algo que os tem vindo a intrigar desde então. Agora, um novo estudo do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) põe fim a este mistério: este sinal é, afinal, mecânico, desencadeado por alterações no contacto entre as células. Estes dados vêm revolucionar a nossa compreensão da polaridade, algo “fundamental para qualquer célula” e que “até agora era visto como um processo bioquímico”, explica Ivo Telley, líder do estudo e do grupo de Física da Organização Intracelular no IGC. 

Neste estudo, que surgiu na sequência de uma prestigiosa bolsa do Programa Human Frontier Science, a equipa mostrou que o contacto entre o ovo em desenvolvimento e as células circundantes determina a localização diferencial de fatores de polarização. Estes fatores influenciam o movimento de moléculas de RNA mensageiro (mRNA) no ovo em desenvolvimento, o que, mais tarde, conduz a uma expressão de genes assimétrica nas diferentes áreas do corpo. Esta polarização é o primeiro passo para se definir o que estará numa extremidade do embrião e o que estará na outra – a cabeça e a cauda. 

Para chegar a estas conclusões, os investigadores desenvolveram um microscópio especializado que lhes permitiu não só observar as câmaras em que se desenvolvem os ovos da mosca-da-fruta como também manipulá-las. Sob o microscópio, repararam que, nas fases finais do desenvolvimento, o ovo perde o contacto com as células que o rodeiam na região posterior. Este evento é sucedido de uma alteração na localização das proteínas no seu interior. Isto é, proteínas que até então estavam excluídas da parte de trás do ovo passam a ser encontradas nos locais onde o contacto célula-célula é perdido 

 Quando utilizaram uma pipeta para aspirar e puxar as células que rodeiam o ovo, separando-as em fases mais precoces do desenvolvimento, os investigadores perceberam que as proteínas se distribuíram em padrões distintos do esperado naquele momento. Isto levou-os a concluir que o contacto célula-célula é necessário para que algumas proteínas sejam excluídas da região posterior enquanto outras são mantidas, garantindo, assim, a polarização do ovo em desenvolvimento. “Este é um ótimo exemplo de como a informação nos organismos vivos pode ser transmitida também de forma mecânica, através do contacto entre as células”, nota Ivo Telley. A localização diferencial de proteínas permite, por sua vez, o movimento de mensageiros importantes no sentido correto. Quando as células perdem o contacto, estes mensageiros encontram outras soluções para saber para onde se mover, abrindo, assim, espaço para que sejam depositados componentes que irão dar origem à “casca” protetora do ovo. 

Estas conclusões, agora publicadas na revista científica Journal of Cell Biology, “são determinantes para compreendermos como os invertebrados definem os seus eixos corporais”, destaca Ana Milas, estudante de doutoramento no IGC e primeira autora do artigo. A equipa espera que o estudo inspire a comunidade científica a explorar os detalhes deste contacto célula-célula e da sua influência nas proteínas. Os autores levantaram já algumas hipóteses: este contacto pode alterar os locais de ligação das proteínas no córtex do ovo em desenvolvimento ou as condições físicas e químicas nas proximidades, resultando no seu redireccionamento. 

 

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