Entre 26 de janeiro e 3 de abril de 2005, a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) apresentou em Lisboa a exposição itinerante «Looking Both Ways. Art of the Contemporary African Diaspora» – uma iniciativa do Museum for African Art de Nova Iorque. A vinda desta itinerante internacional até Lisboa decorreu de uma parceria estabelecida com o Serviço de Belas-Artes da FCG, que, além da importação e apresentação da exposição na Europa, vinha enquadrá-la no âmbito do ArtAfrica – projeto para a divulgação e estudo da arte contemporânea de autores originários dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Desde 2001 que a Fundação apoiava essa plataforma de investigação e a construção do seu website.

O antropólogo José António Fernandes Dias, consultor da FCG e coordenador do projeto ArtAfrica, tinha escrito para o livro que acompanhou a estreia da exposição «Looking Both Ways» em Nova Iorque, em 2003. Estendia agora o âmbito da sua participação ao comissariado desta versão da mostra em Lisboa, trabalhando em conjunto com a curadora da exposição, Laurie Ann Farrell. Da parte do Serviço de Belas-Artes (SBA), Rita Fabiana assumiu a coordenação da produção.

Na Fundação Calouste Gulbenkian, a mostra mereceu o título «Looking Both Ways / Das Esquinas do Olhar. Arte da Diáspora Africana Contemporânea». Inaugurou a 25 de janeiro de 2005, na Galeria de Exposições Temporárias da Sede da FCG (piso 0). Teve também lugar uma divulgação pública do projeto ArtAfrica, apresentada por Fernandes Dias, Emílio Rui Vilar, então presidente da FCG, a administradora Teresa Gouveia e Manuel da Costa Cabral, enquanto diretor do SBA. Nessa mesma noite, inaugurava no piso 01 da Sede da FCG a individual «Metamorfoses», de Eduardo Nery (1938-2013), reunindo trabalhos fotográficos incidentes sobre a máscara africana e o questionamento do rosto como veículo de identidade cultural e artística. A reportagem fotográfica arquivada acompanha esses eventos inaugurais registando uma afluência muito significativa (Arquivos Gulbenkian, CDVD 0411).

Para complementar a monografia de base associada à exposição, a FCG publicou um guia de exposição em versão portuguesa, com textos dedicados ao trabalho de cada um dos 12 artistas expositores: Fernando Alvim (1963), Ghada Amer (1963), Oladélé A. Bamgboyé (1963), Allan deSouza (1958), Kendell Geers (1968), Moshekwa Langa (1975), Hassan Musa (1951), N'Dilo Mutima (1978), Wangechi Mutu (1972), Ingrid Mwangi (1975), Zineb Sedira (1963), Yinka Shonibare (1962). Trata-se de um conjunto transgeracional da arte contemporânea africana, e com autores provenientes das mais diversas coordenadas geográficas e culturais do continente. Todos eles estabeleceram percursos que foram passando por cidades ocidentais diversificadas, norte-americanas e europeias – de Los Angeles a Nova Iorque, de Ludwigshafen am Rhein, na Alemanha, a Londres, Amesterdão, Bruxelas e Lisboa. Esse trânsito geográfico, cultural e social é apenas um dos vários fatores centrais que contribuíram para aquele que, no comentário da antropóloga Nélia Dias, foi, efetivamente, um dos méritos deste projeto expositivo: a tónica no pluralismo (Dias, Etnográfica, vol. 9, n.º 2, 2005, pp. 402-404). Ela foi desmultiplicada num reconhecimento da diferença e da especificidade, priorizando os percursos individuais de cada artista e da sua obra, evitando cair nas generalizações abusivas que, por vezes, assolam os discursos sobre a diáspora artística africana.

Essa riqueza heterogénea passou das componentes biográficas dos autores para o pensamento que as suas obras convocam, permitindo essa autonomia face a compartimentações discursivas. A coesão temática de tópicos como colonialismo e pós-colonialismo, emigração, multiculturalismo, etnicidade e identidade cultural foi assaltada pela desejável multiplicidade de olhares e posturas individuais que devem cair sobre essas interrogações fraturantes da história. Correspondeu-lhes a variedade e o fôlego estético e crítico das diversas propostas apresentadas, bem como dos media nelas envolvidos – facetas da consciente «hibridização cultural», como a classificou Celso Martins na sua crítica para o jornal Expresso (Martins, Expresso. Actual, 5 fev. 2005, pp. 32-33) e que decorrem de uma atenta encruzilhada entre as origens africanas e o contexto ocidental que o percurso de cada um destes artistas, por si só, reivindica.

Merece destaque o programa de atividades paralelas à exposição, fruto da colaboração do SBA com o Setor Educativo do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP), com o suporte de vários outros serviços da Fundação Calouste Gulbenkian (Looking Both Ways / Das Esquinas do Olhar. Arte da Diáspora Africana Contemporânea, 2005, p. 37). A 26 de janeiro de 2005, dia da abertura da mostra ao público, foi organizada uma mesa-redonda com a presença de Fernandes Dias, Laurie Farell e alguns dos artistas expositores.

No mesmo dia, a artista expositora Ingrid Mwangi apresentou uma performance ao vivo. Foi registada em vídeo e posteriormente editada pela artista, que terá remetido um exemplar à FCG (Arquivos Gulbenkian, SBA 21334). Frise-se ainda o ciclo de visitas-seminário «Looking Both Ways. Ponto de Encontro», com a participação de vários convidados. Entre eles, Roger Meindjes, Isabel Carlos, futura diretora do CAMJAP, José António Fernandes Dias e António Pinto Ribeiro, futuro coordenador do «Próximo Futuro» (de 2009 a 2015), «um Programa Gulbenkian de Cultura Contemporânea dedicado, em grande medida, mas não exclusivamente, à investigação e criação na Europa, em África, na América Latina e Caraíbas» (Próximo Futuro / Next Future, n.º 1, mai. 2009). Somaram-se as visitas gerais asseguradas por Lúcia Marques e as duas visitas temáticas do ciclo «Olhares Cruzados»: «Contestação e Violência na Arte do Século XX», por Filipa Oliveira, e «Uma Leitura sobre as Exposições “Looking Both Ways – Das Esquinas do Olhar” e “Metamorfoses” de Eduardo Nery», por Carla Mendes. Para o público infantil e famílias, Sofia Lapa concebeu a visita-oficina «Faz-me como te vês» (Newsletter FCG, n.º 61, 2005, p. 17).

Os Arquivos Gulbenkian guardam um registo de contagem de visitantes, que ascende a 34 205 entradas durante os cerca de três meses em que a mostra esteve patente ao público (Arquivos Gulbenkian, SBA 21278).

A imprensa cultural portuguesa esteve atenta à apresentação da exposição em Lisboa, bem como à sua interligação com o projeto ArtAfrica. Aflorou-se o crescimento de interesse pela obra de artistas africanos contemporâneos, fazendo-se um contraponto entre o privilégio da especificidade de «Looking Both Ways» e uma outra itinerante internacional, «Africa Remix. Contemporary Art from a Continent», que reuniu obras de mais de 80 artistas. O curador dessa exposição, Simon Njami, contribuiu com dois textos para o livro associado à exposição «Looking Both Ways», e vários dos artistas representados participaram em ambas as exposições.

Estreado em Nova Iorque, o itinerário norte-americano de «Looking Bothways» passou em seguida pelo Peabody Essex Museum e pelo Cranbrook Art Museum, antes de cruzar o Atlântico até à FCG. Durante a apresentação em Lisboa, Rita Fabiana começou a articular uma itinerância europeia, existindo indicações da apresentação da mostra no City Arts Centre de Edimburgo. Regressa por fim aos Estados Unidos da América, onde estaria patente no Museum of The African Diaspora, em São Francisco, já no início de 2006.

Daniel Peres, 2019