IGC associa-se a campanha da EARA #BOARD24

A campanha pretende promover a transparência sobre a investigação com recurso a animais.
02 mai 2024

No dia 3 de maio a EARA – European Animal Research Association – lança a quarta edição da campanha #BOARD24, uma iniciativa que pretende juntar as diferentes instituições signatárias do Acordo de Transparência sobre Investigação Animal e promover a transparência sobre a investigação com recurso a animais.

Em Portugal, são 27 as instituições que celebraram este acordo, uma iniciativa colaborativa promovida em conjunto com a Sociedade Portuguesa de Ciências em Animais de Laboratório. O Instituto Gulbenkian de Ciência assinou o acordo, em 2018, e tem participado ativamente em ações de divulgação, atividade informativas e educativas de forma a esclarecer a sociedade sobre a relevância do trabalho que desenvolve.

A EARA tem fomentado, de forma constante e periódica, iniciativas de comunicação para promover a abertura e transparência da importância do recurso a experimentação animal na identificação de novas descobertas, soluções com vista à melhoria da qualidade de vida da população e na resposta a desafios de saúde na sociedade.

Todas as instituições científicas são regidas pela implementação de uma escrupulosa legislação nacional e europeia no cumprimento das regras de bem-estar animal. Se por um lado, é evidente a relevância da experimentação animal, por outro, é importante o investimento em investigação de modelos e metodologias alternativas que permitam reduzir os números de animais utilizados para fins científicos. Aqui destacamos a aplicação constante do princípio dos 3Rs de Russel e Burch (Replacement, Reduction e Refinement) integrados numa cultura de cuidar.

Neste dia que assinalamos com os nossos parceiros signatários, damos a conhecer o papel do veterinário nos centros de investigação.

Nuno Marques Pereira, licenciado em Medicina Veterinária (1987), iniciou a sua carreira numa clínica de animais de companhia e a trabalhar com animais selvagens, em particular o Lobo Ibérico. Há mais de vinte e cinco anos, começou a dedicar-se à medicina de animais aquáticos como médico veterinário responsável no Oceanário de Lisboa. Para além do seu trabalho em medicina de peixes ornamentais, desde 2006 tem também estado envolvido em instalações de investigação de animais aquáticos, desempenhando o papel de médico veterinário responsável. Desde 2005, que é professor convidado na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa, onde leciona Medicina de Peixes e Medicina de Conservação. Atualmente, presta assistência a três instalações de espécies aquáticas localizadas em Lisboa: Instituto Gulbenkian de Ciência – IGC, Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida – ISPA e Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes – iMM.

 

Qual o papel de um veterinário num centro de investigação?

Nos centros onde são utilizados animais para fins científicos (biotérios), o veterinário é um dos membros da equipa que desempenha funções especificadas pela legislação europeia e nacional, visando salvaguardar a saúde e o bem-estar animal. Cada biotério deve ter o seu veterinário responsável e, entre as suas funções, que não se devem, na minha visão, limitar ao que está descrito na lei, posso realçar as seguintes: o acompanhamento sanitário dos animais, através da elaboração e execução de um programa de diagnóstico e controlo sanitário; a elaboração de protocolos de biossegurança que mitiguem o risco de transmissão de doenças entre os animais e as pessoas e vice-versa; o estabelecimento de protocolos de anestesia, analgesia, cirurgia e eutanásia e de outros procedimentos relacionados com a medicina veterinária; a participação na formação e treino da equipa e dos investigadores do biotério; a participação no Órgão Responsável pelo Bem-Estar Animal (ORBEA) que lida com a maioria das questões práticas e legais relacionadas com o bem-estar e ética animal. Assim, a contribuição do veterinário num biotério para além de ser importante para minimizar a prevalência de agentes patogénicos e doenças que podem ameaçar a saúde e o bem-estar dos animais e das pessoas e que podem pôr em perigo a qualidade dos resultados científicos, também contribui para que todo o processo experimental ocorra de forma ética e conscienciosa.

 

Que medidas são tomadas para garantir que a experimentação animal respeite as questões éticas e os direitos dos animais?

Na União Europeia, desde 1986, as questões éticas e do bem-estar animal na investigação estão regulamentadas por legislação cada vez mais exigente. Existe uma crescente consciencialização, por parte das pessoas envolvidas nos vários níveis desta comunidade, sobre a importância e a necessidade de cumprir todas as exigências legais. Destaco que todos os biotérios têm de cumprir requisitos rigorosos em termos de instalações físicas e equipas. Os biotérios estão sujeitos a inspeções por parte da autoridade oficial responsável, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), para poderem funcionar e garantir que os direitos dos animais nestas instalações estejam salvaguardados.

Todos os projetos científicos que necessitem recorrer a animais têm de ser analisados pelo Órgão Responsável pelo Bem-Estar Animal (ORBEA) da instituição e só depois poderão ser analisados e eventualmente aprovados pela DGAV. Os ORBEAs das várias instituições nacionais estão a funcionar em pleno e a aperfeiçoar os seus processos internos e a comunicação com os investigadores, nomeadamente através das discussões ao nível da RedeORBEA, onde os membros dos ORBEAs nacionais partilham as suas experiências e dúvidas.

A par disto, há todo um processo de formação obrigatória e diversos documentos de orientação da Comissão Europeia que estabelecem os mecanismos e regras que salvaguardam a otimização do bem-estar animal e reforçam a robustez dos resultados científicos.

 

Como veterinário com mais de 15 anos de experiência em institutos de investigação, como tem acompanhado a preocupação com o bem-estar e monitorização sanitária destes animais, nomeadamente o peixe-zebra (Danio rerio)?

A investigação científica em peixes abrange inúmeras espécies e tem incluído, até relativamente pouco tempo atrás, áreas mais relacionadas com a aquacultura, fisiologia e toxicologia, entre outras. Nas últimas décadas, o uso do peixe-zebra na investigação tem crescido significativamente, podendo assinalar-se, entre outras, algu

mas áreas mais relevantes como a investigação fundamental, neurociência e biomédica. Apontando o último exemplo, a investigação biomédica, devido à sua rápida taxa de reprodução, transparência embrionária e sequenciamento genético bem caracterizado, o peixe-zebra tornou-se um modelo animal valioso para estudar uma variedade de processos biológicos e desenvolver terapias para doenças humanas.

Em outras espécies usadas há mais tempo em investigação, como é o caso dos ratos, os programas de controlo sanitário estão bem definidos e numa fase de refinamento. Nos peixes-zebra, com o conhecimento anteriormente adquirido na aquacultura e nos peixes ornamentais, rapidamente se definiram os agentes patogénicos mais relevantes para o bem-estar e a saúde, para o impacto nos resultados científicos e até para o risco zoonótico, isto é, a possibilidade de contaminação das pessoas com as doenças dos animais. A literatura científica sobre programas de monitorização sanitária em peixe-zebra teve um incremento há cerca de 15 anos e, em 2022, a Federação das Associações de Ciências de Animais de Laboratório Europeias (FELASA) publicou juntamente com a Associação Americana para a Ciência de Animais de Laboratório (AALAS) as recomendações para a monitorização sanitária dos peixes usados em experimentação científica, com ênfase especial em peixe-zebra. Realçaria que estas recomendações, das quais sou um dos autores, surgiram apenas cerca de 8 anos após um documento semelhante, mas em relação aos ratos. Este curto intervalo espelha que, comparando com os ratos, se percorreu um caminho semelhante nos peixes-zebra com uma velocidade bastante rápida. Para esta evolução dos protocolos sanitários dos peixes-zebra terá contribuído a experiência prévia da evolução deste processo nos ratos e, principalmente, todo o know-how, entretanto acumulado na medicina na área da aquacultura e de peixes ornamentais.

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