A segunda montagem da coleção do Centro de Arte Moderna (CAM) foi realizada em julho de 1985, dois anos após a inauguração do CAM.

Segundo José Sommer Ribeiro, à época diretor do CAM, a primeira montagem havia sido um ensaio com vista a auscultar as necessidades do público, razão pela qual sofrera pequenas alterações e reajustes durante o período em que esteve patente (Roteiro do Centro de Arte Moderna, 1985).

A grande exposição internacional que teve lugar no CAM nos primeiros meses de 1985, a «Exposição-Diálogo», patrocinada pelo Conselho da Europa, obrigou, dada a envergadura do projeto expositivo, à desocupação de todas as galerias do CAM, nomeadamente as dedicadas à apresentação permanente da coleção, conduzindo a «uma modificação quase total do Museu do Centro de Arte Moderna» (Ibid.), aquando da sua segunda montagem.

Ao CAM interessava oferecer uma visão didática e explicativa do surgimento e desenvolvimento do modernismo em Portugal. Para tal, foram selecionadas cerca de 350 obras de 172 artistas portugueses, organizadas em núcleos de afinidades e de tendências artísticas, cobrindo um arco cronológico desde o início da segunda década do século XX até meados da década de 1980.

O casal Sonia e Robert Delaunay, que viveu mais de um ano em Portugal durante a Primeira Guerra, marcaria presença no núcleo dedicado aos pioneiros do modernismo português, o qual, apresentado no hall que antecede a nave central das galerias de exposição do CAM, dava destaque a Amadeo de Souza-Cardoso, pioneiro do modernismo português, atribuindo-lhe «assim a importância e merecida justiça de ser o introdutor do visitante no museu» (Ibid.). Completavam este núcleo três pinturas de Eduardo Viana.

Na galeria do piso 01 pretendeu-se dar uma perspetiva histórica da arte moderna em Portugal, tomando o ano de 1911 como data-charneira do modernismo, em referência à «Exposição de Arte Livre», mas também como marco do êxodo de artistas portugueses para Paris, na sua maioria bolseiros, que seria retomado, numa nova vaga apoiada pela FCG, no final da década de 1950. Neste piso, que anteriormente havia mostrado desenhos da coleção, foram criadas secções, de modo que cada movimento artístico do século XX se distribuísse cronologicamente, em representações sistemáticas.

A primeira secção apresentou um conjunto de desenhos do álbum XX Dessins, de Amadeo de Souza-Cardoso, obras de artistas residentes em Paris no início do século XX (Manuel Bentes, Emmerico Nunes, Francis Smith...), pintura decorativa de José de Almada Negreiros, ilustração de artistas ligados aos jornais humorísticos portugueses, que surgiram também na segunda década do século (Bernardo Marques, Stuart Carvalhais, António Soares, Jorge Barradas), e pinturas, já dos anos 20, de artistas da designada «primeira geração do modernismo português» (Eduardo Viana, Almada Negreiros, António Soares, Jorge Barradas, Lino António).

O núcleo seguinte era exclusivamente dedicado a Almada Negreiros, cuja singularidade e versatilidade artística mereceria destaque. Entre as obras que compunham este núcleo podiam ver-se, nomeadamente, um autorretrato do artista, um retrato da sua mulher e também pintora Sarah Affonso, ou a célebre Maternidade, pintura de 1935.

Avançando mais uma secção, entrava-se no universo dos artistas da «segunda geração modernista», com as paisagens de Lisboa, de Abel Manta e Carlos Botelho, ou do Alentejo, pela mão de Dordio Gomes, ou ainda as pinturas significativas de Mário Eloy, Domiguez Alvarez, ou Julio [dos Reis Pereira].

A meio do percurso do piso 01, entrava-se nos movimentos surgidos na segunda metade da década de 1940: o neorrealismo, com a pintura socialmente empenhada e ligada à força do trabalho de Manuel Filipe, Manuel Ribeiro de Pavia, Rogério Ribeiro ou Júlio Pomar; o surrealismo, com obras dos seus percursores António Pedro, António Dacosta ou Cândido da Costa Pinto, as obras coletivas (os cadavres exquis), os desenhos de Cruzeiro Seixas, as pinturas de Cesariny, a escultura O Menino Imperativo de Vespeira, as ocultações de Fernando de Azevedo e as fotografias de Fernando Lemos; e o abstracionismo, que se desenvolveu, na sua vertente geométrica, a norte de Portugal, com Fernando Lanhas, Nadir Afonso e Arlindo Rocha, entre outros.

Os últimos núcleos deste piso, relativos aos anos 50, correspondiam a uma seleção de obras enquadradas no tema da paisagem e da consequente tendência para a abstratização da linguagem figurativa (João Hogan, Nuno de Siqueira, Luís Dourdil, Menez, Júlio Resende, Júlio Pomar, Vespeira ou Manuel D'Assumpção).

Reservadas para a grande nave do piso 0 ficaram as obras dos anos de 1960 em diante. Num percurso mais livre e fluido, tanto espacialmente como ao nível do próprio programa, a apresentação das obras não estava tão presa a cronologias, permitindo uma aproximação temática e, pelas interseções dos núcleos, também a sua confrontação. De certa forma, a heterogeneidade crescente destes 25 anos de produção artística portuguesa era também assegurada pelo seu arranjo espacial. Em destaque estavam as tendências que se desenrolaram nos anos de 1960 e 1970, os «caminhos neofigurativos, abstracionistas e conceptuais» (Roteiro do Centro de Arte Moderna, 1985) e a originalidade e maturidade dos percursos individuais. Com obras de artistas que integraram o grupo KWY (Lourdes Castro, Costa Pinheiro, João Vieira, Gonçalo Duarte, René Bertholo e José Escada), passando pela «pintura sígnica» de António Sena e Manuel Baptista, ou geométrica de Artur Rosa e Eduardo Nery, seguiam-se, já na década seguinte, propostas de influência minimal, de Ângelo de Sousa Fernando Calhau, ou de fôlego conceptual, de Helena Almeida, Alberto Carneiro ou Álvaro Lapa (Ibid.).

Os critérios historiográficos que orientaram esta nova apresentação da coleção eram explicitados no prefácio e nas reflexões teóricas que constituíam o Roteiro da Exposição, publicado por ocasião da inauguração desta mostra. Para o efeito, colaborou o Departamento de Documentação e Pesquisa do CAM, com as contribuições dos historiadores Margarida Acciaiuoli, Raquel Henriques da Silva e António Rodrigues, que analisam criticamente os períodos artísticos e os artistas considerados nos 15 núcleos da coleção do CAM e que sustentam a seleção apresentada ao público.

Ainda sobre o impacto e a receção crítica desta e de outras mostras da coleção do Centro de Arte Moderna, consulte-se o e-book O Tempo no Espaço. Mostras Permanentes da Coleção Moderna do Museu Calouste Gulbenkian, da autoria de Leonor Nazaré, curadora da coleção.

Filipa Coimbra, 2018