Mostra da Coleção CAM, 2011 – 2012

Exposição da coleção do Centro de Arte Moderna apresentada entre janeiro de 2011 e maio de 2012. Comissariada pela equipa de curadoria do CAM, a mostra propunha um olhar sobre a coleção em torno da figuração e da abstração, partindo da análise da icónica pintura Retrato de Fernando Pessoa (1964), de Almada Negreiros.
Exhibition of the Modern Art Centre’s collection which was on display between January 2011 and May 2012. Curated by the CAM curatorial team, the display was informed by an analysis of the iconic painting by Almada Negreiros, Portrait of Fernando Pessoa (1964). The show provided a perspective on the collection that revolved around the figurative and the abstract.

Exposição da coleção do Centro de Arte Moderna (CAM), apresentada na Galeria do Piso 01 entre janeiro de 2011 e maio de 2012.

Partindo da análise histórica, formal e temática da icónica pintura Retrato de Fernando Pessoa (1964), de Almada Negreiros (1893-1970), resultado de uma encomenda da Fundação Calouste Gulbenkian, esta mostra propunha um olhar sobre a coleção em torno da figuração e da abstração, revelando combinações, oscilações, cruzamentos e transformações entre diferentes formas de representação e expressão. Para tal, foram reunidas obras em pintura, desenho, fotografia e escultura, de artistas nacionais e estrangeiros, abrangendo a totalidade do arco temporal coberto pela coleção do CAM.

Iniciando-se com a referida obra, o discurso desdobrava-se em quatro eixos temáticos dela decorrentes, aprofundando questões como o objeto (representado ou real), os signos e os símbolos, o espaço (abstrato ou físico) e o retrato na arte moderna e contemporânea. Os quatro núcleos originados não possuíam limites definidos, dando espaço para uma série de associações em cadeia, mais ou menos evidentes, entre obras de natureza e períodos muito distintos.

A história daquele retrato e a relação entre Almada, Pessoa e os restantes elementos do grupo de Orpheu serviu de base para a escolha dos trabalhos que o acompanhariam. Quatro pinturas de Amadeo de Souza-Cardoso, aquele que à data fora reconhecido por Almada e Pessoa como o pintor mais significativo do seu tempo, ocupavam esse lugar de destaque.

Neste conjunto de pinturas, as últimas que o artista produzira, marcadas por oscilações entre figuração, geometrização das formas e abstração, o mundo dos objetos é protagonista. Esses objetos surgem como se tivessem vida própria, representação bem diferente daquela da pintura de Almada, na qual a caneta, o papel, o cigarro, a mesa se encontram subordinados ao sujeito. Por outro lado, nas pinturas de Amadeo, os elementos de identificação como as palavras e os números desprendem-se dos respetivos objetos. A ordem e o rigor das formas de cor plana presentes na pintura de Almada dão lugar à desarmonia e dinamismo nas obras de Amadeo. Por outro lado, o questionamento dos recursos ilusionistas da representação é evidente nestas obras. Fragmentos de realidade entram para a pintura, por exemplo no caso de Título Desconhecido (Coty) (1917) (Inv. 68P11), através da colagem de objetos (pedaços de espelho, ganchos de cabelo e contas de colar). Este aspeto determinava o curso da exposição, que a partir de então se desdobrava em duas vias: a representação de objetos e a sua apropriação.

A eleição da viola por Amadeo, à semelhança dos cubistas, como signo visual, elemento central de pesquisas formais e plásticas, encontrava-se representada por um conjunto de pinturas e aguarelas. A estas foi contraposta a obra, do mesmo período, O meu violão, que não tem cordas, só serve para isto (Retrato do Dr. Pimentel) (1918), de Armando Basto, na qual a viola não surge isolada, mas sim enquanto elemento de uma cena pictoricamente descrita. O diálogo entre estas obras contribuía para uma reflexão sobre as transformações da pintura ao longo do século XX e o seu progressivo afastamento do referente. Por outro lado, o desenho, como registo da realidade, em particular da vida urbana, juntava-se a este núcleo.

A vida mundana dos artistas, escritores e intelectuais, para a qual o retrato de Armando Basto remetia, parece ter servido de pretexto para reunir um conjunto de desenhos dos primeiros modernistas portugueses, que, de um modo mais ou menos caricatural, registam a vida dos cafés e clubes noturnos das primeiras décadas do século XX.

Diferentes formas de apropriação de objetos eram apresentadas no núcleo seguinte, o qual era introduzido por uma pintura de René Bertholo (1935-2005), datada de 1968, acompanhada por uma citação do mesmo período, retirada de uma correspondência entre o artista português e Edward Shaw. Essa obra pictórica, que mostra uma torrente de pequenos objetos, surgia como representação de um momento charneira do percurso de Bertholo: o afastamento da pintura e a concentração no objeto, com a criação de modelos reduzidos.

A esta pintura juntavam-se as experiências de assemblage de Gonçalo Duarte, cujo resultado varia entre o quadro de objetos e as esculturas de parede, e um trabalho de João Vieira, Elo (Assemblage) (1971), no qual o artista brinca com esse processo cumulativo e compositivo. O material desta peça – o plexiglas – e a ligação do artista ao grupo KWY terão muito provavelmente determinado a escolha das obras adjacentes – Sombra Projectada de Christa Maar (1968) e Sombra Projectada de René Bertholo (1965), de Lourdes Castro (1930) –, as quais, por sua vez, serviam de ponte para uma reflexão sobre o retrato no final do século XX.

Com os trabalhos de Jorge Molder (1947), Craigie Horsfield (1949) e Artur Rosa (1926-2020), eram mostradas diferentes abordagens do retrato através da fotografia, que manifestam «o peso da tradição cinematográfica e pictórica» (Texto de parede, 2011). Um exemplo bem diferente surgia com a pintura Hélder (2008), de Julião Sarmento, espécie de retrato mental. A palavra é aqui determinante, substituindo a necessidade de qualquer representação pictórica. O texto «impresso» na pintura dá ao espectador os elementos para a construção do retrato. Alguns desses elementos encontravam-se de certa forma representados no espaço expositivo através de obras de José Pedro Croft (1957), Jorge Molder e Rui Chafes (1966), que podiam traduzir as ideias de «espaço», «vida suspensa», «violência» e «pessoa parada», mencionadas no referido texto.

À obra de Julião Sarmento (1948) foram contrapostas outras pinturas como como Alfabeto I (1981), de João Vieira (1934-2009), e PK-ST-01 (1980), de António Sena (1941), nas quais a palavra e a letra são exploradas plasticamente. No caso de Sena, a escrita cursiva impercetível liberta aqueles sinais de significado, abstratizando-os.

Por fim, o espaço, real ou abstrato, bidimensional ou tridimensional, e o desdobramento através do espelho são questões aprofundadas por diversos artistas, de diferentes formas, tendo sido selecionadas obras de Eduardo Nery (1938-2013), Vieira da Silva (1908-1992), Joaquim Rodrigo (1912-1997), Jorge Pinheiro (1931), Luís Noronha da Costa (1942-2020), Helena Almeida (1934-2018), Fernando Calhau (1948-2002) e Rui Calçada Bastos (1972). Em alguns casos, a quarta dimensão – o tempo – é enunciada, regressando-se ao retrato de Pessoa realizado por Almada. Também neste, o tempo acaba por estar de algum modo presente, através das sombras criadas pela luz que entra através de uma janela que não se vê.

Se a referida obra de Almada foi usada como ponto de partida para a exposição, esta desenrolara-se através de uma espécie de associações em cadeia, emaranhando o fio da história.

Para esta exposição, que inaugurou juntamente com «Casa Comum. Obras da Colecção do CAM» (Galeria do Centro de Arte Moderna, piso 1), não foi produzida qualquer publicação.

Mariana Roquette Teixeira, 2020


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Mlle. H. L. com grande chapéu

Adriano de Sousa Lopes (1879-1944)

Mlle. H. L. com grande chapéu, Inv. DP1843

"Cosinha da Casa de Manhufe"

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

"Cosinha da Casa de Manhufe", Inv. 86P36

ÈCOLIER (dessin)

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

ÈCOLIER (dessin), Inv. 86DP336

Procissão Corpus Christi

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Procissão Corpus Christi, Inv. 86P34

Retrato de Eduardo Viana

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Retrato de Eduardo Viana, Inv. 77DP366

Sem título

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Sem título, Inv. 92DP1547

Título desconhecido

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Título desconhecido, Inv. 92DP1104

Título desconhecido

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Título desconhecido, Inv. 92DP1101

Título desconhecido

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Título desconhecido, Inv. 86P19

Título desconhecido

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Título desconhecido, Inv. 86DP338

Título desconhecido

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Título desconhecido, Inv. 92DP1105

Título desconhecido

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Título desconhecido, Inv. 92DP1106

Título desconhecido

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Título desconhecido, Inv. 92DP1103

Título desconhecido (BRUT 300 TSF)

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Título desconhecido (BRUT 300 TSF), Inv. 77P20

Título desconhecido (Coty)

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Título desconhecido (Coty), Inv. 68P11

Título desconhecido (Máquina registadora)

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Título desconhecido (Máquina registadora), Inv. 68P10

Trou de la serrure PARTO DA VIOLA Bon ménage Fraise avant garde

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Trou de la serrure PARTO DA VIOLA Bon ménage Fraise avant garde, Inv. 68P17

Vida dos Instrumentos

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Vida dos Instrumentos, Inv. 88P160

Homenagem a Malevitch

António Costa Pinheiro (1932- 2015)

Homenagem a Malevitch, 1967/69 / Inv. 83P465

Nocturno - Árvores humanas

António Pedro (1909-1966)

Nocturno - Árvores humanas, 1940 / Inv. 80P837

PK-ST- 01

António Sena (1941- )

PK-ST- 01, 1980 / Inv. 02P1244

O meu violão, que não tem cordas, só serve para isto (Retrato do Dr. Pimentel)

Armando Basto (1889 -1923)

O meu violão, que não tem cordas, só serve para isto (Retrato do Dr. Pimentel), Inv. 83P161

A água e os seus interpretes

Artur Cruzeiro Seixas (1920-2020)

A água e os seus interpretes, 1968 / Inv. DP520

Destruição com instrumento de guerra

Artur Cruzeiro Seixas (1920-2020)

Destruição com instrumento de guerra, 1972 / Inv. DP521

Estudo de uma palavra

Artur Cruzeiro Seixas (1920-2020)

Estudo de uma palavra, 1972 / Inv. 83P852

Homenagem à realidade

Artur Cruzeiro Seixas (1920-2020)

Homenagem à realidade, 1972 / Inv. DP525

Auto-Retrato

Artur Rosa (1926-2020)

Auto-Retrato, 1978 / Inv. FP560

s/título

Bernardo Marques (1898-1962)

s/título, Inv. DP1664

Composição surrealista

Cândido Costa Pinto (1911-1976)

Composição surrealista, 1962 / Inv. 81P426

Canto de café

Diogo de Macedo (1889-1959)

Canto de café, 1924 / Inv. DP227

s/título

Diogo de Macedo (1889-1959)

s/título, 1923 / Inv. DP231

Estrutura Ambígua IV

Eduardo Nery (1938-2013)

Estrutura Ambígua IV, 1969 / Inv. 69P531

Retrato de Mily Possoz

Eduardo Viana (1881-1967)

Retrato de Mily Possoz, Inv. 83P782

S/ Título

Fernando Calhau (1948-2002)

S/ Título, c.1978 / Inv. 06FP362

0.41- 69

Fernando Lanhas (1923-2012)

0.41- 69, 1969 / Inv. 69P611

0.42 - 69

Fernando Lanhas (1923-2012)

0.42 - 69, 1969 / Inv. 69P635

Composição

Gonçalo Duarte (1935-1986)

Composição, 1976 / Inv. 97E562

Montanhas

Gonçalo Duarte (1935-1986)

Montanhas, 1976 / Inv. 97P560

Pintura Habitada

Helena Almeida (1934-2018)

Pintura Habitada, Inv. 80FP12

Tela Habitada

Helena Almeida (1934-2018)

Tela Habitada, Inv. 80FP381

Elo (Assemblage)

João Vieira (1934-2009)

Elo (Assemblage), 1971 / Inv. 80P613

Vermelho x Azul 2

Joaquim Rodrigo (1912-1997)

Vermelho x Azul 2, 1958 / Inv. 83P524

s/título

Jorge Barradas (1894-1971)

s/título, 1928 / Inv. DP988

Sem título

Jorge Barradas (1894-1971)

Sem título, 1922 / Inv. DP1008

Não tem que me contar seja o que for

Jorge Molder (1947-)

Não tem que me contar seja o que for, 2006 / Inv. FP551

Não tem que me contar seja o que for

Jorge Molder (1947-)

Não tem que me contar seja o que for, 2006 / Inv. FP537

S/Título

Jorge Pinheiro (1931)

S/Título, 1977 / Inv. 80P602

Autorretrato

José de Almada Negreiros (1893-1970)

Autorretrato, Inv. DP195

Quadrante I

José de Almada Negreiros (1893-1970)

Quadrante I, Inv. 83P63

Relação 9/10

José de Almada Negreiros (1893-1970)

Relação 9/10, Inv. 83P62

Retrato de Fernando Pessoa

José de Almada Negreiros (1893-1970)

Retrato de Fernando Pessoa, Inv. 64P66

Título desconhecido

José de Almada Negreiros (1893-1970)

Título desconhecido, Inv. DP151

Título desconhecido

José de Almada Negreiros (1893-1970)

Título desconhecido, Inv. DP207

Título desconhecido

José de Almada Negreiros (1893-1970)

Título desconhecido, Inv. DP226

Sem título

José Pedro Croft (1957-)

Sem título, 2006 / Inv. 07E1413

Hélder

Julião Sarmento (1948-2021)

Hélder, Inv. 08P1560

Sombra Projectada de Christa Maar

Lourdes Castro (1930-2022)

Sombra Projectada de Christa Maar, Inv. 83P567

Sombra projectada de René Bertholo

Lourdes Castro (1930-2022)

Sombra projectada de René Bertholo, Inv. 81P566

Sem título

Luís Noronha da Costa (1942-2020)

Sem título, Inv. 78P618

Sem título

Luís Noronha da Costa (1942-2020)

Sem título, Inv. 78P619

Simumis

Marcelino Vespeira (1925-2002)

Simumis, 1949 / Inv. 82P478

La bibliothèque en feu

Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992)

La bibliothèque en feu, Inv. 79PE96

Dessin

Mário Eloy (1900-1951)

Dessin, Inv. DP749

Dessin

Mário Eloy (1900-1951)

Dessin, Inv. DP751

Le peintre

Mário Eloy (1900-1951)

Le peintre, Inv. DP771

O Arquitecto José Pacheco

Mário Eloy (1900-1951)

O Arquitecto José Pacheco, Inv. 83P202

Título desconhecido

Mário Eloy (1900-1951)

Título desconhecido, Inv. DP752

Order of Appearance (Book, Cassette, Canvas, Drawer)

Michael Craig-Martin (1941-)

Order of Appearance (Book, Cassette, Canvas, Drawer), Inv. GE603 1-4

Retrato de Grimau

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

Retrato de Grimau, Inv. 65P263

S/Título

René Bertholo (1935-2005)

S/Título, 1968 / Inv. 10P1628

The Mirror Suitcase Man

Rui Calçada Bastos (1972-)

The Mirror Suitcase Man, 2004 / Inv. IM21

Durante o Sono

Rui Chafes (1966-)

Durante o Sono, Inv. 02E1226

Retrato de Matilde

Sarah Affonso (1899-1983)

Retrato de Matilde, Inv. 83P637

s/título

Stuart Carvalhais (1887-1961)

s/título, Inv. DP1034


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

À Conversa com a Artista e a Curadora

2011
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna – Galeria Piso 1
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Emílio Rui Vilar (à esq.), Isabel Carlos (ao centro) e Teresa Patrício Gouveia (à dir.)
Isabel Carlos (ao centro), Emílio Rui Vilar, Teresa Gouveia (à dir.)
Isabel Carlos (à esq.), Teresa Patrício Gouveia (ao centro), Leonor Nazaré (à dir.)
Emílio Rui Vilar (à esq.), Teresa Patrício Gouveia (ao centro) e Isabel Carlos (à dir.)
Isabel Carlos (atrás, esq.), Emílio Rui Vilar (atrás, centro), Teresa Gouveia (ao centro), Leonor Nazaré (à dir.)
Teresa Patrício Gouveia (centro, esq.), Isabel Carlos (ao centro) e Emílio Rui Vilar (à dir.)

Multimédia


Documentação


Fontes Arquivísticas

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 223947

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG-CAM, Lisboa) 2011

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 252015

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAM, Lisboa) 2011


Exposições Relacionadas

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