O ano de 1983 é um marco no panorama museológico português, com a inauguração do Centro de Arte Moderna (CAM). Pela primeira vez, o público dispunha de um verdadeiro museu dedicado à arte moderna e contemporânea. Era finalmente criado um espaço para acolher a mais significativa coleção de arte portuguesa do século XX.

O dinamismo e experimentalismo projetados para o CAM, articulados com a programação de exposições temporárias, não colidia com a necessidade da apresentação permanente da sua coleção. Esta conciliação era referida no roteiro da coleção: «O Museu do Centro de Arte Moderna […] não será, de modo nenhum, estável, mas antes um Museu em permanente mutação, e onde será dada uma grande importância às exposições temporárias, procurando acompanhar todos os novos movimentos, numa permanente actualização.» (Roteiro do Museu Centro de Arte Moderna, 1983)

Esta primeira apresentação da coleção teve uma duração de cerca de dois anos e procurou apresentar ao público a genealogia da coleção, os seus núcleos estruturantes e a diversidade artística, de âmbito nacional (arte portuguesa) e internacional (com o núcleo de arte britânica iniciado nos anos de 1960, e obras de valores consagrados de outros centros artísticos internacionais, como Arménia, França ou Brasil).

Para o historiador e crítico de arte José-Augusto França, a coleção deveria ter iniciado com Amadeo de Souza-Cardoso, «o conjunto mais útil para os olhos dos portugueses», que se encontrava representado com 12 obras, entre pinturas e desenhos: «De todos eles, na década de 10, porém, um nome teve especial significado […]. Trata-se de Amadeo de Souza-Cardoso – e por ele devia começar a colecção do CAM.» (França, Colóquio/Artes, jun. 1983, p. 13)

No piso 0 procurava dar-se uma amostragem da arte portuguesa, sobretudo centrada nas práticas artísticas entre os anos de 1911, data atribuída ao início do modernismo português, e 1940, uma vez que se tratava do período menos apresentado e conhecido do público. A nave central, dadas as suas dimensões, acolheu o maior número de obras, separadas por divisórias que criavam núcleos (de pintura e escultura), numa cadência que procurava respeitar uma ordenação cronológica, embora, como já foi dito, com uma seleção desigual das representações artísticas das duas metades do século XX.

Expondo cerca de 550 obras de 255 artistas da coleção, o projeto expositivo concebido por José Sommer Ribeiro, diretor do CAM, fazia desde logo referência, no hall que antecedia a grande nave central, a um dos pioneiros do modernismo português: José de Almada Negreiros. Nessa espécie de antecâmara com um enorme pé-direito, estavam dispostas as tapeçarias realizadas a partir dos frescos da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos e algumas pinturas de referência, como Retrato de Fernando Pessoa (1964), Auto-Retrato num Grupo (1925) e Duplo Retrato (1934-36).

Mas a proposta percorria de forma mais exaustiva as representações dos pioneiros do modernismo (Almada, Amadeo, Eduardo Viana), seguidas das obras dos anos 10 a 30 de António Soares e Jorge Barradas, Cristiano Cruz, Stuart Carvalhais, Francis Smith, Manuel Bentes, Mily Possoz, Armando Basto, Sousa Lopes, António Carneiro, Dordio Gomes ou Abel Manta. O percurso era também marcado por esculturas de Canto da Maya e de Diogo de Macedo, entre outros escultores. Júlio Pomar, Júlio Resende, Paula Rego, Joaquim Rodrigo, Menez, José de Guimarães, Jorge Pinheiro, Emília Nadal, Eduardo Luiz, António Charrua, Lourdes Castro, Fernando Calhau, Julião Sarmento, Pedro Calapez eram alguns dos representantes das gerações seguintes, num percurso menos sistematizado.

Esta primeira apresentação permanente da coleção reclama igualmente o olhar do público para as obras dos núcleos internacionais do acervo, apresentados na galeria do piso superior, no piso 1, assumindo também a sua posição e vocação internacional, enquanto equipamento museológico. Ao fundo podia ver-se um Estudo para a Tapeçaria de Basileia, de Maria Helena Vieira da Silva; contudo, o piso era sobretudo ocupado por exemplares de pintura e escultura britânica dos anos de 1960 (David Hockney, Patrick Caulfield, Alan Davie, Peter Phillips, Henry Moore, Isaac Witkin, Phillip King), mas também por obras de outros artistas, enquadradas em temáticas e movimentos estéticos relacionados.

O piso 01 albergava dois núcleos distintos: um dedicado ao desenho e à gravura portugueses (António Dacosta, Marcelino Vespeira, Mário de Oliveira) e a pequenos volumes escultóricos (Gustavo Bastos); outro dedicado ao design e ao mobiliário da coleção, composto por obras de designers italianos e de arquitetos como Alvar Aalto, Le Corbusier ou Mies van der Rohe.

Ainda sobre o impacto e a receção crítica desta e de outras mostras da coleção do Centro de Arte Moderna, consulte-se o e-book O Tempo no Espaço. Mostras Permanentes da Coleção Moderna do Museu Calouste Gulbenkian, da autoria de Leonor Nazaré, curadora da coleção.

Filipa Coimbra, 2018