Robin Fior. Call to Action / Abril em Portugal

Ciclo «Conversas»

Esta exposição reuniu, pela primeira vez, um conjunto de obras de Robin Fior (1935-2012) cuja criação, ocorrida entre Inglaterra e Portugal, remonta às décadas de 1960 a 1980. Organizada no âmbito do ciclo «Conversas» e tendo como ponto de partida o espólio que o designer britânico doou à Fundação Calouste Gulbenkian, a mostra reflete um olhar sobre um dos protagonistas da história do design britânico e português.
This exhibition brought together, for the first time, a set of works by Robin Fior (1935-2012), who was active in England and Portugal between the 1960s and the 1980s. Part of the “Conversations” cycle, the exhibition took the collection donated to the FCG by the British designer as its starting point, offering a closer look at one of the leading figures in the history of British and Portuguese design.

Nos anos 60, Londres fervilhava com uma ampla oferta de publicações, jornais e revistas que cobriam um largo espectro de atitudes políticas, sociais e intelectuais (Hollis, The Guardian, 5 out. 2012). Robin Fior (1935-2012), judeu de ascendência romena, pelo lado do pai, era uma das figuras que participavam na efervescência da cidade, destacando-se como designer, militante pela esquerda marxista independente em Londres e ativista do pacifismo antinuclear (Robin Fior. Call to Action / Abril em Portugal, 2019, pp. 9-17).

Responsável pelo design de diversos jornais e cartazes de cariz libertário, radical e propagandístico, como Peace News, The Black Dwarf, e a Campanha contra a Discriminação Racial, por exemplo, e autor de um trabalho gráfico igualmente notável na área comercial, Fior reunia já duas décadas de experiência quando chegou a Lisboa, em 1973.

Robin Fior era um autodidata. Em jovem, por decisão do pai, frequentara um reputado colégio inglês, em Harrow, e, mais tarde, a Universidade de Oxford, onde estudara brevemente língua e literatura. Ao gosto pela composição tipográfica manual e caligrafia, disciplinas que aperfeiçoara desde cedo, somava o interesse pela linguagem e as suas formas visuais, pelos meios técnicos e a produção material, e pelas políticas da esquerda revolucionária (Robin Fior. Call to Action / Abril em Portugal, 2019, p. 7). Assim, depois de uma passagem pelo escritório de advocacia do pai, Fior começou a aceitar trabalho como tipógrafo e designer gráfico independente (Ibid.).

Distinguindo-se pela «erudição poliédrica», fruto da permanente curiosidade perante o mundo, era dotado de um sentido prático, que, no entanto, não o impedia de trabalhar a um ritmo lento em projetos que se iam maturando progressivamente. O tempo e as experiências acumuladas tornar-se-iam fulcrais no seu processo de profissionalização, que ocorreu de forma orgânica e distante de uma educação formal em estudos de design (Rosa, Observador, 7 nov. 2019).

No início dos anos 70, a propósito de um convite feito pela cooperativa Práxis, fundada em 1968, Fior decide trocar o seu atelier em Carnaby Street, e as escolas onde ensinava em Londres, por uma formação de seis meses dada aos sócios da cooperativa, que juntava designers, arquitetos, fotógrafos e publicitários.

Apesar de operar «como um enclave de produção autossuficiente», seguindo um modelo de gestão socialista, a cooperativa tinha passado despercebida ao radar do regime fascista (Robin Fior. Call to Action & Abril em Portugal, 2019, p. 17). Face à irregularidade dos rendimentos que fazia na capital britânica, ao fluxo de trabalho crescente e, provavelmente, ao ambiente politizado, Fior deixou-se ficar por Portugal. Não imaginava, porém, que a Revolução de Abril estaria para acontecer pouco depois, na primavera de 1974, e que aqui acabaria por permanecer nos quarenta anos que se seguiram (Ibid.).

De facto, Fior não tardaria a fundir-se com a realidade portuguesa. A forma apaixonada como se associou aos movimentos revolucionários e se envolveu no meio cultural e político português contribuíram para que se tornasse uma figura local. No verão de 74, desenha o símbolo e o jornal semanal do Movimento de Esquerda Socialista (MES), produz uma série de cartazes com palavras de ordem exigindo a independência das colónias africanas, encomendados pelo CIDAC (Centro de Informação e Documentação Anti-Colonial) (Ibid.). Estuda a relação entre o design gráfico e o regime salazarista, e procura descobrir as raízes de uma tipografia moderna em Portugal, apresentando Sebastião Rodrigues «como o primeiro designer moderno e profissional» do país (Ibid.). Além disso, Robin Fior torna-se um dos membros fundadores da APD (Associação Portuguesa de Designers), trabalha a favor da cultura e do direito à saúde e ao trabalho, colabora com associações não-governamentais, como a Amnistia Internacional, e escreve regularmente para vários jornais e revistas.

É também como professor que Robin Fior é lembrado. Ana Baliza refere que, logo em 1973, Fior «embarca entusiasticamente no projeto da escola» Ar.Co, que dava os primeiros passos, definindo «o programa de estudos na área do design gráfico, envolvendo-se [na] divulgação das atividades», e criando uma identidade «construída ao longo do tempo por uma soma de logótipos, panfletos e cartazes» (Robin Fior. Call to Action / Abril em Portugal, 2019, p. 18). Fior prefere a mestria artesanal. Por isso, procurando combater os desenvolvimentos da era digital iminente, recupera as técnicas tradicionais de impressão, e imprime «manualmente, sobre papel colorido, grosseiro ou muito fino» (Ibid.).

Segundo a curadora, a palavra e a linguagem revelaram-se elementos centrais à sua prática; e se essa fixação era um hábito herdado da sua «escola» – a oficina de tipografia –, ela intensificara-se com a vinda do designer para Portugal, e a necessidade de permanecer «entre línguas» (Ibid.).

Como testemunham grande parte das suas obras, Fior apresentava preocupações formalistas com a palavra, detendo-se na estrutura gramatical da mensagem e na sua composição, antes de pensar sequer sobre o tipo de letra a usar. Veja-se, por exemplo, a capa de Anatomy of a Sacred Cow, de Konni Zilliacus, a primeira brochura realizada para a CND, em 1961, na qual o designer destaca, dentro da palavra «anatomy», a palavra «NATO» (que é o tema da brochura), imprimindo-a numa segunda cor que a diferencia e que joga com o efeito visual e semântico da palavra original (Ibid., p.10).

Em «Revolutionary Language», um texto publicado na Eye Magazine em 1999, Richard Hollis salienta que os projetos bilingues permitiam a Fior analisar os dados comuns a ambas as línguas, e partir daí para formar a base de uma ideia tipográfica (Ibid.).

Fior entendia que o designer, enquanto leitor e criador de conteúdos, tinha responsabilidades críticas e, por isso, deveria saber jogar com os vários estágios da comunicação e da linguagem falada e não falada: pensamento, fala, escrita, leitura, ação. O modernismo tipográfico deveria ser criado com afeto e humanidade. Para Fior, «o design gráfico era uma prática linguística, e a política do designer, a do "pormenor e da poética"» (Robin Fior. Call to Action / Abril em Portugal, 2019, p. 18).

Partindo do espólio doado à Fundação Calouste Gulbenkian e integrado nos arquivos da Biblioteca de Arte, bem como de outros valiosos empréstimos de ambos os territórios, a exposição «Robin Fior. Call to Action / Abril em Portugal» reuniu cerca de cem obras, procurando reconstruir uma parte da história de um dos protagonistas do design britânico e português. Como sublinha a curadora Ana Baliza, tratou-se de um trabalho de seleção, de um primeiro «olhar público ao conteúdo do espólio»; uma exposição «de recorte», que não é retrospetiva, antológica nem biográfica, mas que procura – como em vida do artista –, dialogar com o público (Hollis, The Guardian, 5 out. 2012).

O cuidado e a sensibilidade com que o designer britânico tratava o elemento gráfico é talvez o aspeto que merece maior destaque na sua obra, e que foi devidamente explorado pela exposição. De forma semelhante, procurando invocar uma parte importante do espírito do artista, decidiu-se incorporar algumas das técnicas de impressão que Fior utilizava, como a impressão das legendas sobre o vidro, em serigrafia, ou a impressão de alguns posters que aparecem só enquanto impressões (Robin Fior. Call to Action / Abril em Portugal, [vídeo], dez. 2019).

A exposição reuniu uma seleção de materiais desenhados por Robin Fior entre as décadas de 60 e 80, acompanhada por pequenos comentários de velhos amigos e colaboradores, que ofereciam realismo, profundidade e contexto de produção a algumas das obras. Além de um número mais reduzido de livros, a maior parte dos objetos em exposição eram folhetos, cartazes e panfletos, materiais originalmente criados para o imediato, destinados a uma vida efémera. Na opinião de Ana Baliza, se parte do interesse reside na orientação política assinalável em quase todas as obras, a qualidade do trabalho gráfico confere-lhes uma validade superior (Sapo Online, 5 nov. 2019).

«Robin Fior. Call to Action / Abril em Portugal» ocupou a galeria de exposições temporárias no piso inferior do edifício da Coleção do Fundador, em frente à Biblioteca de Arte. Foi o segundo momento da terceira temporada do ciclo «Conversas», iniciado em 2017. Para o jornalista Vasco Rosa, que com ele privou, a escolha de Robin Fior para um ciclo intitulado «Conversas» é sugestiva da peculiar natureza do artista, um «conversador digressivo», como lhe chama o editor e amigo Robert Kinross (Robin Fior. Call to Action / Abril em Portugal, 2019, p. 10).

No quadro deste programa, a Fundação Calouste Gulbenkian editou um dos habituais Cadernos de Exposição em formato bilingue (português/inglês). Além de fotografias documentais e de obras do artista, o caderno continha um texto do próprio Robin Fior – «Portugal» (1994) –, reeditado para a ocasião, e dois outros textos, assinados por Ana Baliza e por Robin Kinross.

Ao longo de 75 dias, a exposição atraiu cerca de 7400 visitantes, um número que confirma o interesse que «Robin Fior. Call to Action / Abril em Portugal» suscitou no público, sendo identificados como aspetos de relevância, no questionário de avaliação disponibilizado após a visita à exposição, o interesse do tema e o enriquecimento cultural daí decorrente (Relatório, 2 mar. 2020, Arquivos Gulbenkian, [cota brevemente disponível], p. 2).

No que diz respeito aos eventos paralelos, foram organizadas três visitas guiadas e duas conferências. No total, a programação associada registaria a participação de 422 pessoas. A primeira visita guiada foi orientada pela curadora Ana Baliza; a segunda – «Robin Fior: Design e Pedagogia» – foi apresentada por Maria João Bom, ex-estagiária, colaboradora de Fior e autora do livro A Práxis no Design Gráfico de Robin Fior (2015); e a terceira contou com a presença de Robin Kinross (1949), convidado a analisar a marca da sua obra na exposição. Ocorreram marcações extra para oito visitas orientadas destinadas a grupos escolares (Ibid., p. 1).

Quanto às conferências, «Robin Fior em Londres» teve o amigo e parceiro de profissão Richard Hollis (1934) como orador convidado; finalmente, a última, intitulada «História do Design em Portugal nas Décadas de 60 e 70» e incluída no ciclo «Conversas na Biblioteca», teria como participantes o arquiteto paisagista Júlio Moreira, a cenógrafa Cristina Reis e Maria Helena Souto, professora e historiadora especializada em História do Design.

A exposição teve uma repercussão moderada nos meios de comunicação social. Destaque para os artigos de Vasco Rosa no Observador, «Robin Fior: O inglês impaciente» (7 nov. 2019), e de José Mateus no regional Jornal do Centro (3 jan. 2020), e para várias menções, nomeadamente no Jornal de Negócios – Weekend (15 nov. 2019), no Jornal de Notícias (9 nov. 2019), no Semanário SOL (1 nov. 2019), no suplemento Ípsilon do jornal Público (5 nov. 2019) e na Do Papel Online (20 nov. 2019), que destaca uma das visitas guiadas organizada no âmbito da exposição. Na imprensa internacional, as referências online a partir do take da Lusa estenderam-se à World Art Foundations e à Artforum.

Madalena Dornellas Galvão, 2022


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

À Conversa com a Curadora

8 nov 2019
Fundação Calouste Gulbenkian / Museu Calouste Gulbenkian – Galeria de Exposições Temporárias
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

À Conversa com a Curadora e os Convidados

7 dez 2019 – 13 dez 2019
Fundação Calouste Gulbenkian / Museu Calouste Gulbenkian – Galeria de Exposições Temporárias
Lisboa, Portugal
Conferência / Palestra

Robin Fior em Londres

31 jan 2020
Fundação Calouste Gulbenkian / Edifício Sede – Auditório 3
Lisboa, Portugal
Colóquio

História do design em Portugal nas décadas de 1960 e 1970

22 jan 2020
Fundação Calouste Gulbenkian / Edifício Sede – Auditório 3
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Colóquio «História do design em Portugal nas décadas de 1960 e 1970»
Colóquio «História do design em Portugal nas décadas de 1960 e 1970»
João Vieira
Maria Helena Souto (à esq.), Júlio Moreira (ao centro) e Cristina Reis (à dir.)
Maria Helena Souto (à esq.), Júlio Moreira (ao centro) e Cristina Reis (à dir.)
Colóquio «História do design em Portugal nas décadas de 1960 e 1970»
Colóquio «História do design em Portugal nas décadas de 1960 e 1970»
Maria Helena Souto (à esq.), Júlio Moreira (ao centro) e Cristina Reis (à dir.)
João Carvalho Dias (esq.) e Nuno Prego (dir.)
Francisco Amorim e Rita Albergaria
Ana Maria Campino, Francisco Amorim, Rita Albergaria (da esq. para a dir.)
Joaquim Sapinho (atrás, à dir.)

Multimédia


Documentação


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 04822

Pasta com documentação referente à programação das atividades da FCG para os anos de 2017 a 2019. Contém correspondência interna e externa. 2016 – 2017

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa

Conjunto de documentos referentes à exposição. Contém materiais gráficos, caderno de exposição, entre outros. 2009

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA 10126

Conjunto de documentos referentes ao artista. Contém CV e documentação sobre projeto «Lettering Lisboa» financiado pela FCG, que daria lugar a exposição e conferência no Museu da Cidade, em 2004. 2003

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA 08619

Conjunto de documentos referentes ao artista. Contém documentação de candidatura a uma bolsa de estudo de especialização financiada pela FCG: boletim de inscrição, CV, carta de recomendação, plano de estudo curricular e aprovação da tese de doutoramento na University of Reading (Faculty of Letters and Social Sciences, UK, etc). 1996 – 1996

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / MCG 04696

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém e-mail de Liza Fior sobre doação de espólio e exposição «Robin Fior. Call to Action / Abril em Portugal». 2018

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 208010

Coleção fotográfica, cor: aspetos de sala (FCG, Lisboa) 2019

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 208011

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG, Lisboa) 2019

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 220537

Coleção fotográfica, cor: evento paralelo «História do design em Portugal nas décadas de 1960 e 1970» (FCG, Lisboa) 2020


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