Reunindo uma seleção de obras da coleção do Centro de Arte Moderna (CAM) em torno do conceito de casa como refúgio, espaço arquitetónico ou lugar de intimidade, esta exposição, cocomissariada por Isabel Carlos e Patrícia Rosas Prior, ocupou e transformou o espaço da Nave através da construção de uma espécie de casa coletiva, composta por um conjunto de instalações e esculturas, como Avoiding the Mistral Wind II (2013), de Leonor Antunes (1972), Objecto – Porta (1975), de Ana Vieira (1940-2016), D(OOR), D(AM) (1990), de Pedro Cabrita Reis (1956), e S/Título (2007/08), de Heimo Zobernig (1958), que remetiam para elementos físicos, definidores e modeladores dos espaços domésticos.

O discurso expositivo apoiava-se numa seleção de textos de autores de diferentes épocas e distintas áreas disciplinares e artísticas, como Vitrúvio, Pierre Nora, Marc Augé e Ruy Belo, dividindo-se em três grandes linhas de reflexão: a casa enquanto construção, definidora da fronteira entre mundo exterior e interior. Nas palavras de Ruy Belo: «Só as casas explicam que exista / uma palavra como intimidade» (Belo, Todos os Poemas, Círculo de Leitores, 2000, pp. 212-213). A casa como elemento estrutural das cidades: «Sem casas não haveria ruas / as ruas onde passamos pelos outros / mas passamos principalmente por nós» (Ibid.), e a casa enquanto organismo vivo, mutável, reflexo do seu proprietário, e, portanto, «lugar de memória», na formulação de Pierre Nora, por oposição aos «não-lugares», na designação de Marc Augé, espaços de passagem, com os quais não se estabelece nenhuma ligação (As Casas na Coleção do CAM, 2015, pp. 2, 8-9). Cada uma destas linhas de reflexão foi desdobrada em diferentes abordagens, que refletiam problemáticas diversas.

A exposição iniciava-se no Hall do CAM, com um conjunto de obras de Carlos Botelho (1899-1982), paisagens de Lisboa que mostram a cidade com as suas ruas sinuosas e colinas cobertas de casario colorido, implantado de modo desordenado. Nestas, é quase inexistente a presença humana, reduzida a pequenos apontamentos figurativos, realidade que se estende a muitas das obras pictóricas ou fotográficas expostas neste núcleo.

Referências à cidade, à construção em altura, aos seus «não-lugares», e às relações impessoais que esses contextos potenciam, eram, ao longo da grande Nave, intercaladas com ambientes interiores, íntimos, acolhedores que retratavam os seus moradores ausentes. O confronto de obras dicotómicas como 10 Fotografias (1989-90), de Augusto Alves da Silva (1963), e Al Kantara (2008), de Thomas Weinberger (1964), com Quarto Interior (1993), de Manuel Amado (1938), e Tiempo Sosegado (1985), de Esperanza Huertas (1925-2014), salientava as suas especificidades. As fotografias de Alves da Silva mostram a transformação da paisagem através da arquitetura; a de Weinberger, edifícios ou complexos habitacionais desprovidos de identidade local. As pinturas de Amado e Huertas representam, por sua vez, ambientes confortáveis, moldados aos seus moradores, através de objetos e pertences, sinais de ocupação e marcas de identidade. As relações afetivas que daí advêm eram abordadas através das esculturas Penélope (2000), de Ana Vidigal (1960), ou Yellow Leaf (1989), de Rachel Whiteread (1963).

Por outro lado, a casa como repositório de memórias levou à seleção de um conjunto de trabalhos nos quais o museu (do grego mouseion, que significa «templo» ou «morada das musas»), em particular os museus da Fundação Gulbenkian – Museu Gulbenkian, 2008, de Thomas Weinberger (1964), Albers. Seidler Establishing. Shots, 2012-13, de Narelle Jubelin (1960) –, tem uma presença forte, enquanto lugar de história e da memória coletiva.

Por último, as ruínas – representadas na fotografia Threshold (from «Tenements and Temples» series) (1986), de Deanna Petherbridge (1939) – remetiam para a passagem do tempo, para o fim da casa e o que resta da sua história («as casas nascem vivem e morrem / Enquanto vivas distinguem-se umas das outras / […] / elas morrem não só ao ser demolidas / Elas morrem com a morte das pessoas» – As Casas na Coleção do CAM, 2015, p. 9), mas também para o início, para os alicerces e elementos primordiais. Uma casa sem paredes não é casa, não serve de abrigo. A elementaridade da «cabana primitiva» de Vitrúvio era evocada através de obras como Chão de Cimento (1) (1972), de Ângelo de Sousa (1938-2011), S/Título (1997), de Ana Vidigal (1960), Espelho C (2005), de Waltercio Caldas (1946) ou S/Título (1998), de José Pedro Croft (1957). Nestes trabalhos estão igualmente subjacentes as ideias de cheio e vazio. O elemento do espelho, que é comum às esculturas de Croft e de Carlos Nogueira (1947) (desenho de construção com casa. e céu, 2005), capta para o interior destas a realidade envolvente, enchendo-as de vida.

A vida que anima o interior das casas, isto é, as interações humanas, ou o vazio que o silêncio intensifica, foram outros dos aspetos aprofundados através de trabalhos muito distintos, como as pinturas de Jorge Varanda, um vídeo de Filipa César (1975) (Product Displacement, 2002) e uma escultura de Ana Vidigal (1960) (Penélope, 2000).

Esta exposição não recorria a formas de organização cronológica ou a núcleos temáticos. Partia do ambiente cenográfico formado pelas obras instalativas dispostas ao centro da Nave e desdobrava-se nas referidas linhas de reflexão, que se cruzavam no espaço, potenciando diferentes leituras da mesma obra.

Após o encerramento da exposição «O Círculo Delaunay», esta mostra foi ampliada, estendendo-se às salas A e B do CAM. Aí, foram apresentados trabalhos de Pedro Gomes (1972), Pedro Casqueiro (1959), Pedro Cabrita Reis (1956), Gil Heitor Cortesão (1967), Pedro Calapez (1953), Graça Pereira Coutinho (1949) e Mark Wallinger (1959). Esta alteração terá motivado o prolongamento da exposição por mais dois meses. Para a acompanhar, foi produzida uma pequena publicação, que inclui o texto de Patrícia Rosas Prior e algumas reproduções das obras expostas.

Mariana Roquette Teixeira, 2019