«Meeting Point» foi um projeto com dois momentos – «Rembrandt. Paula Rego» e «Fantin-Latour. Manuel Botelho» – organizado pelo Museu Calouste Gulbenkian (MCG) da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) e comissariado por Helena de Freitas.

O primeiro, «Rembrandt. Paula Rego», teve lugar de 27 de junho a 21 de setembro de 2014, no corredor entre a Galeria de Arte do Extremo-Oriente e a Galeria de Arte Europeia, e pôs em confronto, ou diálogo, duas obras pertencentes ao acervo do MCG: Figura de Velho (1645), de Rembrandt (1606-1669), e O Tempo, Passado e Presente (1990), de Paula Rego (1935-2022).

Segundo a comissária, o objetivo deste projeto passou pela criação de uma área de confronto, não apenas das duas obras selecionadas, mas de artistas e públicos do Museu, através da presença no mesmo espaço de dois trabalhos pertencentes às duas coleções – do Fundador, coleção estática reunida por Calouste Sarkis Gulbenkian, e Moderna, em constante crescimento nos campos da produção artística moderna e contemporânea. A confrontação mais evidente é desde logo a dos artistas, «personalidades distantes, no tempo e na expressão» (Meeting Point: Rembrandt, Paula Rego, 2014, p. 8).

O conceito expositivo partiu, assim, da vontade de estabelecer um diálogo entre as duas coleções, permitindo a descoberta de afinidades e diferenças entre elementos formais e conceptuais de obras completamente díspares e, neste caso, separadas por um intervalo de mais de trezentos anos, sendo esta a primeira vez que se expôs uma obra de um artista contemporâneo naquele espaço do Museu.

Propunha-se ainda aplicar uma leitura geralmente associada à arte contemporânea à obra dos mestres antigos, expandido deste modo a sua análise e a atribuição de possíveis significados, com o intuito de provocar no público um sentimento de surpresa, ao deparar-se com trabalhos tão amplamente divulgados em contextos inesperados.

O projeto, inovador, combinou as duas coleções da FCG, numa escolha museográfica que introduziu uma «quebra no discurso diacrónico do Museu» e que contrariou uma lógica expositiva tradicional e homogénea, levando à conclusão de que existem «temas intemporais, trabalhados pelos artistas ao longo dos séculos, originados pela necessidade de reflexão face a questões tão essenciais como a vida e a morte» (Relatório, Balanço e Contas. FCG. 2014, 2015, p. 55).

A escolha das duas obras para uma apresentação simultânea foi, primeiro, intuitiva; depois, influenciada pelo conhecimento prévio da vida dos dois artistas, e sustentada por duas razões essenciais: «O sentido e a natureza da obra de Paula Rego e o facto de ter sido convidada por Neil MacGregor, então diretor da National Gallery em Londres, para iniciar em 1990 um projeto de residência artística, na condição de artista associada.» (Meeting Point: Rembrandt. Paula Rego, 2014, p. 12)

Durante este período, Paula Rego pintou num pequeno espaço pertencente à National Gallery, no qual estudou e reinterpretou a obra dos grandes mestres, a par da prática que Rembrandt incutia aos seus alunos. A obra exposta na primeira edição de «Meeting Point» foi a primeira a ser produzida neste contexto, sendo na sua totalidade, do título ao tema tratado, passando pelo contexto em que foi produzida e pela representação de elementos que fazem referência à história da pintura, uma reflexão sobre o «tempo», além de estabelecer uma ponte entre a arte contemporânea e a arte antiga.

Também na obra de Rembrandt o tema «tempo» foi amplamente desenvolvido, sendo o grande conjunto de autorretratos, reais e fictícios, produzido pelo artista um dos exemplos mais flagrantes.

De salientar ainda a semelhança entre as personagens principais das duas obras e a forma como estas abordam o tema da passagem do tempo, aspetos que, para a comissária, tornaram inevitável a comparação entre os dois trabalhos. Numa conversa com Helena de Freitas, foi Paula Rego, no entanto, quem referiu a mesma postura inclinada, melancólica e resignada de aceitação do tempo que partilham ambas as figuras.

Dos processos artísticos de Rego e Rembrandt emergiram também pontos de ligação entre os dois artistas. Tal como Rembrandt guardava no seu estúdio vários adereços de teatro que lhe permitiam criar e representar personagens fictícias, o estúdio de Paula Rego era um local onde habitavam modelos construídos e pequenas arquiteturas que serviam de cenário para a sua pintura. O estúdio para os dois artistas é, ao mesmo tempo, o palco de uma peça teatral que se concretiza na tela e a «extensão do corpo» (Meeting Point: Rembrandt. Paula Rego, 2014, p. 23).

Apesar de não ser uma das influências diretas de Paula Rego, a referência a Rembrandt tornou-se mais evidente com a descoberta dos desenhos incluídos em «Drawings by Rembrandt and His Circle», nomeadamente Homem Sentado com Mulher (Jacob e Raquel) (c. 1640-1645). A evocação dos desenhos tornou ainda mais entusiástica a colaboração da artista e, parafraseando Helena de Freitas, alterou e expandiu o conceito inicial do projeto (Ho, Sol, 27 jun. 2014). No desenho, cedido pelo British Museum, reconhecem-se elementos semelhantes aos da pintura exposta, no vestuário, na atitude e na linguagem corporal. Colocados a par, o estudo de Paula Rego para a pintura O Tempo, Passado e Presente, proveniente da J. S. Mills Collection, e o desenho de Rembrandt, evidenciam os aspetos comuns, e reforçam o objetivo do projeto curatorial: provocar o confronto plástico entre as duas obras, datadas, uma, de 1645, a outra de 1990.

A divulgação de «Meeting Point» pelos media nacionais passou pelas plataformas online dos jornais Público, Jornal i e Notícias ao Minuto, nas quais foi reforçado o caráter inédito da iniciativa, ao estabelecer um diálogo entre as duas coleções do MCG.

Maria Leonor Antunes lembrou que «Meeting Point» ensaiou uma intenção que, mais tarde, foi aplicada na união dos dois núcleos museológicos do MCG e que, atualmente, é efetiva, com o propósito de alargar o público, «fazendo cruzar os visitantes pelos dois acervos, promovendo mais a Coleção Moderna internacionalmente, proporcionando uma maior amplitude da oferta. E procurando explorar novos diálogos e relações expositivas» (Nunes, JL. Jornal de Letras, Artes e Ideias, 8 mar. 2016).

No âmbito da exposição, foram organizados dois programas, um de visitas guiadas pela comissária e outro orientado pelo Setor Educativo do Museu.

Carolina Gouveia Matias, 2019