«Fasciculus Temporum. Arte Tardo-medieval do Museu Nacional Het Catharijneconvent de Utreque» trouxe a Lisboa cerca de 92 peças da representativa coleção de arte sacra antiga dessa instituição holandesa. O título em latim alude a uma das áreas mais bem representadas na mostra, os livros de horas. Datados dos séculos XV e XVI, permitiram observar de perto a transição dos manuscritos iluminados para as técnicas de impressão tipográfica.

Compreendido entre meados do século XIV e o final do século XVI, o acervo exposto estendeu-se ainda à pintura e à escultura em madeira e marfim e aos paramentos e bordados de têxteis litúrgicos. Cobria especialmente o espectro geográfico alargado do gótico internacional no Centro e Norte da Europa, desde a França à Inglaterra, da Alemanha aos Países Baixos. Estas rotas cruzam-se depois com uma interessante Virgem e o Menino (c. 1600), pintura de origem portuguesa já da viragem para o século XVII. Está inserida num curioso oratório de madeira – exemplo de arte namban japonesa, que chamava ao contexto os jesuítas portugueses. A pequena imagem votiva terá chegado ao Japão através dos missionários, de onde regressou com esta impressionante intervenção de arte da laca e de glíptica, repleta de incrustações de madrepérola (Fasciculus Temporum…, pp. 71-72).

A ideia para esta coprodução com a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) terá surgido aquando do empréstimo do Livro de Horas de Margarida Clèves (Inv. LA148) do acervo do Museu Calouste Gulbenkian (MCG) ao Museum Catharijneconvent de Utreque (MCU), em dezembro de 1989 (Ofício de Maria Teresa Gomes Ferreira para a Presidência da FCG, Arquivos Gulbenkian, MCG 03081). Após aprovação do Conselho de Administração da FCG, o MCU começa rapidamente a preparar o catálogo que, em versão bilingue português/inglês, foi, à data, uma das monografias mais importantes na bibliografia internacional acerca do acervo deste museu holandês, merecendo um envio alargado a instituições congéneres, bem como solicitações de outras entidades na área da arte antiga (Arquivos Gulbenkian, MCG 03081).

A exposição inaugurou a 26 de novembro de 1992 na Galeria de Exposições Temporárias do Museu Calouste Gulbenkian, com Helen C. Wüstefeld, curadora do MCU, a proferir uma conferência inaugural subordinada ao tema «Dutch Manuscript Painting» (Convite, Arquivos Gulbenkian, MCG 03081). A exposição ficou patente até 7 de fevereiro de 1993, período em que os visitantes puderam também participar noutras atividades no âmbito da mostra, a começar pela apresentação de diapositivos com a história do Catharijneconvent e a sua transformação em instituição museológica, bem como imagens de marfins (França, século XIV) e livros manuscritos e iluminados (Holanda e Flandres, séculos XV e XVI) dos acervos da FCG, que não foram expostos ao vivo nesta ocasião (Sessões de audiovisuais…, Arquivos Gulbenkian, MCG 03082).

A programação paralela contou também um ciclo de música medieval que trouxe três concertos ao átrio do Museu (Programa. Ciclo de música…, Arquivos Gulbenkian, MCG 03082). A abertura coube ao musicólogo Rui Vieira Nery, com a conferência «A Escola Franco-Flamenga e o estabelecimento de modelos internacionais na polifonia europeia do Renascimento», proferida no auditório do MCG, a 2 de dezembro de 1992, com a reprodução áudio de excertos musicais (Ibid.).

No dia 16 desse mesmo mês, o organista João Vaz e o contratenor lírico Manuel Brás da Costa interpretaram o primeiro de três «Concertos de Música Franco-Flamenga dos Séculos XIV e XV» (Ibid.). Seguiu-se-lhes um recital pelo grupo Segréis de Lisboa e pelo Coro de Câmara de Lisboa, a 6 de janeiro de 1993, e finalmente, a 27 de janeiro, uma interpretação a cargo do agrupamento Coral Vértice do Coro Gulbenkian – apresentação da qual os Arquivos Gulbenkian guardam um folheto, também ele com um texto de Rui Vieira Nery e que se supõe ter sido a base para a sua comunicação no início do ciclo de música (Coral Vértice…, 27 jan. 1993, Arquivos Gulbenkian, MCG 03082).

Não foi apenas este ciclo que fez soar a música medieval no âmbito da mostra «Fasciculus Temporum». A própria sala de exposições pôde contar com a reprodução de gravações coligidas pela fonoteca da FCG (Ofício de Rosa Figueiredo para Janine Moura, 19 nov. 1992, Arquivos Gulbenkian, MCG 03081).

Durante a mostra, o aprofundamento temático da arte medieval deu-se também através do curso «O Final da Idade Média», a cargo do historiador de arte José Custódio Vieira da Silva, cujas quatro sessões decorrerem nos dias 20 de janeiro e 3, 10 e 17 de fevereiro de 1993, na Sala de Conferências do MCG. Um pouco mais tarde, e nesse mesmo espaço, seria a vez de o historiador Carlos Alberto Ferreira de Almeida orientar o seminário «Iconografia Medieval Portuguesa», com sessões a 3, 10, 17 e 24 de março de 1993. Apesar de ter acontecido já após o encerramento de «Fasciculus Temporium», a documentação consultada reitera que este curso foi programado ainda durante a mostra, enfocando o contexto português dentro da tónica na arte medieval e tardo-medieval trazida pela exposição (Arquivos Gulbenkian, MCG 03082).

Daniel Peres, 2019