Emily Wardill. Matt Black and Rat  

Programa «Espaço Projeto»

Primeira exposição individual de Emily Wardill (1977) em Lisboa, e a segunda a ocupar o Espaço Projeto, um programa dedicado a projetos de jovens artistas contemporâneos, nacionais e internacionais. Numa parceria com a Bergen Kunsthall, na Noruega, a mostra apresentou os mais recentes trabalhos da reconhecida artista britânica radicada na capital portuguesa desde 2012.
The first solo exhibition by Emily Wardill (1977) in Lisbon and the second to occupy the Project Space, a programme dedicated to projects by young Portuguese and international contemporary artists. In partnership with Bergen Kunsthall, in Norway, the exhibition presented the latest work by the renowned British artist, based in the Portuguese capital since 2012.

Emily Wardill (1977) é uma artista visual e realizadora britânica que trabalha a relação entre a linguagem, o objeto e a imagem, e a incomunicabilidade que se instala entre elas, «criando narrativas [desestabilizadoras] onde convergem realidade, fantasia e sobrenatural, com referências […] ao género cinematográfico dos filmes de terror» (Fundação Calouste Gulbenkian, «Emily Wardill. Matt Black and Rat», 2017).

Em 2013, a propósito da projeção da sua primeira longa-metragem Fulll Firearms (2012) com a Kunsthalle Lissabon, no cinema Nimas, Emily Wardill apaixona-se por Portugal. «Seduzida pela música, pela energia, pelas pessoas, [e pela proximidade do] oceano selvagem…», a artista decide sair de Londres e radicar-se em Lisboa, passando pouco depois a dividir o seu tempo entre a capital portuguesa e Malmö, na Suécia, e a lecionar na Maumaus e na Malmö Art Academy, respetivamente (Ibid.).

A partir de então, a sua relação com Portugal viria a adensar-se, contando com a produção de obras que referenciam o país – veja-se I gave my love a cherry that had no stone (2016) (Inv. 17IM80) – ou são faladas em português – Night for Day (2020) –, e com a realização ou participação em exposições em território nacional, como The Third Person (2012), no ARTES (Fundação Manuel António da Mota, Porto), ou aquela que foi a sua primeira exposição individual em Lisboa, «Matt Black and Rat» (2017).

«Matt Black and Rat» resultou de uma parceria entre o Museu Calouste Gulbenkian e a Bergen Kunsthall, galeria norueguesa que acolheu a exposição entre janeiro e março de 2017. Entre 2 de junho e 28 de agosto do mesmo ano, a exposição apresentou-se no Espaço Projeto (Museu Calouste Gulbenkian) com os mais recentes trabalhos de Emily Wardill, incluindo «dois novos filmes, uma série de relevos escultóricos e um conjunto inédito de fotogramas» (Fundação Calouste Gulbenkian, «Emily Wardill. Matt Black and Rat», 2017). O corpo de trabalho mostrado fora integralmente realizado para «Matt Black and Rat», tendo para isso recorrido a um baixo orçamento, segundo o relatório final da exposição.

Com a itinerância Bergen-Lisboa, a exposição sofreu ligeiras mudanças de apresentação numa e noutra instituições, tendo inclusivamente contado com curadorias distintas: na Bergen Kunsthall, a curadoria esteve a cargo do diretor da galeria, Martin Clark, enquanto no Museu Calouste Gulbenkian foi responsabilidade de Rita Fabiana.

Em Lisboa, «Matt Black and Rat» foi apresentada na senda de um novo ciclo de programação do Museu Calouste Gulbenkian encetado pela então diretora, Penelope Curtis, e implementado em março desse ano com o objetivo de valorizar o diálogo, a experimentação e a criação de novos públicos no Museu. Depois da exposição inaugural de Tamás Kaszás, «Alegria e Sobrevivência», a exposição de Emily Wardill (1977), «Matt Black and Rat», que contou com uma forte aprovação do público e dos meios de comunicação, terá conseguido consolidar o estatuto do Espaço Projeto como um lugar atento à criação contemporânea. Seguir-se-iam os projetos de Marie José Burki (1961) e de Mariana Silva (1983).

Wardill declara trabalhar «com imagens que funcionam como palavras e com palavras que funcionam como imagens» (Fundação Calouste Gulbenkian, «Emily Wardill. Matt Black and Rat», 2017). Numa espécie de jogo de adivinhas, também as palavras que compõem o título se assemelham muito a imagens, refere a artista, para quem o valor está no «modo como as palavras soam, não só separadamente, mas como um todo», com uma cadência próxima da de um trava-línguas inventado (Ibid.). Matt black rat é, citando Emily Wardill, «a expressão que se usa quando se pinta um veículo de preto mate, por vezes com tinta de pintar casas», o que revela um maior interesse pelas características estruturais do carro – «tamanho do motor, velocidade, potência» –, do que por outros elementos mais superficiais. Além disso, o preto mate pode remeter para o preto de um objeto queimado e para o fogo, um elemento muito presente nesta exposição (Ibid.).

Em «Matt Black and Rat», a artista parece interessar-se de um modo muito particular por tudo o que as coisas não são, e por tudo o que poderiam ser, assim como pelo alargamento das possibilidades de definição e significação, e pelo poder recreativo que a adivinhação concede ao conhecimento. Assim, explorar os interstícios entre diferentes domínios da expressão humana e regimes de representação, com os quais experimenta e desordena, rompendo com uma série de convenções e expectativas de previsibilidade, é uma das práticas da artista, que dá às qualidades fantasmagóricas dos estados de indefinição e transitoriedade um lugar de destaque. Neste sentido, a ideia de uma «materialidade que aspira à transparência» e que é suposto esquecer assim que é compreendida, torna-se, para Emily Wardill, o grande tema desta exposição (Ibid.). Por outras palavras, questiona-se «a materialidade do objeto artístico», muitas vezes através da «materialidade-imaterial da imagem vídeo [projetada]», o que acontece com os filmes exibidos No Trace of Accelerator (2017) (Inv. 17IM81) e I gave my love a cherry that had no stone (2016) (Nunes, Contemporânea, 2017).

Em obras como No Trace of Accelerator, que relata uma série de incêndios ocorridos em França no final dos anos 90 e cuja causa se desconhece, a artista joga com a ideia do fogo que transforma e extingue a matéria. Envolto num drama psicológico com a duração aproximada de 48 minutos, o ambiente é o de uma «estética de terror e mal-estar que se transmuta no fogo», que acaba por se tornar um elemento unificador na exposição, simultaneamente central e catalisador (Consiglieri, Artecapital, 2017). Como refere Sofia Nunes, para intensificar o sentimento de angústia que a narrativa irresolúvel deste filme imprime no espectador, Wardill trabalha a imagem por analogia com o fogo: «campo de instabilização, [a imagem] fragmenta-se […], pulveriza-se […], adquire uma tonalidade branca, fantasmática e é entrecortada por silêncios, sonoridades computorizadas, fumos» (Nunes, Contemporânea, 2017). De facto, parece que Wardill não deseja senão «explorar as camadas materiais da imagem[,] a fim de situá-la numa condição de hibridismo constante e de lhe devolver possibilidades alargadas» (Ibid.).

Esta condição de hibridismo, ou de estar num lugar «entre», é uma escolha repetida sucessivamente ao longo de toda a exposição, como se fosse uma brincadeira na qual a artista insiste. Desde logo, é nessa perspetiva que Wardill age sobre a expressão que escolhe como título – matt black rat –, acrescentando-lhe a conjunção aditiva and para lhe alterar o sentido, impedindo-a assim de se manter correta. O mesmo acontece com I gave my love a cherry that had no stone. O título desta obra, «que evoca uma canção de embalar», corresponde a um verso de uma canção folk inglesa com origens no século XV também conhecida por The Riddle Song («A Canção da Adivinha»), e que, recorrendo a trocadilhos e à lógica das adivinhas, fala precisamente de uma série de situações inusitadas, recheadas de detalhes macabros e de um certo tipo de humor característico das lengalengas infantis (Emily Wardill. Matt, Black and Rat, 2017, [p. 7]).

À semelhança de No Trace of Accelerator, o filme I gave my love a cherry that had no stone trata o espaço – o «foyer modernista do Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian» – como «uma paisagem psicológica», explorando a «relação de intensa performatividade» e «mútua contaminação» entre este e o corpo que nele habita (Ibid., [pp. 5, 7]). A obra foi filmada durante a madrugada e recorreu a um drone e a uma câmara que se movimentam incessantemente para replicar a agitação do corpo do bailarino David Marques que ali deambula e se perde, funde e metamorfoseia, como se tivesse nascido de uma fusão entre uma máquina e um animal. Segundo a artista, esta personagem corresponde a «um homem que não quer ser real» (Ibid., [p. 7]). O espaço torna-se detentor de uma organicidade que o «suspende no tempo, entre o passado e o futuro, […] a noite e o dia, […] [o] material e o irreal», adquirindo assim qualidades de «quase-personagem» (Ibid.). O mesmo acontece à camisa branco-alvo, que se separa do bailarino e ganha vida própria, aproximando-se da «iconografia dos espectros e dos fantasmas» da cultura popular (Ibid.). Entre o imaginário e o real, o sonho e a vida, I gave my love a cherry that had no stone escapa a definições, demonstrando, no entanto, uma inspiração confirmada por Wardill: a das estranhas criaturas-objeto que habitam a pintura da artista americana Dorothea Tanning (1910-2012), significativamente intitulada Some Roses and their Phantoms (1952).

Importa notar que a apresentação de «Matt Black and Rat» no Museu Calouste Gulbenkian derivou do convite do diretor da Bergen Kunsthall à instituição portuguesa para uma participação na produção do filme No Trace of Accelerator. Financiada pela Arts Council Norway, e realizada entre julho e dezembro de 2016, a obra é, afinal, uma encomenda específica coproduzida por ambas as instituições, e viria a estrear-se na inauguração de «Matt Black and Rat» em Bergen. Para a apresentação em Lisboa, No Trace of Accelerator requereu uma legendagem em português, que ficou concluída entre março e abril de 2017; a obra foi projetada na Sala Polivalente do Museu Calouste Gulbenkian, num ecrã clássico virado para uma zona de plateia sentada, tornando-se assim a única obra da exposição a ser exibida fora do Espaço Projeto.

O Espaço Projeto viu desmantelar as duas paredes temporárias que haviam sido levantadas nas salas de projeção para a mostra «Tamás Kaszás. Alegria e Sobrevivência». Para acolher «Matt Black and Rat», que também ocupou a Sala Polivalente, a área do Espaço Projeto foi convertida em duas salas contíguas de forma oblíqua e numa terceira sala de projeção.

As salas oblíquas foram mantidas numa penumbra intencional, pontuadas apenas por breves momentos de luz. Das paredes brancas, brotavam os relevos escultóricos, duplos estáticos da camisa branca despida, ou sugerindo movimento, moldados em resina igualmente branca, como se de origâmis se tratasse (Ibid.). Uma destas peças intitulava-se Noh, aludindo ao género teatral japonês cujas origens remontam ao século XIV e que, utilizando a subtileza de movimentos e de palavras, se aproxima mais de um contar de histórias do que de uma peça de teatro. Para Rita Fabiana, os relevos escultóricos de Emily Wardill demonstram que a artista «trabalha uma vez mais sobre a possibilidade de passagem e de transformação de uma coisa em outra», já que a cada passagem estas peças têm a capacidade de se revelarem, passando de «meras imagens bidimensionais […] [a] objetos com que nos podemos mensurar» (Ibid.).

Em contraponto com estas peças, foram dispostos os fotogramas – «objetos feitos de luz, presentificados pela luz» (Ibid.). Especificamente realizados para esta exposição, cada um dos fotogramas «inscreve uma das palavras – matt, black e rat – como fragmentos», fechando assim, numa espécie de lengalenga, «o jogo de palavras continuadamente repetidas»: «Matt, Black and Rat» (Ibid.). «Objetos transitórios» semelhantes a raios X, estes fotogramas viriam permitir o «fluxo [entre a] imagem e a palavra[,] o gesto e o som[,] num todo» (Consiglieri, Artecapital, 10 jul. 2017).

Na sala de projeção exibia-se I gave my love a cherry that had no stone, o filme de oito minutos que se repetia em loop. A instalação da obra, suspensa e inclinada sobre o plano do chão, fora pensada para acentuar o efeito, conseguindo, desta forma, ter uma enorme influência sobre o espectador e sobre a sua relação com o próprio corpo, simultaneamente «convocado» e «destabilizado» (Emily Wardill. Matt, Black and Rat, 2017, [p. 7]).

A área que registou maiores dificuldades de produção foi provavelmente a do transporte das peças, apesar de algumas delas se encontrarem no estúdio da artista em Lisboa. Para garantir a presença de todas as obras na exposição, foi necessário solicitar a colaboração de várias instituições estrangeiras como a carlier|gebauer, em Berlim, a STANDARD (OSLO), em Oslo, a Altman Siegel, em São Francisco – galerias representantes de Emily Wardill –, e a Lunds Konsthall, em Malmö, que expunha temporariamente obras da artista.

É ainda de salientar que, no âmbito da exposição, a Bergen Kunsthall publicou um catálogo com ensaios e uma entrevista entre o curador Martin Clark e a artista, intitulado Things Keep their Secrets. A Fundação Calouste Gulbenkian, no quadro do Espaço Projeto, editou um dos habituais Cadernos de Exposição, em formato bilingue (português-inglês).

Ao longo de 77 dias, a exposição atraiu 8793 visitantes. Não se registaram visitas de escolas nem marcações extra para visitas orientadas. No que diz respeito aos eventos paralelos, foi organizada uma visita orientada pela curadora Rita Fabiana e pela própria artista.

A exposição recebeu uma grande atenção dos meios de comunicação, com destaque para duas reportagens televisivas na Sic Notícias (Jornal das Duas, 8 mar. 2017; Edição da Manhã, 9 mar. 2017) e vários artigos nos jornais Expresso, Público, Diário de Notícias e nas revistas Sábado e Time Out. O Público assinalou a exposição em três ocasiões, publicitando-a na «Sugestão do dia», nas «Sugestões para o fim-de-semana» e no suplemento P2, de domingo.

Na imprensa especializada, são de salientar uma menção na revista Umbigo, os artigos «Matt Black and Rat», de Sofia Nunes, na revista Contemporânea, e um outro assinado por Joana Consiglieri na Artecapital.

Madalena Dornellas Galvão, 2022


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

I Gave my Love a cherry that had no stone

Emily Wardill (1977-)

I Gave my Love a cherry that had no stone, Inv. 17IM80

No trace of accelerator

Emily Wardill (1977-)

No trace of accelerator, Inv. 17IM81

I Gave my Love a cherry that had no stone

Emily Wardill (1977-)

I Gave my Love a cherry that had no stone, Inv. 17IM80

No trace of accelerator

Emily Wardill (1977-)

No trace of accelerator, Inv. 17IM81


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

À Conversa com a Curadora. Rita Fabiana e Emily Wardill

3 jun 2017
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna – Espaço Projeto
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Leonor Nazaré
Penelope Curtis (à dir.)

Documentação


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa

Conjunto de documentos referentes à exposição. Contém materiais gráficos, caderno de exposição e pressbook. 2017 – 2017

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 04822

Pasta com documentação referente à programação das atividades da FCG para os anos de 2017 a 2019. Contém correspondência interna e externa. 2016 – 2017

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 2942

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG - Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa) 2017

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 2986

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG - Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa) 2017


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