Mariana Silva. Olho Zoomórfico / Camera Trap  

Programa «Espaço Projeto»

Primeira exposição de Mariana Silva na instituição, numa linha de continuidade com o apoio que a Fundação Calouste Gulbenkian tem atribuído à sua obra. Através de videoinstalações e obras site-specific, a mostra apresentou os mais recentes trabalhos da artista, explorando a relação entre o homem, a tecnologia e a extinção massiva de espécies animais.
Mariana Silva’s first exhibition at the institution, continuing the support that the Calouste Gulbenkian Foundation has offered the artist’s work. Through video installations and site-specific pieces, the show presented the latest work, exploring the relationship between mankind, technology and the mass extinction of animal species.

Mariana Silva (1983) nasceu em Lisboa e formou-se em Pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. A sua pesquisa no mundo artístico iniciou-se cedo, contando, por exemplo, com a cocuradoria de projetos na Arte Contempo (2009), com a participação na unitednationsplaza, de Anton Vidokle (1965), ou com o breve trabalho de assistência à artista Julieta Aranda (1975). Em 2008, foi distinguida na 4.ª edição do BES Revelação e, em 2015, venceu o prémio EDP Novos Artistas. Expõe em diversos espaços e iniciativas, entre os quais se destacam: Museu de Arte Contemporânea de Serralves (Porto, 2010 e 2008), Kunsthalle Lissabon (Lisboa, 2011), Whitechapel Gallery (Londres, 2011), IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema Independente de Lisboa (Lisboa, 2012), The Mews Project Space (Londres, 2013), e-flux (Nova Iorque, 2013), Astrup Fearnley Museum (Oslo, 2015), Parkour (Lisboa, 2014), Fundação EDP (Lisboa, 2015), Bienal de Moscovo (Rússia, 2016), Bienal de Gwangju (Coreia do Sul, 2016). Além disso, participa em residências artísticas na Fondation Galeries Lafayette (Paris, 2019), na Zentrum Paul Klee Sommerakademie (Berna, Suíça, 2009-2010), no ISCP (Nova Iorque, 2009-2010), e na Gasworks (Londres, 2016), estas «últimas com bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian» (Mariana Silva. Olho Zoomórfico/Camera Trap, 2017 [p. 14]).

O trabalho de Mariana Silva, com uma «forte componente conceptual», está marcado por uma «preocupação com questões culturais, museológicas […], sociológicas» e civilizacionais («Mariana Silva. Olho Zoomórfico/Camera Trap», Centro de Arte Moderna, FCG, 2017). O interesse que a artista mantém pela política, pela mobilização civil e pela lógica da partilha e da colaboração artística manifesta-se na criação da dupla com o artista Pedro Neves Marques (1984), com quem formou, entre 2013-2015, Inhabitants. O projeto da dupla, divulgado através de um canal com o mesmo nome, reúne vídeos e reportagens documentais pseudojornalísticas, organizados por temporadas, que informam o público sobre temas associados à justiça social, ambiental ou às formas de pôr em prática a revolução verde, adquirindo um caráter mais exploratório e especulativo, ou servindo como ferramenta de protesto a movimentos ativistas.

Em «Olho Zoomórfico/Camera Trap», Mariana Silva assumiu a «ficção especulativa» como tom narrativo para nos transportar para o ambiente pretendido (Nunes, Contemporânea, 2018). Naquela que foi a primeira exposição de uma artista portuguesa no Espaço Projeto, Mariana Silva decidiu apresentar um conjunto de obras inéditas que olham de perto a relação que estabelecemos com a tecnologia e com as imagens virtuais, para refletir sobre as práticas de captura de imagens em habitat natural e sobre a extinção em massa de espécies animais (Mariana Silva. Olho Zoomórfico/Camera Trap, [p. 3]). A temporalidade destas obras, no entanto, não é a do presente, mas a de um futuro próximo e efabulado que, de certa forma, já opera entre nós, e que espera apenas mais desenvolvimentos até se tornar de facto uma «realidade social» (Nunes, Contemporânea, 2018).

Nas palavras de Leonor Nazaré, a artista decide abordar esse porvir a partir da questão animal, mas «o horizonte […] adivinha-se mais extenso» (Mariana Silva. Olho Zoomórfico/Camera Trap, 2017, [p. 3]). De facto, apesar de se oferecerem como possíveis mitigadoras das alterações climáticas, as técnicas disponíveis – como por exemplo a da chamada «deextinção» das espécies, abordada em Olho Zoomórfico (2017) – são eticamente problemáticas. Como conclui a curadora, longe de ser determinista, a posição da artista mostra-se algures entre o «fascínio e a distância crítica» pelos desenvolvimentos científicos e pela tecnologia, adiantando que «as alterações climáticas […] exigem de nós total reinvenção dos modos de documentação dos ecossistemas», mas também uma consciência muito mais profunda do que aquela que lhe prestamos (Ibid., [p. 6]).

A componente cenográfica das obras foi particularmente cuidada e forte. O ambiente, num estilo «hi-tech rigoroso», ocupou uma «única sala escurecida» e um corredor que lhe dava acesso (Nunes, Contemporânea, 2018). Esse corredor exibia a dupla de obras Folha de Sala (2017), exemplares da mais vulgar folha de sala de uma exposição (uma em versão portuguesa, outra em versão inglesa) que, em vez de papel, haviam sido impressas sobre folhas de acetato com efeito lupa. O texto, planta e design gráfico eram conceção da artista.

Do lado oposto, estava Media Insecto (Flocks, Herds and Schools) (2017), uma impressão digital sobre tela recortada em lâminas largas que permitia seccionar a galeria, criando uma espécie de cortina «de cor alaranjada, na qual a artista imprimiu imagens de arquivo e imagens computorizadas, de pássaros e insetos» (Ibid.). Através do mimetismo de algumas das linhas, formas e cores que encontramos na natureza, Mariana Silva construiu uma espécie de monumento ao reino animal em forma de painel, no qual representou todas as classes, sem por isso deixar de lhe acrescentar fatores de nivelação. Como refere Sofia Nunes, seja pela escolha do título da obra, Flocks, Herds and Schools (em português: «Bandos, Rebanhos e Cardumes»), evocador de várias configurações de organização e congregação animal, ou pela «forma ondulatória próxima da mancha visual que os bandos de pássaros deixam no céu […], a artista desloca o problema da representação da alteridade para a esfera da biologia» (Ibid.).

Dar espaço e visibilidade aos comportamentos e métodos de estrutura e organização dos insetos ou das aves, em detrimento da classe hegemónica dos mamíferos, ou procurar compreender a sua organicidade, colocando-se, por exemplo, na posição de subjetividade da visão de um inseto – um comentário feito por Ngueve em Olho Zoomórfico (2017) –, são alguns dos procedimentos a que a artista recorre para questionar uma certa hierarquia de classes dentro do reino animal, e colocar em perspetiva aquilo que é o cânone ou a representação normativa que o ser humano faz da natureza e dos ecossistemas naturais.

Numa lógica que se expande com perícia e sensibilidade ao design da exposição, junta-se a escolha feita para o chão da sala – a alcatifa «em amarelo-canário ácido» que preenche o espaço, numa «ressonância animal/artificial» –, e as duas videoinstalações expostas frente-a-frente (Ibid.).

Camera Traps (Como caçar com uma câmara, entre outros) (2017) mostra uma série de páginas de livros encontrados pela artista em bibliotecas, com representações do final do século XIX e início século XX da «armadilha fotográfica, os primórdios da técnica moderna de fotografia da vida animal selvagem» (Ibid.). Filmado com uma lente olho de peixe, e projetado numa estrutura diametralmente oposta (circular côncava) apoiada no chão, o filme adquire uma dimensão volumétrica aumentada, e devolve-nos o olhar intimidante de avestruzes, alces e ursos, que nos perturba a consciência. Estes animais são o objeto de estudo desta «armadilha fotográfica» (camera trap), um instrumento científico cujo potencial invasivo oferece matéria de discussão – um tópico levantado em Olho Zoomórfico (2017) – e que pretende documentar variadíssimas situações da vida selvagem, como as formas de sociabilidade e dinâmicas populacionais, reprodução, pilhagem e sobrevivência, por exemplo (Mariana Silva. Olho Zoomórfico/Camera Trap, [p. 4]).

Olho Zoomórfico (2017), ocupa a outra ponta da sala, e projeta-se de forma intercalada em dois ecrãs circulares individualizados, dispostos lado a lado por suspensão vinda do teto. Situado num futuro estranhamente próximo (a temporalidade especulativa atrás falada), o filme passa-se num momento em que a implementação do rendimento básico universal e a restrição da entrada de humanos nas reservas naturais são já uma realidade. A narrativa, que se prolonga por aproximadamente 23 minutos, desenvolve-se ao longo de dias e noites, que correm quase impercetivelmente, a par do ócio e das sensações dadas pelas diferentes personagens: Ngueve e Margot, duas amigas biólogas, Dani, um fotógrafo de vida selvagem, e um gato, que habita o apartamento e assiste aos diálogos, imperturbável e adormecido. De acordo com Leonor Nazaré, a ubiquidade do mundo virtual é outro dado inequivocamente presente, confirmado pelo «racionalismo desapaixonado» e pelo tom monocórdico que os diálogos adquirem (Ibid., [p. 3]).

Esta existência latente, encapsulada pela dimensão virtual, está presente, por exemplo, nos óculos de realidade virtual a que Ngueve não consegue renunciar, e cujas imagens lhe permeiam os sonhos e os pensamentos, ou na nostalgia que Gani nutre por um tempo em que a captação da natureza, longe da tecnologia virtual, não podia prescindir da intervenção humana. Nessa realidade, o contato com o mundo natural perdeu-se, e é mediado por simulações e animações, filmes e fotografias, «museus, abordagens científicas, e, na melhor das hipóteses, jardins zooló­gicos e reservas naturais de acesso muito condicionado» (Ibid.).

Olho Zoomórfico (2017) foi o mote da exposição; a obra a partir da qual tudo o resto se desenvolveu. Originalmente, a obra esteve para se chamar A Noite sem Insetos, para ter uma duração mais longa, e implicar deslocações ao Alentejo. No entanto, depois de alguns cortes no projeto, e sem poder contar com o apoio mecenático do Instituto Superior de Cinema, acabou por ser coproduzida pela Fundação Calouste Gulbenkian, num apoio que ajudou a suportar os custos sustentados pela artista.

Para acolher «Olho Zoomórfico/Camera Trap», o Espaço Projeto manteve todas as paredes envolventes da sala utilizadas na exposição anterior. Nesse sentido, e porque não foram necessárias construções adicionais, o relatório final aponta para uma taxa de reutilização dos materiais de 50%.

A Fundação Calouste Gulbenkian editou um dos habituais cadernos de exposição em formato bilingue (português-inglês), contendo um texto assinado por Leonor Nazaré, uma lista de obras, uma seleção de fotografias de vistas da exposição e ainda uma biografia da artista. Por razões internas ao serviço, a publicação não ficou disponível na data da inauguração. Esse evento, no entanto, registou uma afluência acima da média, por ter coincidido com a entrega do «cartão de artista» a artistas representados na Coleção Moderna, que se dera apenas umas horas antes.

Ao longo de 57 dias, a exposição atraiu 8761 visitantes, o número mais elevado de visitas ao Espaço Projeto registadas nesse primeiro ano de implementação da plataforma (Relatório da exposição, 18 abr. 2018, Arquivos Gulbenkian, ID: 60059). Estes números confirmam o interesse que «Olho Zoomórfico/Camera Trap» suscitou no público, cujas respostas aos questionários de avaliação (com parâmetros para aferir prazer pessoal e aprendizagem, ou a propensão para recomendar a visita à exposição) indicam níveis de satisfação a rondar os 70%.

No que diz respeito aos eventos paralelos, foram organizadas duas visitas, entre as quais se incluem uma visita orientada pela curadora e pela artista, e uma outra orientada apenas por Leonor Nazaré.

Além do impacto e boa receção junto da comunidade artística nacional, a exposição recebeu uma atenção considerável por parte dos meios de comunicação, entre os quais se destacam uma reportagem televisiva no programa As Horas Extraordinárias, transmitido no dia 12 de dezembro de 2017, que contou com uma entrevista de Teresa Nicolau a Mariana Silva e a Leonor Nazaré, e as críticas assinadas por Carlos Vidal na revista Sábado («Olhar Ameaçador», 1 fev. 2018) e por Celso Martins no jornal Expresso, que classificou a exposição com quatro estrelas («Captar e Capturar», 20 jan. 2018). «Olho Zoomórfico/Camera Trap» foi ainda tema de um texto de Sílvia Souto Cunha na Visão («Olho Zoomórfico», 21 dez. 2017) e alvo de uma menção especial («A não perder») em várias rubricas da Time Out, como «Aberto para Obras: o melhor da arte que se expõe na cidade» (6 dez. 2017), «Grátis na cidade: as melhores coisas para fazer sem gastar um tostão» (6 dez. 2017) e «Fim de semana perfeito» (17 dez. 2017). Salientam-se ainda os inúmeros destaques do Jornal de Notícias dedicados à exposição, as várias notícias online que replicaram o take da Lusa e as referências no Negócios Weekend e na Revista Máxima.

Na imprensa especializada, são de salientar os artigos «Mariana Silva: Olho Zoomórfico/Camera Trap», de Sofia Nunes na Contemporânea, «Preservação da espécie em Olho Zoomórfico…», de Manuela Synek na Umbigo, e ainda «The flare banished the pitch darkness», de Bruno Caracol na Artecapital.

Madalena Dornellas Galvão, 2022


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Olho Zoomórfico

Mariana Silva (1983-)

Olho Zoomórfico, Inv. 18IM92

Olho Zoomórfico

Mariana Silva (1983-)

Olho Zoomórfico, Inv. 18IM92


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

À Conversa com o Curadora Leonor Nazaré e com a Artista Mariana Silva

16 dez 2017
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna – Espaço Projeto
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

À Conversa com o Curadora

21 fev 2018
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna – Espaço Projeto
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Miguel Horta
Leonor Nazaré (à dir.)
Penelope Curtis
Pedro Leitão (centro) e Ana Maria Campino e João Carvalho Dias (atrás, à esq.)
Ana Maria Campino (atrás, à dir.)
Penelope Curtis (à dir.)
Teresa Patrício Gouveia (à esq.) e Penelope Curtis (à dir.)
Mariana Silva (à esq.)
Mariana Silva (à dir.)

Multimédia


Documentação


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa

Conjunto de documentos referentes à exposição. Contém materiais gráficos, caderno de exposição e pressbook. 2017

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 04713

Pasta com documentação referente à produção de exposições do Museu Calouste Gulbenkian para 5 anos (2017-2021). Contém correspondência interna e externa. 2016 – 2016

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 04822

Pasta com documentação referente à programação das atividades da FCG para os anos de 2017 a 2019. Contém correspondência interna e externa. 2016 – 2017

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 43881

Coleção fotográfica, cor: inauguração e evento «Entrega do Cartão de Artista a artistas representados na Coleção Moderna» (FCG, Lisboa) 2017

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 43881

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG, Lisboa) 2017

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 41488

Coleção fotográfica, cor: aspetos de sala (FCG, Lisboa) 2017

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 44093

Coleção fotográfica, cor: aspetos de sala (FCG, Lisboa) 2017


Exposições Relacionadas

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