Edição portuguesa do «E-Flux Video Rental», fruto de uma iniciativa da Maumaus – Escola de Artes Visuais com a colaboração do Serviço de Belas-Artes da Fundação Calouste Gulbenkian. O projeto nasceu na cidade de Nova Iorque, em 2004, por iniciativa dos artistas Anton Vidokle e Julieta Aranda, diretores do E-flux, um serviço de divulgação de exposições e eventos de arte contemporânea criado em 1998, que com o tempo passou a ter associado um arquivo online, um programa internacional de exposições, projetos e publicações.

Antes de chegar a Lisboa, este projeto destinado a disseminar a videoarte por inúmeras cidades passou, nomeadamente, por Londres, Berlim, Amesterdão, Paris, Istambul, Miami e Boston. O «E-Flux Video Rental» consiste num extenso arquivo de vídeos de artistas, em constante crescimento. À medida que foi sendo acolhido por diferentes instituições, foi aumentando o seu acervo, incorporando novos vídeos, postos à disposição do público para serem requisitados de forma gratuita. Integram este projeto vídeos de artistas de referência de diferentes gerações, como Lawrence Weiner, Rirkrit Tiravanija, Gilbert & George, Ilya Kabakov, Jonas Mekas, Yoko Ono, Michelangelo Pistoletto, Erwin Wurm, Philippe Parreno, entre muitos outros. Entre os artistas portugueses representados neste acervo encontram-se Filipa César (F for Fake), Ana Cardoso (Complementary Identity), Julião Sarmento (Dirty Diana), Pedro Barateiro (Aprender de Cor), Vasco Araújo (La Stupenda), entre outros.

Numa entrevista concedida à L+Arte, os fundadores do projeto explicam como surgiu a ideia: «[…] na altura em que começámos, pensámos bastante sobre o quão desconfortável é ver meios temporais num museu ou num enquadramento institucional; pensávamos que poderia ser um pouco mais eficaz se pudéssemos levar o material para casa e vê-lo ociosamente.» (Silva, L+Arte, mai. 2008, p. 37)

Em Lisboa, este «clube de vídeo» é instalado ao longo de dois meses na Zona de Congressos da Sede da Fundação Calouste Gulbenkian (piso 01). À semelhança das edições anteriores, a instituição de acolhimento convidou alguns curadores para selecionarem um conjunto de vídeos para serem incorporados no arquivo. Paralelamente, organizou-se um ciclo de projeções, no qual os curadores apresentavam os vídeos selecionados. A primeira sessão foi da responsabilidade dos fundadores do projeto, seguindo-se as seleções de Miguel Amado (curador e crítico de arte), Jürgen Bock (curador e diretor da Maumaus – Escola de Artes Visuais e responsável por trazer este projeto a Portugal), Jean-François Chougnet (então diretor do Museu Colecção Berardo) e Miguel Wandschneider (à data programador e curador da Culturgest).

A instalação do «E-Flux Video Rental» na Zona de Congresso da Sede seguiu orientações muito precisas, enviadas por Vidokle e Aranda. A estrutura deveria replicar o espaço em Nova Iorque, tanto o seu interior como a fachada. Através da montra, o visitante podia ter uma ideia do conteúdo da «loja». O logótipo e a morada de Nova Iorque inseridos na montra remetiam para o local original do projeto. No seu interior, com uma área de 38 m2, encontrava-se um balcão branco e uma parede com prateleiras, onde os vídeos, gravados em cassetes VHS, estavam dispostos por ordem alfabética. No balcão, uma máquina de escrever estilo anos 60 servia para preencher o cartão de membro. Aí, era também facultada a listagem dos vídeos disponíveis. Sobre a zona do balcão, um monitor transmitia continuamente vídeos do arquivo. Ao visitante, era dada a possibilidade de visionar qualquer vídeo à sua escolha, numa pequena área reservada para o efeito, ou alugar o vídeo pretendido, como acontecia nos clubes de vídeo das décadas de 1980 e 1990.

Todas estas especificidades instalativas ou instruções de montagem da estrutura (temporária), bem como o seu funcionamento, suscitam hoje algumas questões sobre a natureza do projeto. A este propósito, importa regressar à entrevista anteriormente citada, na qual Anton Vidokle explica: «Coexistem várias camadas de circulação no EVR. Uma primeira, onde o projecto inteiro é uma espécie de obra de arte, onde construímos um modelo de circulação; depois, o vídeo, que, por natureza, cria um potencial não exclusivo, e que, por definição, deve circular na sociedade.» (Silva, L+Arte, mai. 2008, p. 37) Por outro lado, o uso da máquina de escrever e das cassetes VHS, numa época em que a Internet e o digital já imperavam, levanta questões sobre a materialidade vs. imaterialidade, a permanência vs. desaparecimento das obras de videoarte.

Através deste projeto participativo, Vidokle e Aranda propõem igualmente uma reflexão sobre a natureza do vídeo enquanto medium artístico e uma crítica ao modo como este acabou por ser adulterado a partir do momento em que foi legitimado como obra de arte, «tornando-se num objecto exclusivo», como aponta Julieta Aranda (Ibid.). O público é convidado a participar, e os curadores escolhidos juntam-se ao projeto, a par de Vidokle e Aranda, neste caso na condição de artistas-curadores, e ao lado de muitos outros que podem ou não conhecer, contribuindo para uma obra maior.

Mariana Roquette Teixeira, 2019