Manon de Boer. Downtime / Tempo de Respiração

Programa «Espaço Projeto»

Exposição-projeto da artista holandesa sobre a relação entre o tempo e a criatividade na infância e na adolescência, explorando o ócio e o aborrecimento como atos criadores. A mostra incluiu quatro videoinstalações, entre elas uma trilogia finalizada no Museu Calouste Gulbenkian.
An exhibition and project by the Dutch artist looking at the relationship between time and creativity in childhood and adolescence, exploring leisure and boredom among creators.  The exhibition featured four video installations, including a trilogy completed at the Calouste Gulbenkian Museum.

Em janeiro de 2020, num dos últimos ciclos expositivos que precederam o fecho do edifício do Centro de Arte Moderna (CAM), em agosto, para obras de ampliação, o Museu Calouste Gulbenkian (MCG) apresentava uma mostra de Manon de Boer (1966) e um novo percurso pela Coleção Moderna, intitulado «Artistas em Viagem». A exposição da artista holandesa na Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) resultava de um convite para concluir o projeto From Nothing to Something to Something Else (2018-2019), iniciado em 2018 nas paisagens costeiras da Cornualha, com o filme Bella, Maia and Nick (2018) (Marmeleira, Público, 31 jan. 2020, p. 39).

De acordo com Penelope Curtis, então diretora do MCG, o convite da FCG decorria de colaborações passadas com a artista, nomeadamente em 2014, na segunda edição do Festival Internacional de Arte de Toulouse (Ibid.). Assim, quando se deu a oportunidade de participar na trilogia iniciada com Bella, Maia and Nick, obra que retrata os ensaios experimentais de um grupo de músicos, a ideia de continuar a desenvolver esse tema junto da Orquestra Gulbenkian surgiu de forma natural (Ibid.).

Apesar de o acordo se ter firmado, acabou por se optar por um caminho diferente, devido a várias circunstâncias (Ibid.). Trabalhando com o serviço educativo do museu, Manon procurou decidir se «o rumo da trilogia se manteria na exploração do universo da música e do som, ou se enveredaria [pelo campo da] dança e [do] movimento», explica Susana Gomes da Silva, diretora daquele serviço (Manon de Boer. Downtime. Tempo de Respiração, 2020, [p. 9]). Para a artista, este segundo filme deveria funcionar como um «espaço em aberto»: aberto à incerteza, à experimentação, à tentativa e erro, e à possibilidade de encontrar um estímulo que a «ajudasse a definir o caminho a seguir» (Ibid.). Um «espaço em aberto», tal como o intervalo entre o «nada» e «alguma outra coisa», matéria de que o tempo de criação é feito, e natureza sobre a qual a sua obra incide.

Entendendo a música e a dança como áreas igualmente exigentes – condicionadas por um sentido de ordem e disciplina, da insistência no exercício, uma e outra vez repetido, a que o aperfeiçoamento da técnica obriga –, Manon acabou por se decidir a trabalhar com uma série de artistas circenses em atividade no Chapitô. Os quatro jovens selecionados pela artista, com idades entre os 16 e os 18 anos – Caco Lebre, João Pataco, Rebecca Axt e Mavatiku José –, tornavam-se os protagonistas de Caco, João, Mava and Rebecca (2019), uma videoinstalação encomendada pela FCG e realizada em Lisboa, que viria a corresponder à segunda parte da trilogia.

Os trabalhos para a preparação da exposição começaram um ano antes, em fevereiro de 2019, precisamente com os preparativos para a produção desta obra. Depois da organização do espaço e da receção dos equipamentos, com a ajuda dos responsáveis pelo projeto, Susana Gomes da Silva e Miguel Fumega, Manon e a sua equipa de realização iniciariam as filmagens com o grupo de jovens, durante o fim de semana de 9 e 10 de fevereiro. Para acompanhar o processo e garantir a resolução de quaisquer problemas que pudessem emergir durante a rodagem do filme, a produção contou com a assistente e diretora de cena, Leonor Azedo, e com um elemento da equipa de segurança.

Uma vez finalizado, o filme seria projetado uns meses depois, a 18 de maio, na Sala Polivalente do MCG, no âmbito da celebração do Dia Internacional dos Museus, numa espécie de antestreia incompleta da trilogia From Nothing to Something to Something Else (2018-2019).

A terceira e última parte da trilogia – Oumi (2019) – foi realizada ao longo desse ano pela Auguste Orts, produtora de Manon, e pelo Matadero Madrid – Centro de Creación Contemporánea, em Madrid. O Matadero encomendara a obra e viria a exibi-la na exposição «Profundidad de Campo», entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020 (Matadero Madrid/Manon de Boer: Profundidad de Campo). Só então, finalmente concluída, a trilogia estreava no Museu Calouste Gulbenkian, com a exposição «Manon de Boer. Downtime/Tempo de Respiração».

Na mostra em Lisboa, junto das partes 1, 2 e 3 da trilogia, apresentou-se uma quarta videoinstalação, intitulada The Untroubled Mind (2016), mostrando o filho da artista entretido com jogos de construção. O título da obra fora retirado do excerto do livro Painting, Writing, Remembrances, de Agnes Martin (1912-2004), no qual a artista fala da relação entre a inspiração (potencial de criação) e o tempo (Manon de Boer. Downtime. Tempo de Respiração, 2020, [p. 4]). Como noutras obras de Manon – veja-se An Experiment in Leisure (2016-2019) –, é frisada a associação entre tempo e trabalho ou a ideia de que o tempo é um privilégio. Ter tempo é sinónimo de despreocupação, calma mental e tranquilidade; um convite à inspiração. Por isso, e apesar de necessários a qualquer um, o tempo e a inspiração pertencem quase exclusivamente a duas etapas da vida: à infância e à velhice. Como refere Rita Fabiana, observar o filho da artista entregue a si próprio, a testar composições em equilíbrio, é identificar a infância como um tempo em que a sensibilidade e a inspiração estão mais presentes (Ibid.). The Untroubled Mind afirma a necessidade «de um outro tempo como condição de criação» (Ibid., [p. 3]).

Numa passagem para a adolescência, From Nothing to Something to Something Else continua a falar sobre o processo criativo, focando-se na capacidade de improvisar e na importância que esta transporta para o ato criativo. A prática de Manon é sintomática deste tipo de pensamento: uma prática orgânica e de maturação que age sobre o tempo na tentativa de o abrandar. Para a artista, olhar o tempo e, sobretudo, o uso que dele se faz, é ter a capacidade de o suspender.

Num registo fílmico que grava as imagens dos outros em proximidade, a câmara de Manon, atenta e paciente, segue os corpos jovens que experimentam, procuram, brincam, ensaiam, em plena fruição do momento. A expectativa da artista é só uma: a de conseguir registar o derradeiro momento do despertar da criatividade. Quer esteja procurando entre o exercício da música, da dança ou do movimento, quer da paulatina existência, do ócio e do nada, a criatividade, manifestamente expressiva e livre, alheia a resultados, parece estar sempre lá.

Nas partes 1 e 2 da trilogia, a proximidade a cada um dos jovens transporta-nos para um ambiente que se vive em potência. Em Bella, Maia and Nick, três adolescentes testam instrumentos. Não se trata de um ensaio formal, já que, em vez de tocarem, eles parecem brincar com o som. Não existem objetivos, não há tensão, mas apenas alegria e entusiasmo sobre o que pode acontecer, o que se pode construir (August Orts/From Nothing to Something to Something Else: Parte 1). A parte 2, Caco, João, Mava and Rebecca, segue o grupo de jovens dançarinos que ocupa a cantina da FCG. A curiosidade de cada corpo sobre aquilo que o rodeia é notável. Num filme sem diálogos que se prolonga por quarenta e nove minutos, somos testemunhas do que cada um destes corpos vive e respira enquanto explora, sente e experimenta o espaço, estreitando contacto com a superfície das paredes, das janelas, do chão. Lá fora, um mundo que não cessou de existir traz ruídos, sons, sinais de intempéries e de outras vivências (August Orts/From Nothing to Something to Something Else: Parte 2).

Finalmente, Oumi, a obra que abria a exposição, que é também a terceira parte desta trilogia, apresenta-nos uma adolescente que não se deixa aborrecer, inventando exercícios de percussão e equilíbrio num espaço doméstico. Ora cantando, ora abandonando-se aos seus pensamentos, Oumi transmite uma enorme presença, que contrasta com o mundo interior que habita, e ao qual não podemos aceder (August Orts/From Nothing to Something to Something Else: Parte 3).

Perante um mundo de estímulo visual constante e quase ininterrupto, a proposta de Manon é a de que nos deixemos levar por imagens que tomam o seu tempo, atentando sobre o ato criativo que, como conclui Rita Fabiana, é «um estado frágil, fundado na descontinuidade e no fragmento, que afirma ou recupera a radicalidade do aborrecimento e a urgência do ócio» (Manon de Boer. Downtime. Tempo de Respiração, 2020, [p. 3]).

Para acolher «Manon de Boer. Downtime/Tempo de Respiração», o Espaço Projeto manteve a área construída para a exposição anterior, de Irineu Destourelles. Assim, e porque não foram necessárias construções adicionais, o relatório final aponta para uma taxa de reutilização dos materiais «muito expressiva» (Relatório Final da Exposição, 25 jun. 2020, Arquivos Gulbenkian, [cota brevemente disponível], p. 3). Contrastando com as paredes negras e o ambiente escuro, próximo do de uma sala de cinema, o chão foi inteiramente coberto por uma alcatifa vermelha. Nos dois cantos opostos da sala, diante dos ecrãs de maiores dimensões, correspondentes às partes 1 e 2 da trilogia, foram distribuídos pequenos bancos individuais e headphones, enquanto para The Untroubled Mind e Oumi o espaço foi deixado livre.

É importante notar que a concretização do projeto decorreu da celebração de um contrato com a Embaixada do Reino dos Países Baixos, em Lisboa, que contribuiu com financiamento para a execução da exposição.

A exposição atraiu cerca de três mil visitantes, apesar do curto período em que esteve patente ao público: apenas 38 dias, devido à pandemia de covid-19. Além do número manifestamente expressivo de visitantes, 68,2% destes afirmaram que o tema lhes despertou «muito interesse» (Ibid., p. 1).

Nos meios de comunicação social, a repercussão da mostra foi discreta. Destaque para o artigo «Entre Manon de Boer e a coleção da casa, a Gulbenkian move-se», que José Marmeleira assinou no Público (31 jan. 2020), e para o de Marc Lenot na Artecapital.net (16 mar. 2020). Além das várias referências online a partir do take da Lusa (Destak, Impala, Informa+, RTP), que na imprensa internacional se estenderam à plataforma online Meer (3 jan. 2020), são de notar os destaques na Artecapital.net (28 jan. 2020), na Follow Me (1 mar. 2020) e na Revista E (1 fev. 2020). Esta última comunicou «Da Ideia ao Filme», um evento realizado no MCG no âmbito da exposição, que propunha um debate participativo sobre os processos criativos que antecedem a realização de um filme.

Aberto ao público, que acorreu em grande número, o seminário, organizado em parceria com a On & For, contou com a participação da artista Manon de Boer, da curadora Rita Fabiana, do programador Nuno Lisboa (Doc’s Kingdom) e de Rebecca Jane Arthur, moderadora da conversa. Para introduzir o tema, assistiu-se à exibição de quatro filmes de Manon de Boer: Presto, Perfect Sound (2006, 6'), Two Times 4'3" (2008, 12'30"), Dissonant (2010, 11') e An Experiment in Leisure (2016-2019, 32').

Além deste evento, tinha sido organizado um workshop de 90 minutos, constituído por uma conversa e uma aula sobre movimento, intitulado «Tempo de Respiração – O Corpo que Cria». Desenhado e orientado por Cláudia Nóvoa (1966) e pelos quatro intervenientes na obra Caco, João, Mava, Rebecca (2019), o evento fora previsto para sábado, 14 de março, às 16 horas. No entanto, devido à pandemia e às medidas que decretaram o primeiro confinamento, o workshop acabou por não se realizar.

Madalena Dornellas Galvão, 2021


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Eventos Paralelos

Encontro

Da Ideia ao Filme / From Scratch to Film

1 fev 2020
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna – Sala Polivalente
Lisboa, Portugal
Oficina / Workshop

Tempo de Respiração. O Corpo que Cria

14 mar 2020
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna – Sala Polivalente
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Rita Fabiana (centro); Manon de Boer (dir.)
Manon de Boer
Manon de Boer (esq.); Caco Lebre; João Pataco; Rebecca Axt; Mavá José (dir.)
Patrícia Rosas
Mariano Piçarra (esq.)
Susana Gomes da Silva (dir.)
Penelope Curtis
Manon de Boer (esq.)

Multimédia


Documentação


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa

Conjunto de documentos referentes à exposição. Contém newsletters, pressbook, documentos de texto, materiais gráficos, desenhos técnicos, fotografias e vídeo. 2019 – 2020

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 04703

Conjunto de documentos referentes à produção da exposição. Contém textos de divulgação da exposição e documento para a imprensa sobre a programação de 2020. 2019 – 2020

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 05040

Conjunto de documentos com despachos relativos a diversos assuntos, incluindo da exposição «Manon de Boer. Downtime / Tempo de Respiração». 2016 – 2020

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 223299

Coleção fotográfica, cor: aspetos (Museu Calouste Gulbenkian – Coleção Moderna. Espaço Projeto, Lisboa) 2020

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 223347

Coleção fotográfica, cor: inauguração (Museu Calouste Gulbenkian – Coleção Moderna, Lisboa) 2020


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2013 / Centre Culturel Calouste Gulbenkian; Fondation Nationale des Arts Graphiques et Plastiques; École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, Paris

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