Dois Vídeo-Artistas na Colecção do CAM. Filipa César e Rui Valério

Exposição de vídeo dos artistas Filipa César (1975) e Rui Valério (1969), com curadoria de Leonor Nazaré. Os vídeos apresentados foram Product Displacement (2002), que explora as questões da vida quotidiana no âmbito do espaço privado, e Historia de la Musica Rock (2002), obra que percorre a música rock da segunda metade do século XX e da primeira década do século XXI.
Video exhibition of artists Filipa César and Rui Valério curated by Leonor Nazaré. It included the videos Product Displacement (2002), which explores the everyday in personal space, and História de la Música Rock (2002), which follows rock music from the 1950s to the 2000s.

A exposição de vídeo dos artistas portugueses Filipa César (1975) e Rui Valério (1969) foi organizada pelo Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão da Fundação Calouste Gulbenkian, tendo como curadora Leonor Nazaré.

A utilização do filme como suporte de expressão artística em Portugal inicia-se na década de 1970, tornando-se acessível de forma consequente apenas no final da década, num cenário em que a pintura e a escultura continuavam a ter representação maioritária. É já nos anos 90 que surge «uma geração que trabalha todos os meios de forma muito diversificada e que pode já utilizar o suporte vídeo de forma profissional ou tecnicamente consolidada» («Filme e Vídeo na Colecção do CAM», 2010).

Inicialmente não prevista na programação de exposições para 2003, a presente mostra pretendeu destacar duas peças em suporte vídeo, designadamente Product Displacement (2002), de Filipa César, e Historia de la Musica Rock (2002), de Rui Valério.

Filipa César utiliza vários meios na sua produção artística: fotografia, vídeo e instalação. A sua investigação é dedicada ao comportamento humano, elegendo, de acordo com o crítico de arte Miguel Wandschneider, «o cidadão anónimo como personagem principal do seu trabalho» (Wandschneider, [Texto avulso], 2003, Arquivos Gulbenkian, ID: 179863). Nas palavras do curador e crítico João Laia, «os seus trabalhos em vídeo têm por base o documentário, à volta do qual desenvolve várias camadas ficcionais». No seu entender, «quietude e movimento, privado e público, dentro e fora, presente e passado (memória) – são dualidades que [a artista] (re)combina de forma fecunda nos seus trabalhos» (Laia, «Filipa César», 2011).

No caso de Rui Valério, o seu trabalho evidencia um interesse pela música, área em que desenvolve experiências a solo e em colaboração com outros artistas. É por isso necessário sublinhar a relação de Rui Valério com uma cultura musical alternativa pop/rock e referir, por exemplo, que foi frequentemente video jockey em espaços noturnos. Alguns dos projetos musicais têm em comum a aposta numa relação entre a arte e a música, recorrendo ao uso de vídeo. Sobre o percurso de Rui Valério, Leonor Nazaré afirma que «desde o início […] a luz, os objectos, o vídeo, o som e a condição de instalação se tornaram os meios privilegiados», e acrescenta: «Ritmo e circunscrição espacial, imagem e som, referências ao cruzamento e interferências dos dois universos sensoriais em propostas de impacte rápido e mais ou menos violento, exposição da própria aleatoriedade de dispositivos mecânicos e eléctricos, a assunção de um lugar marginal de criação onde uma certa anarquia e suspensão do sentido reciprocamente se validam – eis as grandes linhas de força do trabalho deste artista.» (Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Roteiro da Colecção, CAM, 2004, p. 284)

A apresentação dos vídeos decorreu em momentos diferentes do período da exposição: Product Displacement esteve patente de 15 de maio a 8 de junho, e Historia de la Musica Rock foi apresentado de 12 de junho a 30 de junho. No âmbito da exposição, ambos os vídeos foram incorporados na Coleção Moderna.

Em Product Displacement, Filipa César questiona a vida contemporânea num espaço que é simultaneamente quotidiano e privado, comum e interior: a casa. A instalação é composta por um díptico que mostra várias pessoas em diferentes espaços da casa (no caso, ecrã esquerdo) e close-ups daquilo que estas pessoas parecem ver (ecrã direito). As personagens do filme são estilizadas, imóveis e não comunicam entre si. Os interiores das casas de habitação são dados a ver como se o espectador estivesse dentro e fora deles em simultâneo.

Como assinalou Miguel Wandschneider: «Sendo improvável, o lugar do espectador obedece, nesta proposta, a uma ficção cinematográfica corrente, a do travelling, num contexto arquitectónico também ele ficcional e cenográfico: como se as paredes que separam o interior do exterior das casas não existissem e os apreendêssemos numa sequência horizontal ininterrupta.» (Wandschneider, [Texto avulso], 2003, Arquivos Gulbenkian, ID: 179863)

João Laia salienta: «A virtualidade das personagens é sublinhada pela configuração da casa, visualizada através do repetido travelling da câmara, que abre uma espiral impossível e interminável de tempo e espaço, deslocando ainda mais os objetos-personagens expostos.» (Laia, «Filipa César», 2011)

A visão simultânea de ambos os ecrãs reforçava a complexa tensão assente entre elementos estáticos e dinâmicos: «As personagens que aparecem no ecrã à esquerda são estáticas […]. A câmara que regista esta imobilidade, pelo contrário, está em movimento (o travelling).» (Ibid.)

As tensões e a possibilidade de interação entre personagens são anuladas pela ausência total de comunicação. Essa forma de silêncio pesa sobre toda a sequência e ficam apenas alguns ruídos circunstanciais do espectador que passa. (Ibid.)

Wandsnheider destaca a posição voyeur do espectador num percurso sem som e sem solo fixo, testemunha da «quietude dos espaços» e do «desconcerto perante a permanente alternância entre curiosidade e indiferença» (Wandschneider, [Texto avulso], 2003, Arquivos Gulbenkian, ID: 179863).

O vídeo Historia de la Musica Rock de Rui Valério é composto por 401 capas de discos de vinil editados entre 1953 e 2001. O vídeo começa com um ecrã preto que anuncia o seu título de forma promissora: «Historia de la Musica Rock». A obra percorre a música rock da segunda metade do século XX e da primeira década do século XXI, permitindo descobrir (ou relembrar) através das imagens, os vários artistas, cantores e músicos, a variedade geográfica, etária e racial da produção, a popularidade e o êxito daquele género musical.

Porém, as projeções das capas dos discos são passadas ininterruptamente e em loop durante 48 segundos. Como considerou Leonor Nazaré, a veloz sobreposição de imagens resulta assim num «torrencial e amalgamado» efeito visual. Segundo Alda Galsterer: «B.B. King, Beatles, Björk, David Bowie, Frank Zappa, Grace Jones, Kruder & Dorfmeister, Laurie Andersen, Lou Reed, The Animals, The Supremes, Tom Waits, ou Talking Heads, entre muitos outros, tornam-se praticamente indistintos no fluxo acelerado a que passam as imagens.» (Galsterer, «Rui Valério. Historia de la Musica Rock», 2011)

A corrente de imagens é acompanhada pelos fragmentos musicais de cada álbum, «originando no espectro sonoro uma contaminação e uma cacofonia semelhantes às que as imagens produzem» (Ibid.). Sobre o efeito sonoro do filme, Leonor Nazaré assinalaria: «O ruído caótico e violento daí resultante reforça a natureza cumulativa e intensa dessa “queda” sucessiva de imagens no ecrã, acrescentando a sugestão de que o tempo da história é sempre à medida dos dispositivos que o dão a conhecer.» (Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Roteiro da Colecção, CAM, 2004, p. 284)

A exposição foi complementada com duas visitas guiadas, conduzidas pela historiadora e crítica de arte Sandra Vieira Jürgens.

Com a exposição foi impressa uma folha de sala, em português e inglês, que incluiu uma breve análise, da autoria da curadora, sobre os vídeos que figuraram na exposição.

Joana Brito, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Product Displacement

Filipa César (1975-)

Product Displacement, Inv. IM19

Historia de la Música Rock

Rui Valério (1969-)

Historia de la Música Rock, 2002 / Inv. IM20

Product Displacement

Filipa César (1975-)

Product Displacement, Inv. IM19

Historia de la Música Rock

Rui Valério (1969-)

Historia de la Música Rock, 2002 / Inv. IM20


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

[Dois Vídeo-Artistas na Colecção do CAM: Filipa César e Rui Valério]

mai 2003
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal

Publicações


Documentação


Páginas Web


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