Mário Botas. Spleen

Apresentação da série «Le Spleen de Moi Même» (1979), do artista português Mário Botas (1952-1983), inspirada em «Le Spleen de Paris», de Charles Baudelaire. Exposição individual póstuma, itinerante entre Lisboa e Paris, que reconheceu a singularidade da obra deste pintor, bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e tão prematuramente falecido.
Presentation of the Le Spleen de Moi Même series (1979) by Portuguese artist Mário Botas (1952-1983), inspired by Le Spleen de Paris by Charles Baudelaire. A posthumous solo exhibition, the show travelled between Lisbon and Paris, recognising the uniqueness of the painter, recipient of a Calouste Gulbenkian Foundation grant who died very young.

Falecido pouco antes de completar 31 anos de idade, Mário Botas (1952-1983) foi um artista fugaz da arte contemporânea portuguesa. Deixou, no entanto, uma obra e uma memória biográfica que puderam ser bastante celebradas em vida e nas décadas que seguiram a sua morte. Licenciado em Medicina, cedo a arte e a literatura cruzam o seu caminho, passando a dedicar-se exclusivamente à vida artística. A estética do seu trabalho aproxima-se da banda desenhada e da ilustração, repescando evidentes incidências surrealistas nas suas aguarelas e finos desenhos lineares.

A poesia de Pessoa e de Sá-Carneiro, os mitos helénicos e de outras latitudes, são algumas das referências para as encruzilhadas temáticas com que vai inventando uma imagem histórica da modernidade, oferecendo-lhe um cunho lendário e fantástico. É essa a síntese que sobressai na exposição «Spleen», na senda da famosa coletânea de poemas em prosa Le Spleen de Paris (1868), de Charles Baudelaire.

Botas dedica uma aguarela a cada um dos 50 poemas desse livro, dando origem à série Le Spleen de Moi Même. É ela que é integralmente apresentada pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) em Lisboa e em Paris, no início e no final de 1989, respetivamente.

Para ambas as ocasiões, é de destacar o nome do escritor Benigno Almeida Faria, amigo de Botas que, em 1988, publicara uma monografia sobre esta série de aguarelas. Os catálogos da FCG, tanto a versão portuguesa como a francesa, seguem essa primeira edição bilingue da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, republicando o texto «Do Poeta-Pintor ao Pintor-Poeta», do próprio Almeida Faria.

A exposição inauguraria a 3 de janeiro de 1989 na Sala de Exposições Temporárias do Centro de Arte Moderna (CAM), muito embora tenha começado a ser pensada pouco depois da morte do artista. Numa carta ao pai do pintor, José Sommer Ribeiro, lamentando a recente morte do artista, manifesta o interesse em montar a mostra ainda no decorrer de 1984 (Carta oficial de José Sommer Ribeiro para Mário dos Santos Botas, 7 mar. 1984, Arquivos Gulbenkian, CAM 00045). Nessa mesma correspondência, o então diretor do CAM agradece o envio de uma publicação, confirmando a receção. Tratar-se-ia, provavelmente, do catálogo da Primeira Exposição Póstuma da Obra de Mário Botas, realizada na Cooperativa Árvore, no Porto, nesse ano de 1984 – uma edição que a FCG havia subsidiado (Ofício do Serviço de Belas-Artes, Arquivos Gulbenkian, SBA 2791). Com a participação de Eugénio de Andrade, amigo do pintor, essa edição consta nos Arquivos Gulbenkian (Arquivos Gulbenkian, CAM 00045) e na Biblioteca de Arte da FCG.

Após o termo da exposição de Lisboa, as 50 aguarelas viajariam então para o Centre Culturel Portugais (CCP), onde a mostra inauguraria a 11 de outubro de 1989 (Carta de Maria de Lourdes Belchior para Mário Santos Botas, 27 out. 1989, Arquivos Gulbenkian, PRS 05108).

Numa carta de 9 de maio de 1989, Maria de Lourdes Belchior, diretora do CCP, congratula-se com essa itinerância a Almeida Faria, amigo que tinha em comum com Mário Botas. Essa mesma correspondência indica que terá partido de Almeida Faria a ideia de enviar a mostra para França (Carta de Maria de Lourdes Belchior para Almeida Faria, 9 mai. 1989, Arquivos Gulbenkian, PRS 05108).

A proposta mereceria a aprovação do Serviço Internacional, que a integraria na operação «Portugal – Século XX», «actividade de difusão descentralizadora [em que] se enviariam catálogos a todas as Casas de Cultura e Museus da França» (Carta de Maria de Lourdes Belchior para José Sommer Ribeiro, 22 jun. 1989, Arquivos Gulbenkian, PRS 05108). Pode assim contar com um forte suporte, articulando-se estratégias promocionais junto da imprensa francesa e uma extensa tiragem de 2500 catálogos reeditados em francês (Ofício de Maria de Lourdes Belchior para José Blanco, 22 jun. 1989, Arquivos Gulbenkian, PRS 05108).

A mostra de Paris, que se previa durar até 15 de dezembro de 1989, seria prolongada a fim de poder seguir para Bordéus. Pretendia-se que lá integrasse a «semana cultural portuguesa, que tem como figura central Eduardo Lourenço […], que, por coincidência, publicou um estudo sobre a pintura de Mário Botas» (Ofício de Maria de Lourdes Belchior para Mário Santos Botas, 27 out. 1989). Amigo de Botas, Lourenço escreveu muito sobre a obra do pintor, da qual é admirador confesso. A correspondência entre os dois autores também já foi alvo de publicação, nomeadamente por parte da revista Colóquio/Letras da FCG (Colóquio/Letras, n.º 171, 2009, pp. 415-418), estando também uma carta de Botas para Lourenço atualmente disponível num website dedicado ao escritor (http://www.eduardolourenco.com/textos/correspondencia/07-Mario-Botas-mar-1981.html).

Lamentavelmente, a exposição de Bordéus acabaria por ser abortada, sendo as obras reenviadas para Lisboa a 11 de junho de 1990 (Carta de Maria de Lourdes Belchior para José Sommer Ribeiro, 11 jun. 1990, Arquivos Gulbenkian, CAM 00045).

Depois de «Spleen», a FCG manteve a sua relação institucional com a Fundação Casa-Museu Mário Botas. Instituída na Nazaré, por legado testamentário do pintor, veria mais tarde Benigno Almeida Faria tornar-se o seu presidente, situação que se mantinha em 2016, segundo o website da instituição.

A relação institucional entre a FCG e Mário Botas é, por sua vez, muito anterior a estes eventos. Remonta à aquisição de obras em 1975 (Inv. DP1433 e Inv. 75P142) e em 1977 (Inv. DP1432), atualmente incorporadas na Coleção Moderna. Seria continuada com a concessão de uma bolsa de estudo, entre 1982 e 1983, ao seu projeto de investigação «Representação Plástica dos Mitos Cosmogónicos». Em articulação com o Museu de Etnologia de Lisboa, incluía uma viagem de estudo a Paris, nunca realizada devido ao infortúnio da morte do artista. Botas aprofundaria com esse estudo alguns dos interesses que inundam as obras da série mostrada em «Spleen», datadas ainda de 1979.

Em 1985, o pintor seria homenageado na exposição «Um Rosto para Fernando Pessoa», organizada pela FCG, na qual foi um dos expositores. No ano seguinte, participaria na mostra «Le XXème Siècle au Portugal. Peinture, Sculpture, Dessin, Gravure, Tapisserie», em Bruxelas, coorganizada pela FCG em parceria com a Comissão Europeia, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Secretaria de Estado da Cultura.

Assim, mais do que um tributo póstumo, a individual «Spleen» terá sido a justa e natural concretização de um reconhecimento artístico há muito manifestado pela Gulbenkian. Nas décadas que se lhe seguiram, a obra de Mário Botas continuou a ser celebrada em variadas ocasiões. A serigrafia Auto-retrato, de 1992 (Inv. GP589), pertencente à Coleção Moderna, integraria a exposição «Auto-retratos da Colecção», no CAM, em 1999 – o mesmo ano da sua retrospetiva no Centro Cultural de Belém.

Daniel Peres, 2018


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Fotografias em álbum da inauguração da exposição

Documentação


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Biblioteca de Arte Gulbenkian, Lisboa / Dossiê BA/FCG

Coleção de dossiês com recortes de imprensa de eventos realizados nas décadas de 80 e 90 do século XX, organizados de forma temática e cronológica. 1984 – 1997

Arquivos Gulbenkian (Centre Culturel Portugais de Paris), Lisboa / PRS 05108

Pasta com documentação referente à divulgação da itinerância da exposição para o Centre Culturel Portugais da FCG. Contém cartaz, folheto e material de imprensa. 1989 – 1990

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00045

Pasta com documentação referente à produção da exposição «Mário Botas. Spleen» apresentada no CAM, FCG. Contém cartaz, folheto e material de imprensa. 1984 – 1990

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA 02791

Pasta referente ao apoio concedido pela FCG à Cooperativa Árvore para a edição da monografia «Primeira Exposição Póstuma da Obra de Mário Botas». 1983 – 1984

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA 02791

Pasta com documentação oficial referente à produção da exposição. Contém epistolografia no âmbito da bolsa de investigação concedida pela FCG a Mário Botas para a o projeto «Representação Plástica dos Mitos Cosmogónicos». 1982 – 1983

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM-S005/01/01-P0062

Coleção fotográfica, p.b.: aspetos (FCG, Lisboa) 1989

Arquivos Gulbenkian (Centre Culturel Portugais de Paris), Lisboa / PRS 04847

Álbum com coleção fotográfica, p.b.: inauguração (FCG-CCP, Paris) 1989


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