1911 – 1999: O Ensino Médico em Lisboa no Início do Século. Sete artistas contemporâneos evocam a geração médica de 1911

IX Congresso Nacional de Educação Médica

Exposição organizada no âmbito do IX Congresso Nacional de Educação Médica. A mostra, que foi comissariada pelo artista e médico Manuel Valente Alves, consistiu na revisitação da vida e obra de sete importantes figuras da Geração Médica de 1911, por sete artistas contemporâneos portugueses.
Exhibition organised for the 9th National Congress on Medical Education. The show, curated by artist and doctor Manuel Valente Alves, revisited the life and work of seven notable figures from the Medical Generation of 1911, through works by seven Portuguese contemporary artists.

«1911-1999: O Ensino Médico em Lisboa no Início do Século. Sete artistas contemporâneos evocam a geração médica de 1911» foi o nome da exposição organizada pelo Serviço de Belas-Artes da Fundação Calouste Gulbenkian (SBA-FCG) e que esteve patente no piso 01 da Galeria de Exposições Temporárias da Sede da FCG, de 27 de janeiro a 11 de abril de 1999. O presidente da República Jorge Sampaio esteve presente na inauguração.

A mostra, que contou com o apoio do Serviço de Saúde e Protecção Social da FCG, foi realizada no âmbito do IX Congresso Nacional de Educação Médica, evento organizado pela Faculdade de Medicina de Lisboa e que decorreu de 27 a 30 de janeiro de 1999, na FCG.

A ideia para a realização da exposição foi uma iniciativa do presidente do IX Congresso Nacional de Educação Médica, João Gomes-Pedro, que manifestou interesse numa mostra de arte que acompanhasse o congresso e contactou Manuel da Costa Cabral, diretor do SBA. Optou-se por uma exposição que homenageasse a geração médica de 1911, por esta ter tido um papel fulcral na mudança do paradigma do ensino médico português. O convite a Manuel Valente Alves para ser comissário desta exposição partiu de Manuel Costa Cabral, que viu no médico e artista a personalidade e a experiência ideais para cumprir os objetivos estabelecidos.

Tendo sido considerada, num primeiro momento, a hipótese de se realizar uma exposição de caráter principalmente documental, em virtude da extensa documentação disponível relativa ao ensino médico em Portugal e, principalmente, à Faculdade de Medicina de Lisboa, aquela acabou por ser remetida para o catálogo e optou-se por convidar sete artistas contemporâneos a exporem obras originais, concebidas a partir da vida e obra de sete médicos da geração de 1911, homenageando o seu rigor científico e exigência cultural. Os artistas selecionados por Manuel Valente Alves distinguiam-se no panorama da arte contemporânea portuguesa pelo seu «carácter inovador e diversidade poética geracional» (Apresentação da exposição, assinada por Manuel Valente Alves, s.d., Arquivos Gulbenkian, SBA 15535).

Assim, foram expostas instalações de Helena Almeida (1934-2018), José Barrias (1944), José Pedro Croft (1957), Ângela Ferreira (1958), Cristina Mateus (1968), Miguel Palma (1964) e Noé Sendas (1972), que evocavam a vida e a obra de Aníbal Bettencourt, Augusto Celestino da Costa, Azevedo Neves, Francisco Gentil, Henrique Vilhena, Marck Athias e Sílvio Rebello.

Citando o comissário da exposição, à semelhança dos médicos homenageados também os artistas selecionados «cultivavam poéticas muito diversas, e utilizavam técnicas e suportes também muito variados (desde o desenho sobre papel até às imagens digitais) na elaboração e apresentação dos seus trabalhos» (1911-1999: O Ensino Médico em Lisboa no Início do Século…, 1999, p. 36).

O tempo e a memória, enquanto fatores transformadores, foram os dois elementos mais importantes na conceção da exposição, estando desde logo presentes nas balizas temporais expressas no título: 1911-1999. Pretendeu-se, porém, que esta evocação da geração médica de 1911, ao invés de se limitar a um propósito nostálgico e revivalista, fosse a génese de um diálogo entre os artistas contemporâneos e a vida e obra dos fundadores da Faculdade de Medicina de Lisboa, cujas memórias e experiências seriam reinterpretadas à luz da sensibilidade e do pensamento contemporâneos.

O trabalho de Helena Almeida centrou-se na obra de Celestino da Costa, importante embriologista que se destacou pelo seu estudo na área da histofisiologia das glândulas endócrinas. A artista apresentou Dentro de Mim (1998), performance registada através da fotografia e que aborda o lado íntimo da experiência evocativa, num espaço despojado, apenas ocupado pelo seu corpo. Sobre o trabalho de Helena Almeida, Alexandre Melo afirmou que ele «aprofunda, renova e reforça as constantes da sua obra, exemplificando a capacidade de, sem sair de dentro de si, ou seja, sem sair do seu próprio corpo, afirmar a autonomia desse mesmo corpo, concedendo-lhe a exteriorizada plenitude de uma presença escultórica que é instalação e performance de um objecto, um corpo, no espaço» (Melo, Arte Ibérica, mar. 1999, p. 22).

José Pedro Croft evocou Azevedo Nunes, fundador do laboratório de análises clínicas dos Hospitais de Lisboa e criador da primeira comissão da luta contra o cancro. A escultura de Croft, Sem título (1989), pertencente ao acervo da coleção do Centro de Arte Moderna da FCG (Inv. 98E673), é constituída por ferro e espelho, materiais improváveis mas habituais no trabalho do artista, por vezes combinados com madeira e gesso (nomeadamente, gesso e ferro ou madeira e espelho). Nesta obra, os materiais contribuíam para uma lógica arquitetural de definição dos espaços virtuais através da combinação de elementos que nada tinham em comum entre si, induzindo no espectador «um sentimento de desconfortável perplexidade, tanto mais desconfortável quanto mais simples e imediatos são os elementos de pobreza monástica» (1911-1999: O Ensino Médico em Lisboa no Início do Século…, 1999, p. 393).

Noé Sendas revisitou a obra de Marck Athias, cujo papel foi importante pela investigação médica e biológica que conduziu e que, através da observação microscópica, desenvolveu as áreas da histologia e da fisiologia. Para esta homenagem, Noé Sendas criou uma instalação vídeo intitulada O Sopro de Ariadne (1998), que, a partir do monólogo lido por António Cabrita e das projeções de uma boca e de uma orelha, lembrava a importância do diálogo entre o trabalho científico e outras especialidades, assim como o valor da persistência e da humildade.

A instalação Habitat (1998-1999) de Ângela Ferreira homenageou o papel de Aníbal Bettencourt, que, além de desenvolver um importante trabalho no campo da medicina experimental e da bacteriologia, foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento da Associação Portuguesa de Fotografia. O trabalho de Ângela Ferreira debruçou-se especificamente sobre a investigação, conduzida por Bettencourt, da bilharziose, doença causada por vermes parasitas do ser humano através de águas e roupa contaminadas. Não descurando o importante papel de Bettencourt na fotografia, Ângela Ferreira apresentou um conjunto de sete fotografias da autoria do médico, nas quais surgem lavadeiras de Tavira, às quais se associa um conjunto de objetos que servem como referentes de imagens-tipo relativas à higiene e à limpeza: roupa de cama, sacos de roupa de hotéis e video prints de imagens de Aldeia da Roupa Branca, filme realizado em 1938 por Chianca de Garcia.

A artista Cristina Mateus evocou Sílvio Rebello, fundador do Instituto de Farmacologia e Terapêutica Geral e poeta, tendo sido nesta última vertente que a artista pegou para criar O meu olhar é pouco para ver-te (1998), uma projeção de vídeo onde duas atrizes coreografavam as estrofes de um poema de Rebello. Segundo Miguel von Hafe Pérez, tratava-se de «um ambiente perceptivo baseado na descontextualização de determinados dispositivos linguísticos e da consequente implosão de uma narrativa linear no registo visual. Assim, aquilo que no poema original estaria enquadrado por uma estrutura narrativa mais ou menos transparente torna-se na actual instalação fragmentário e intrinsecamente abstracto» (Ibid., p. 426).

O anatomista e professor de anatomia artística da Escola de Belas-Artes Henrique de Vilhena foi evocado por José Barrias numa instalação intitulada Anatomia do Horizonte (1999) e constituída por uma tina de óleo industrial saturado de base negra, uma parede do lado direito com estudos anatómicos realizados a sanguínea e uma parede do lado esquerdo com o poema «Resíduo», de Carlos Drummond de Andrade. Apesar de aparentar ser um percurso terminado por uma porta negra, a instalação não se percorria fisicamente, apenas com o olhar, simbolizando o estreitamento das potencialidades que, parafraseando Mario Bertoni, no decorrer da investigação se vão tornando cada vez mais concentradas.

Miguel Palma evocou Francisco Gentil, importante cirurgião que se destacou na luta contra o cancro em Portugal. A instalação de Miguel Palma estabelecia uma comparação entre o universo e o corpo humano, na medida em que ambos são ainda um mistério, apesar de tudo o que foi já descoberto acerca deles. A instalação de um telescópio apontado a uma lamela de grandes dimensões convidava o visitante da exposição a observar algo semelhante a um conjunto de astros ou a uma célula cancerígena.

O livro-catálogo da exposição é um importante documento de estudo das origens da Faculdade de Medicina de Lisboa, reunindo, além de um conjunto de textos dedicados à obra dos sete artistas representados, um estudo sobre a geração médica de 1911, onde se inserem ensaios sobre algumas das mais destacadas personalidades médicas desta escola, criadoras dos primeiros institutos, em 1911, e que redefiniram os padrões da formação na área da saúde, através da introdução do ensino prático, baseado na experiência laboratorial.

Além desta incidência sobre o ensino médico em Lisboa no princípio do século XX, o catálogo compila textos que abordam algumas das mais proeminentes figuras da saúde desta época, como Sousa Martins, Egas Moniz, Câmara Pestana, Gama Pinto, Reynaldo dos Santos e Pulido Valente, além de vinte professores da escola médico-cirúrgica, representados por Columbano Bordalo Pinheiro, em 1906-1907, em quatro retratos de grupo que atualmente se encontram na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Finalmente, o livro-catálogo apresenta dois estudos de Maria Helena de Freitas e de João Lima Pinharanda em torno destes retratos, acompanhados por um enquadramento social, político e cultural, e uma síntese biográfica de todas as personalidades referenciadas.

A exposição foi bem recebida pela crítica de arte portuguesa, que elogiou «a originalidade quase extravagante do projecto e o adequado equilíbrio encontrado na sua concretização» (Melo, Arte Ibérica, mar. 1999, p. 22).

Carolina Gouveia Matias, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Sem título

José Pedro Croft (1957-)

Sem título, 1998 / Inv. 98E673


Eventos Paralelos

Congresso / Simpósio

IX Congresso Nacional de Educação Médica

27 jan 1999 – 30 jan 1999
Fundação Calouste Gulbenkian
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias


Documentação


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA 21408

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém pedido de cedência feito por Miguel Palma dos diapositivos concebidos para a exposição pelo artista. 2000 – 2001

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA 25170

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém convite da inauguração da exposição. 1999 – 1999

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA 15535

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém orçamentos, correspondência externa e interna, material para o catálogo. 1998

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA 15536

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência externa interna, seguros, material para o catálogo. 1998

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA-S004-P0082-D01470

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG, Lisboa) 1999


Exposições Relacionadas

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