Hotéis/Hotels. Valente Alves

Exposição fotográfica de Valente Alves (1953), com curadoria de Jorge Molder. Foram apresentadas seis fotografias de paisagens, resultantes da pesquisa das relações entre significado e significante que o artista, à época, vinha a desenvolver.
Exhibition of photographs by Valente Alves (1953) curated by Jorge Molder (1947). The show featured six landscape photographs resulting from the artist’s exploration of the relationship between signified and signifier.

Médico e artista plástico português, Valente Alves iniciou a sua atividade artística nos anos de 1980, através da pintura, fazendo incursões, nas décadas seguintes, por outras artes visuais, como a fotografia, o vídeo e o desenho. Jorge Molder, então diretor do CAM, orientou a exposição na qualidade de seu comissário.

A série de seis fotografias apresentadas pretendeu dar corpo às problemáticas do artista, tanto no trabalho fotográfico como pictórico, criando situações que questionam a imagem e os seus limites e as relações entre a imagem e a palavra, entre o significado e o significante.

Na crítica que dedica à exposição, Leonor Nazaré situa o trabalho de Valente Alves «no centro de um mecanismo sedutor pelo qual a sobreposição de lugares qualitativamente afastados é feita através de uma possibilidade de reconstituição espacial, pelo lado da memória cultural e emotiva» (Nazaré, Expresso, 7 mar. 1992).

João Pinharanda, autor do texto de catálogo da exposição, menciona que «este trabalho é […] uma interrogação sobre a representação do visível e sobre a nomeação do visível ou a sua conceptualização. O artista desenvolve esse programa, quer através da construção do espaço abstracto (na “natureza-morta” ou na “paisagem”), quer através do uso da palavra, como desencadeadora ou complemento de sentido visual, como instrumento de definição e deslocação semântica» (Hotéis/Hotels, 1992, p. 9).

Ao percorrer a exposição «Hotéis/Hotels. Valente Alves», o visitante era confrontado com um cenário imprevisto: o conjunto das imagens expostas não contempla hotéis, mas uma combinação subtil entre nomes de hotéis e paisagens. Os nomes são os mesmos de hotéis bem conhecidos do princípio do século XX: Hotel Continental, President, Ambassador, Royal, Victoria e Plaza. As paisagens poderiam ser de qualquer parte do mundo: anónimas, áridas, quase desérticas, trabalhadas em tonalidades suaves, entre o cinzento e o sépia. Neste sentido, hotéis e paisagens identificavam-se.

Produzidas propositadamente em formato horizontal, as fotografias permitiam que o olhar do espectador se deslocasse de um lado para o outro, na tentativa de fixar o horizonte que a designação de panorâmicas consagra. O horizonte nominal acrescentava uma evidente nostalgia à série, convidando à reflexão discursiva sobre o jogo entre ambos os elementos nomeados (paisagem e nome de hotel) e o seu valor poético.

João Pinharanda, que descreve estas fotografias como «exercícios de linguagem e de memória», salienta que «o valor poético dessa reflexão [discursiva] resulta no desenvolvimento de uma atitude de simultânea estranheza e comunhão. Estranheza, relativamente ao deslocamento sugerido; comunhão, relativamente à sobreposição proposta» (Hotéis/Hotels, 1992, p. 7).

Vários autores salientaram a vertente melancólica, nostálgica e poética das fotografias, pelo que vale a pena destacar alguns textos.

De acordo com Margarida Medeiros, as fotografias de Valente Alves articulam dois sentidos: «Primeiro, o de um tempo passado/presente, que circula nos nomes dos hotéis […] e remete para uma memória de emoções vividas/sonhadas, para a urbanidade sociabilizante – numa estratégia melancólica ou mesmo nostálgica; depois, o de um tempo de idealidade, "transtornado" na paisagem, intencionalmente despojada, irradiada para segundo plano, e colocando o espectador numa posição "panorâmica" (contemplativa).» (Medeiros, Público, 21 fev. 1992)

Bernardo Pinto de Almeida recorda que «a nostalgia é sempre referência a algo que se perdeu: neste caso, aquilo que se lamenta a perda – tanto quanto o lamentar seja a expressão por excelência da nostalgia – é o lento desaparecer das referências sólidas do imaginário moderno. Por essa razão a presente série de Manuel Valente Alves introduz a dimensão da temporalidade entendida quer no seu sentido histórico quer no seu sentido metafórico. O título da série, "Hotéis", ao referir um espaço conotativamente, aplica-se no plano denotativo ao tempo» (Almeida, Colóquio/Artes n.º 99, dez. 1993, p. 34). Pinto de Almeida finaliza dizendo: «Neste sentido, a proposta do artista adquire uma extrema qualidade de ser contemporânea face ao que se joga no terreno da arte actual: como representar a memória e o tempo, o espaço e a matéria, ou, dito de outro modo, como representar o irrepresentável?» (Ibid.)

Por sua vez, Carlos Vidal salientou a relação entre o homem moderno (o que habita a cidade) e a natureza, e ainda a «conquista» da natureza pelo homem, o que, segundo o autor, surge, nesta série, metaforizado pelo olhar fotográfico sobre a paisagem desumanizada. Carlos Vidal acrescenta: «Este olhar pode ainda ser melancólico, mas não forçosamente nostálgico. A sensibilidade (ou a sensibilização) melancólica surge na medida em que, de fotografia para fotografia, vemos repetirem-se vários elementos: a imensidão do natural sem presença humana, a insistência nas gradações sépias […], uma mesma ondulação das colinas, a moldura, o vidro e a legenda com o nome de um hotel, nomes que remetem para o início do século – auge do tempo moderno (do futurismo, do cubismo, do construtivismo, etc.).» (Vidal, A Capital, 27 fev. 1992)

Ainda segundo a análise de Carlos Vidal, Valente Alves pretendeu «provocar um conflito entre essa filiação no passado (reforçada pelas tonalidades sépias, as quais podem não evocar somente o passado mas também uma temporalidade inexistente) e a modernidade da referência ao hotel e a sua urbanidade cosmopolita. Digamos que os méritos e os perigos destas fotografias se encontram, respectivamente, na sua não concessão a uma leitura e narrativa lineares e […] na tendência para a proposição de enigmas insolúveis» (Ibid.).

O acolhimento da exposição por parte da crítica foi bastante amplo, tendo sido possível recolher vários textos de autores conceituados na área. Alguns destes textos encontram-se disponíveis para consulta na documentação associada à exposição.

O catálogo da exposição foi editado pela Fundação Calouste Gulbenkian, em versão bilingue português/inglês, e inclui um texto de apresentação de Jorge Molder, um texto de João Pinharanda e a lista e reprodução das obras apresentadas.

Durante o período em que esteve patente, foram organizadas visitas guiadas à exposição. Após o seu encerramento, a série Hotéis foi incorporada na coleção do Centro de Arte Moderna.

Joana Brito, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Hotel Ambassador

Manuel Valente Alves (1953-)

Hotel Ambassador, 1991 / Inv. 93FP278

Hotel Continental

Manuel Valente Alves (1953-)

Hotel Continental, 1991 / Inv. 93FP279

Hotel Plaza

Manuel Valente Alves (1953-)

Hotel Plaza, 1991 / Inv. 93FP276

Hotel President

Manuel Valente Alves (1953-)

Hotel President, 1991 / Inv. 93FP275

Hotel Royal

Manuel Valente Alves (1953-)

Hotel Royal, 1991 / Inv. 93FP280

Hotel Victoria

Manuel Valente Alves (1953-)

Hotel Victoria, 1991 / Inv. 93FP277

Hotel Ambassador

Manuel Valente Alves (1953-)

Hotel Ambassador, 1991 / Inv. 93FP278

Hotel Continental

Manuel Valente Alves (1953-)

Hotel Continental, 1991 / Inv. 93FP279

Hotel Plaza

Manuel Valente Alves (1953-)

Hotel Plaza, 1991 / Inv. 93FP276

Hotel President

Manuel Valente Alves (1953-)

Hotel President, 1991 / Inv. 93FP275

Hotel Royal

Manuel Valente Alves (1953-)

Hotel Royal, 1991 / Inv. 93FP280

Hotel Victoria

Manuel Valente Alves (1953-)

Hotel Victoria, 1991 / Inv. 93FP277


Publicações


Fotografias

Fernando de Azevedo, Pedro Tamen e José Sommer Ribeiro
Manuel Valente Alves e Fernando de Azevedo

Periódicos


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