José Barrias etc…

Exposição individual retrospetiva de José Barrias (1944-2020), comissariada por Elisabetta Longari e com projeto do artista, de Jorge Molder e de Rui Sanches. Foram apresentados trabalhos produzidos entre 1973 e 1995, de um conjunto determinado por ciclos constituídos por uma lógica interna que assume a forma de instalação.
Individual retrospective exhibition on José Barrias (1944) curated by Elisabetta Longari and designed by the artist, together with Jorge Molder and Rui Sanches. On display were works produced between 1973 and 1995 from a set chosen according to cycles with an internal logic in the form of an installation.

«José Barrias. Etc…» foi o nome da exposição retrospetiva que mostrou o trabalho do artista português José Barrias (1944-2020), radicado em Milão, que teve lugar na Galeria do piso 1 do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP), de 7 de março a 12 de maio de 1996. A exposição foi comissariada por Elisabetta Longari, com projeto de Jorge Molder e Rui Sanches, respetivamente diretor e diretor-adjunto do CAMJAP, e do próprio José Barrias.

O título da exposição, «Etc…», além de lembrar o modo como Leonardo da Vinci descreveu a sua obra «quando achou que as palavras já não poderiam acrescentar mais nada ao que se via», remetia para algo que era produzido no presente, numa possível continuidade, sem fim à vista, sublinhado pelas reticências: «[…] uma sugestão do provisório, uma inclinação para o neutro, uma alusão à duração. Produzem um interlúdio, um deslize, indicam uma continuação possível – de outra maneira e noutro lugar –, suspendem, reenviam, hesitam, tornam indefinido. Aludem ao adiamento, à pausa, ao intervalo, ao vazio. Mas também, e sobretudo, ao ritmo, à continuidade.» (Oliveira, Público, 27 mar. 1996)

A exposição teve como objetivo apresentar a totalidade da obra de José Barrias, que, segundo Jorge Molder, até àquela data apenas fora mostrada ao público português de forma mais ou menos fragmentária, constituída por ciclos ou séries de caráter fechado, respondendo a uma lógica interna sob a forma de instalações. Estas séries, que correspondem a momentos expositivos, interligam-se, relacionando-se. E foi isso que deu origem à exposição «Etc…», que, balizando-se entre 1973 e 1995, começava, cronologicamente, com o ciclo Quase Romance, trabalho onde já se conseguia sentir alguns dos aspetos essenciais do corpo artístico de Barrias: teatralidade barroca, referências literárias, a forte presença da memória e do passado e, consequentemente, uma grande vertente de reflexão autobiográfica. Museograficamente, a exposição começava com o ciclo Tempo, instalado no Hall do CAMJAP, constituído por um conjunto de pinturas abstratas que sugeriam movimentos circulares e rápidos e por uma escultura que remetia para o esqueleto de um barco, e terminava com o ciclo Nel Mondo, constituído por uma escada, um óculo e uma semiesfera forrada com fotografias da sua cronologia pessoal.

Sobre esta alteração de ordem, João Pinharanda partilhava da opinião de que «a cronologia dos trabalhos não é essencial. A montagem assim o aceita ao não datar cada uma das séries apresentadas; e o percurso do visitante assim o confirma ao longo de uma deambulação (viagem…) em que não se confronta com qualquer evolução estilística ou temática mas com uma pluralidade de enunciados do mesmo núcleo de questões» (Pinharanda, Público, 15 mar. 1996).

No total, foram apresentados os ciclos: Quase Romance (1973-86), Os Embaixadores (1978-87), Barragem (1979-80), Pas sages (1980), Noitiário (1983-84), Vestígios (1987-), Tempo (1990), Nostos (o Regresso) (1992-95), A Imagem da Sombra (1994), Piccolo Mondo (1995) e Nel Mondo (1995).

A importância de apresentar a totalidade da obra de Barrias foi partilhada por Ruth Rosengarten, que, na revista Visão, escreveria: «Vários dos trabalhos da presente mostra já tinham sido apresentados entre nós, mas, ao serem vistos numa forma retrospectiva, ao serem olhados em conjunto, ganham corpo, adquirem uma nova coerência e dimensão: desenham os contornos do que acaba por ser todo um mundo. Barrias não se acanha em trazer o seu mundo pessoal para o trabalho.» (Rosengarten, Visão, 4 abr. 1996)

A obra de Barrias estrutura-se à volta de uma dimensão narrativa e temporal que se desenvolve a partir da importância que a memória assume para o seu trabalho. Neste sentido, todas as exposições do artista são variantes do tema da memória, que funciona como um ciclo que se repete e que parte da representação do seu próprio universo, como na obra Nel Mondo (1995).

Também o conceito de herança assumiu um papel essencial na obra de José Barrias, materializado em trabalhos como A Imagem da Sombra (1994), que inclui a fotografia de um autorretrato ao espelho executado em 1947 pelo pai do artista, Miguel Barrias, também pintor; nos ciclos Vestígios (desde 1987), caracterizados pelo uso de diversos objetos encontrados; ou em Nostalgia de Passagem (1995), que contém Picollo Mondo (1995), onde é retratada a figura da maternidade através da referência à Sacra Conversazione de Piero della Francesca.

Caracterizada por uma forte heterogeneidade, a obra de Barrias inclui trabalhos como Barragem, instalação adquirida pela Coleção Moderna da FCG no âmbito desta exposição, constituída por um vídeo e 14 fotografias em que o mistério e a descoberta revelam a beleza submersa das ruínas da aldeia de Vilarinho das Furnas.

A passagem do tempo e a presença da memória, como resultado de um conjunto de referências que é transmitido ao trabalho do presente, são elementos constantes na obra de José Barrias e que se desenvolvem no site-specific Um Quarto de Página, criado em 1995 para a casa Fernando Pessoa, em que nas paredes do quarto se transcrevem excertos do poema «Ode Marítima», mas também em obras como Quase Romance, trabalho constituído por desenhos, pinturas e aguarelas, em que o tempo é tratado como sequência de fragmentos e de intervalos, e Noitiário, materialização da passagem da noite para o dia. A presença da passagem é, aliás, constante na obra de José Barrias, manifestando-se através de elementos como portas, janelas, cortinas, anjos, nuvens, água, e materializando o tempo e todas as coisas que se tornam efémeras e vãs.

A função do espectador perante a obra de Barrias é, por sua vez, essencial, enquanto elemento unificador de um trabalho que parte da fragmentação da informação. Instaura-se, assim, um diálogo entre o artista e o visitante da exposição, que interpreta as obras através das conexões e alusões que estabelece com a sua vida.

No âmbito da exposição, foi editado um catálogo pelo CAMJAP, concebido como um autorretrato de José Barrias e que inclui textos de Marosia Castaldi, Elisabetta Longari e Nuno Júdice, e um pequeno desdobrável, que compreende a reprodução do texto de introdução ao catálogo, assinado por Jorge Molder e Rui Sanches, e um texto explicativo de cada ciclo, da autoria de José Barrias. Ao apresentar trabalhos que não constavam na exposição, o catálogo revela-se um importante complemento desta, com reproduções fotográficas de todos os ciclos de José Barrias.

A seleção dos trabalhos e o espaço que eles iriam ocupar no CAMJAP foram dois dos maiores obstáculos encontrados na produção da exposição, tendo o artista pedido para que a apresentação das obras se fizesse nos dois pisos do edifício. Além disso, Barrias demarcar-se-ia do modelo de exposição retrospetiva adotado para as mostras de Álvaro Lapa e de Pedro Cabrita Reis, ambas de 1994, argumentando a sua posição do seguinte modo: «Se os percursos de Cabrita e do Lapa são percursos com restos, isto significa que o que ficou de fora era desnecessário para a definição da essência das exposições que realizaram. Antes pelo contrário, a seleção das "peças" consente uma maior compreensão e clareza do todo. Não é o meu caso. Porque numa ampla exposição como a do CAM o que é fundamental é que se mostre de maneira clara e inequívoca o meu mecanismo poético, o qual, seja-me consentido o desaforo, é singular e completamente diferente do deles. Se este não for evidenciado com clareza, o risco que se corre é o de fazer mais uma exposição, maior, mais importante, mais visitada e como tal mais perigosa, se não reflectir rigorosamente o desenho em que investi a minha vida.» (Fax de José Barrias para Jorge Molder e Rui Sanches, fev. 1996, Arquivos Gulbenkian, CAM 00364)

A imprensa portuguesa elogiou a exposição, ora pela sua «montagem de grande qualidade», ora pelo seu «excelente catálogo» (Oliveira, Público, 27 mar. 1996; Sousa, JL. Jornal de Letras, Artes e Ideias, 8 mai. 1996).

Carolina Gouveia Matias, 2018


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Barragem

José Barrias (1944-2020)

Barragem, 1980 / Inv. 96E1254

Barragem

José Barrias (1944-2020)

Barragem, 1980 / Inv. 96E1254

S/Título: desenho do ciclo Vestígios

José Barrias (1944-2020)

S/Título: desenho do ciclo Vestígios, 1987 / Inv. DP1398

S/Título: desenho do ciclo Vestígios

José Barrias (1944-2020)

S/Título: desenho do ciclo Vestígios, 1987 / Inv. DP1399


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

[José Barrias etc...]

21 mar 1996 – 9 mai 1996
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

Encontro com o Artista. José Barrias

12 mar 1996
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal

Publicações


Fotografias


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00856

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém proposta de aquisição da obra «Barragem», assinada por Jorge Molder, diretor do CAMJAP. 1996 – 1996

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00364

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém orçamentos, material fotográfico dos trabalhos, fichas de apólice, correspondência interna e externa, fichas de empréstimo, recortes de imprensa e material para o catálogo. 1995 – 1996


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