Pintura Portuguesa de Hoje. Abstractos e Neofigurativos

Semana de Portugal em Barcelona

Exposição de arte portuguesa contemporânea, cuja itinerância terminaria em Lisboa, na Sociedade Nacional de Belas-Artes. Destinado a fomentar as relações culturais entre Espanha e Portugal, contou com a participação de 46 artistas do abstracionismo e do neofigurativismo, sendo Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) o único a apresentar duas obras.
Touring exhibition of Portuguese contemporary art, closing with a presentation in Lisbon held at the Sociedade Nacional de Belas-Artes (National Society of Fine Arts). The show was intended to foster cultural relations between Spain and Portugal, with participation from 46 abstract and neofigurative artists, of which Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) was the only artist to have two works included.

Exposição de arte portuguesa contemporânea, apresentada, primeiramente, no âmbito da Semana de Portugal em Barcelona, seguida de uma apresentação na Universidade de Salamanca e cuja itinerância terminaria em Lisboa, na Sociedade Nacional de Belas-Artes.

A organização da mostra resultou do trabalho conjunto da Secretaria de Estado da Informação e Turismo (SEIT) e da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), contando ainda com a colaboração da Sociedade Nacional de Belas-Artes, que designou João Rocha de Sousa como seu representante, e da Secção Portuguesa da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA), representada pelo crítico Rui Mário Gonçalves.

O evento foi fruto de um acordo cultural luso-espanhol, iniciado em 1970, destinado a fomentar as relações culturais entre os dois países. Neste sentido, foi implementada a organização, regular e bilateral, de «Semanas Culturais» dedicadas à divulgação das manifestações artísticas e culturais de ambos os territórios.

Inicialmente, e para integrar a programação da «II Semana Cultural de Portugal», cuja segunda edição se realizaria em Barcelona, foi proposto pelo secretário de Estado da Informação e Turismo, César Henrique Moreira Baptista, uma recuperação da XI representação portuguesa à Bienal de São Paulo. Contudo, a ideia viria a ser abandonada.

Realizou-se então uma exposição de arte portuguesa contemporânea, de itinerância internacional, que contou com a participação de 46 artistas, distribuídos entre duas das principais tendências da arte contemporânea portuguesa, o abstracionismo e o neofigurativismo, e cujas carreiras artísticas se desenvolviam no decorrer das duas últimas décadas de Novecentos (anos de 1960 e 1970).

Os principais emprestadores de obras foram, manifestamente, os dois organizadores, a SEIT e a FCG, contando ainda, para uma maior representatividade dos valores artísticos do momento, com a cedência temporária de obras de algumas galerias e colecionadores privados, entre os quais se incluem a Galeria Judite Dacruz, a Galeria 111, a Galeria Buchholz, o artista Gil Teixeira Lopes, Manuel de Brito e Francisco Pereira Coutinho.

O elevado número de artistas participantes obrigou a Comissão a rever o número inicialmente previsto de obras por autor. A título excecional, Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918), destacado representante do modernismo português, foi o único, entre o conjunto dos artistas, a ter duas obras selecionadas, reforçando-se, desta forma, o vanguardismo da sua obra e a sua influência na renovação dos valores artísticos das gerações seguintes.

Referindo-se às inevitáveis lacunas que uma exposição deste tipo comportava, o crítico Rui Mário Gonçalves, no seu prefácio do catálogo da exposição, advertiria:

«Esta exposição não constitui uma panorâmica completa da pintura portuguesa contemporânea, mas pretende apresentar alguns dos seus aspectos mais marcantes, definíveis em função das tendências abstraccionistas e neofigurativistas.» (Pintura Portuguesa de Hoje. Abstractos e Neofigurativos, 1973)

Nas palavras de outro crítico português, João Rocha de Sousa, a exposição correspondia «a uma primeira tentativa de levar para fora do país um conjunto de obras de algum modo relacionadas, fornecendo uma perspectiva geral das principais tendências da pintura portuguesa dos anos 60 e 70» (Sousa, Seara Nova, set. 1973).

Este mesmo crítico, nesta reflexão em que abordava também a especulação que existia por estes anos em torno do mercado da arte, reforçaria que a exposição constituiu um

«ensaio que tem talvez mais mérito no plano interno do que no externo, e a partir do qual se torna possível formar novos conjuntos relacionados, estabelecendo a perspectiva dos nossos valores e das nossas pesquisas e contrariando as cotações arbitrárias que o mercado vem impondo, em consequência da ignorância dos próprios compradores e da não diversificação do campo de escolha» (Ibid.).

A fim de participar nos festejos da «Semana Cultural de Portugal», nos quais se incluía a exposição de arte portuguesa contemporânea, o presidente da FCG, José de Azeredo Perdigão, deslocou-se a Barcelona, referindo-se posteriormente a esta mostra «em termos muito elogiosos», o que se terá ficado a dever «não só ao critério de selecção das obras […], mas também ao modo como estão expostas e à forma como o público de Barcelona a recebeu e tem acorrido a visitá-la» (Ata da reunião do Conselho de Administração, 1 mai. 1973, Arquivos Gulbenkian, SBA 15390).

No que se refere às políticas de aquisição, e para «não deixar de fora artistas de merecimento», tanto a SEIT como a FCG aproveitaram a oportunidade para adquirir algumas obras para as suas coleções, com a justificação, no caso da FCG, de «se ir prosseguindo e completando a nossa colecção de Arte Portuguesa Contemporânea» (Apontamento do Serviço de Belas-Artes, 10 abr. 1973, Arquivos Gulbenkian, SBA 15390).

Da parte da comissão organizadora foi apresentada a proposta de incorporação de obras dos artistas Alice Jorge (1924-2008), Cruz-Filipe (1934), Álvaro Lapa (1939-2006), António Mendes (1944), Eduardo Nery (1938-2013) e Jorge Martins (1940), sugestão que acabaria por ser aprovada pelo presidente da FCG.

No catálogo da exposição, a introdução foi assinada pelo crítico e representante da AICA na comissão organizadora, Rui Mário Gonçalves. Nela se debruçou sobre as tendências da arte portuguesa e seu enquadramento cronológico. A acompanhar a reprodução das obras em exibição, o catálogo integrou ainda uma cronologia, na qual se procurou referenciar a atividade dos artistas representados nas duas principais tendências artísticas em análise, a abstrata e a neofigurativa.

Além da exposição, o vasto programa da «Semana Cultural de Portugal em Barcelona» contou com várias manifestações, desde peças teatrais a conferências, passando por sessões de cinema, sendo também apresentados dois espetáculos pelo Ballet Gulbenkian e um concerto pela Orquestra Gulbenkian.

De outra cidade espanhola, veio o pedido do professor César Real de la Riva, da Universidade de Salamanca (com a qual a FCG mantinha alguns acordos institucionais, nomeadamente através do Instituto Gulbenkian de Ciência), solicitando a deslocação a Salamanca da exposição de arte portuguesa contemporânea que havia estado patente em Barcelona. O pedido foi deferido pelo Conselho de Administração da FCG e pelo SEIT, contando a inauguração com a presença do presidente da FCG, no mesmo dia em que fora convidado a proferir uma conferência na mesma universidade.

Há ainda informação de ter havido um pedido vindo da África do Sul a requerer naquele país a itinerância da exposição apresentada em Espanha e em Portugal. Partindo desta solicitação, a FCG ainda chegou a elaborar uma proposta que estendia a itinerância aos territórios africanos ultramarinos, mas o processo acabou por não ter continuidade. O mesmo sucedeu com uma proposta recebida pelo presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, José de Azeredo Perdigão, em 24 de abril de 1973, do conservador-chefe do Museu Nacional do Mónaco, Gabriel Ollivier, para que a exposição de arte portuguesa integrasse as comemorações do 25.º aniversário da coroação de Rainier III, em 1974. Existe documentação referente ao processo, mas a exposição acabou por não se realizar.

Filipa Coimbra, 2016


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Pintura

Alice Jorge (1924-2008)

Pintura, 1971 / Inv. P1373

Voici nos Acteurs

Álvaro Lapa (1939-2006)

Voici nos Acteurs, 1972 / Inv. 73P415

Pintura

António Mendes (1944- )

Pintura, 1970 / Inv. P1442

Hoje VI

Artur Bual (1926 - 1999)

Hoje VI, 1965 / Inv. 65P271

Aparição

Eduardo Nery (1938-2013)

Aparição, 1972 / Inv. P1377

Sem título

Fernando de Azevedo (1923-2002)

Sem título, 1961 / Inv. 62P257

0.42 - 69

Fernando Lanhas (1923-2012)

0.42 - 69, 1969 / Inv. 69P635

s/título

Helena Almeida (1934-2018)

s/título, Inv. 71P410

Lisboa - Algeciras

Joaquim Rodrigo (1912-1997)

Lisboa - Algeciras, 1969 / Inv. 69P145

S/Título

Jorge Martins (1940-)

S/Título, 1970 / Inv. 73P430

S/ Título

José Escada (1934-1980)

S/ Título, 1965 / Inv. 65P276

Mêlée

Júlio Pomar (1926-2018)

Mêlée, Inv. 68P764

s/título

Júlio Resende (1917-2011)

s/título, 1969 / Inv. 69P470

Odalisque d' Après Ingres

Lourdes Castro (1930-2022)

Odalisque d' Après Ingres, Inv. 67P291

Pintura

Luís Noronha da Costa (1942-2020)

Pintura, Inv. P1568

Óleo 130

Marcelino Vespeira (1925-2002)

Óleo 130, 1960 / Inv. 60P107

Pintura lacerada II

Mário Cesariny (1923-2006)

Pintura lacerada II, 1970 / Inv. 83P539

Henrique VIII

Menez (1926-1995)

Henrique VIII, 1966 / Inv. 67P187

Perspectiva II

Nadir Afonso (1920-2013)

Perspectiva II, 1965 / Inv. 70P496

Viagem Ubíqua de um Poema

Nuno de Siqueira (1929-2007)

Viagem Ubíqua de um Poema, 1965 / Inv. 65P269

Viagem Ubíqua de um Poema

Nuno de Siqueira (1929-2007)

Viagem Ubíqua de um Poema, 1965 / Inv. 65P269

Manifesto (For a Lost Cause)

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

Manifesto (For a Lost Cause), Inv. 66P280

Bride of Stillness

Ricardo da Cruz-Filipe (1934-)

Bride of Stillness, 1972 / Inv. 73P658

Pintura

Alice Jorge (1924-2008)

Pintura, 1971 / Inv. P1373

Pintura

António Mendes (1944- )

Pintura, 1970 / Inv. P1442

Aparição

Eduardo Nery (1938-2013)

Aparição, 1972 / Inv. P1377

S/Título

Jorge Martins (1940-)

S/Título, 1970 / Inv. 73P430

Bride of Stillness

Ricardo da Cruz-Filipe (1934-)

Bride of Stillness, 1972 / Inv. 73P658


Eventos Paralelos

Concerto

Orquestra Gulbenkian

26 abr 1973
Palacio de la Música
Barcelona, Espanha
Conferência / Palestra

Reflexões sobre a Cultura. Alta Cultura e Cultura de Massa. O Intercâmbio Cultural entre Portugal e Espanha

30 mai 1973
Universidad de Salamanca (USAL)
Salamanca, Espanha

Publicações


Material Gráfico


Fotografias


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA 15390

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência interna e externa, cartaz e elementos para a elaboração do catálogo. 1971 – 1973

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Exposições e Museografia), Lisboa / SEM 00042

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência interna e externa e recortes de imprensa. 1973 – 1973

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA 13345

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência interna, ofícios, desdobrável do museu e plantas respeitantes à exposição de arte portuguesa no Mónaco. 1973 – 1979

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Exposições e Museografia), Lisboa / SEM-S007-P0360-D01062

24 provas, p.b.: aspetos (Sociedade Nacional de Belas-Artes, Lisboa) 1973

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Exposições e Museografia), Lisboa / SEM-S007-P0360-D01063

2 provas, p.b.: evento associado (Universidade de Salamanca, Salamanca) 1973 – 1973


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