Francisco Tropa. O Pirgo de Chaves

Ciclo «Conversas»

No cruzamento entre a escultura contemporânea e a arqueologia, a exposição reuniu um conjunto de obras de Francisco Tropa (1935-2012) e de artefactos encontrados nas Termas Romanas de Chaves. Realizada no âmbito do ciclo «Conversas», a partir da descoberta do pirgo, um raro objeto para lançar dados, a mostra refletiu um olhar sobre a história, o tempo e o acaso.

Em 2006, no decorrer de umas escavações que se realizavam no centro histórico de Chaves para a construção de um parque de estacionamento subterrâneo, foram descobertas, por acaso, as Termas Medicinais Romanas de Chaves.

O achado fez emergir do subsolo da cidade transmontana um dos maiores e mais bem preservados complexos de termas medicinais romanas da Península Ibérica, que é também um dos cinco mais bem conservados em todo o mundo (Costa, Jornal de Notícias, 12 mai. 2019, p. 4). A construção do parque de estacionamento que havia sido projetado para aquele local foi naturalmente recusada e procedeu-se à construção de um edifício que albergaria toda a estrutura posta a descoberto, e que viria a ser o primeiro museu termal romano do país, inaugurado em 2021 (Ibid.).

A exposição «Francisco Tropa. O Pirgo de Chaves» partiu de uma conversa entre os velhos amigos Sérgio Carneiro e Francisco Tropa (1968). Quando Sérgio, o arqueólogo responsável pelas escavações nas ruínas das termas romanas, começou a contar os detalhes do que encontrara — dados, peças de jogo em madeira e osso, inscrições de um tabuleiro de jogo nos degraus da piscina, e um pirgo, um curioso instrumento para o lançamento de dados — ambos concluíram que dali poderia nascer um projeto artístico interessante (Francisco Tropa. O Pirgo de Chaves, 2019, p. 8). Juntos, lançaram-se na criação desse projeto, vindo a ficar responsáveis pela curadoria da mostra.

Próximo de uma das piscinas termais, tinham sido encontrados os corpos de dois aquistas (um homem e uma mulher), tornando-se fácil reconstruir a cena seguinte: um casal jogava a Duodécima scripta, um jogo antecessor do gamão, recorrendo ao instrumento para lançamento dos dados, quando ocorre o sismo registado pelo bispo Idácio de Chaves na sua Crónica (Ibid., p. 6). A queda da abóbada de canhão e das toneladas de tijolos sobre este cenário, rapidamente soterrado em terras hidromórficas, tornou possível conservar até aos nossos dias «um instante de um dia de uma comunidade do final do período romano», algures entre a última década do século IV e a primeira do século V d.C. (Ibid.).

No momento em que teve contato com a descoberta, Tropa trabalhava numa obra da série Gigante (2006-2019); uma peça feita de pequenos ossos em bronze, na qual descobriu uma componente muito forte sobre o jogo (Marques, Negócios Weekend, 18 abr. 2019, p. 14). Além disso, parecia existir um antecessor do jogo Duodécima scripta que usava os ossos do pé como dados. Assim se fazia a primeira ligação entre a arte e o jogo, a arqueologia e a arte contemporânea; a premissa necessária para a realização do projeto.

O pirgo (ou pyrgo, em grego) era a obra-chave; a peça à volta da qual se desenvolveu a narrativa expositiva. Este objeto raro, que replica a forma de uma torre em miniatura, era um utensílio utilizado por algumas civilizações antigas (como a grega, a romana, a egípcia, por exemplo) para lançar dados e impedir que se fizesse batota. O seu funcionamento era simples: os dados eram lançados do topo da torre e caiam no seu interior, percorrendo três placas (ou lanços de escadas) colocadas num ângulo de 45º graus. Além de ser um artefacto em si interessante, conhecem-se apenas dois outros exemplares completos: um em bronze, encontrado em 1985 em Vettweiss‑Froitzheim, na Alemanha; e outro em madeira, descoberto ca. 1950 num túmulo de Qustul, no Sul do Egipto, juntamente com um tabuleiro de jogo, peças e dados (Francisco Tropa. O Pirgo de Chaves, 2019, p. 11).

Como afirma Nuno Crespo, «ainda que o mote da exposição (…) [fosse] a descoberta e interpretação do Pirgo de Chaves, (…) ele é um elemento entre outros nesta exposição cujo tema central [era] o jogo na sua aceção mais ampla» (Crespo, Público, 29 mar. 2019, p. 28). O que estava em causa era, afinal, não só o azar, a sorte e o acaso, mas também o momento em que se descobre a arte de viver, livre das necessidades tarefeiras do trabalho, e que acontece, segundo Bataille, através do riso, do jogo e do recreio (Ibid.).

Assim, como se de uma partida se tratasse, Tropa decidiu jogar com a permanência da escultura, monumento fixador da história, e tratá-la como um peão, audaz e flexível perante todos os possíveis oponentes: a instabilidade, a fortuna, a ocorrência imprevisível de um fenómeno natural, da «realidade, e dos seres que a agenciam» (Ibid.).

As obras de Francisco Tropa apresentadas na exposição eram, muitas vezes, anteriores à descoberta do complexo termal e dos artefactos ali encontrados. De facto, o artista resgatou obras que remontavam a 2006, colocando-as em diálogo com as 12 peças trazidas das termas medicinais, entre as quais se contavam: uma caixa de selo em cobre, um stylus, ou estilete, várias peças de jogo em pedra e osso, um anel com entalhe do II ou III século d.C., e fragmentos de uma taça campanulada em vidro, por exemplo.

A gramática formal das suas obras obedecia a uma certa simplicidade, natureza elementar regida pela intuição (Ibid.). Assim, além da geometria dos cubos, das pirâmides quadrangulares e dos cilindros, presente em objetos do quotidiano (como as garrafas, as caixas, ou os moldes tipográficos), o artista criara espaço para formas mais orgânicas encontradas nas peças de fruta, nas pedras, nas conchas, e nos ossos humanos. Algumas destas pequenas esculturas-peão, produzidas em bronze e cuidadosamente pintadas, regressavam às caixas de jogo. Outras eram desmontadas, reviradas e colocadas sobre a mesa, desta vez obedecendo não ao acaso, mas a uma série de relações formais muito evidentes, traçadas com propósito pelo artista que, desta forma, reforçava a sua autoria e declarava a sua capacidade performática, distinguindo-se do espetador, transportado para uma posição secundária de contemplação da arte (Francisco Tropa. O Pirgo de Chaves, 2019, p. 30).

No ambiente de penumbra, pontuado por breves momentos de luz, destacavam-se as obras dispostas ao longo dos vários tampos de mesa e nos plintos largos e quadrangulares, próximos do chão. O filme Scripta (2013) — a que o artista se refere como escultura-lanterna, numa clara homenagem ao cinema —, projetava na parede «uma gota de água (…) a cair (…) a intervalos regulares, numa mistura de sombra e projeção (Saraiva, SOL, 23 fev. 2019). A obra configura uma clepsidra, um dos instrumentos arcaicos da medição do tempo.

As referências são múltiplas. Além da óbvia referência à arqueologia e ao jogo — veja-se o pirgo, os dados, as moedas e fichas de jogo —, à natureza morta, e à refeição na mesa, sobre a toalha — nota para as composições criadas em Scripta (2009-2018) — , convoca-se a pintura de Giorgi Morandi (1890-1964), a obra de Samuel Beckett (1906-1989) e os bichos de Lygia Clark (1920-1988) — como em Antípodas (2014-2018), esculturas em mármore de Estremoz (Valentina, Umbigo, 29 mai. 2019).

No espaço do Museu, junto do núcleo de Arte Greco-Romana, seria colocada uma vitrina exibindo dois objetos que fizeram parte do processo criativo que deu lugar à exposição, e que permitiram equacionar as possíveis relações com a Coleção do Fundador. Além de criar um elo entre as duas exposições, a vitrina convidava o visitante a tomar conhecimento do processo que esteve na origem do projeto expositivo (Ibid.).

Embora se tenha contemplado uma itinerância da exposição na região norte do país, no MACNA - Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso, essa hipótese não se mostrou viável.

Ao longo de um total de 87 dias, a exposição atraiu cerca de 10.500 visitantes. Além das quatro visitas guiadas, entre as quais se incluem uma orientada pelo curador e pelo próprio artista, Francisco Tropa, foram organizadas catorze visitas extra para o público geral e para grupos escolares. A conferência sobre o pirgo e as termas romanas de Chaves, inicialmente prevista, não chegou a realizar-se (Relatório, 2019, Arquivos Gulbenkian, [cota brevemente disponível], p. 4).

A exposição teve uma «boa repercussão na comunicação social» (Ibid., p. 2). Além das entrevistas nos programas Cartaz e As Horas Extraordinárias na SIC (26 fev. 2019) e na RTP3 (13 mar. 2019), destaque para as críticas de José Luís Porfírio no Expresso (27 mar. 2019), e de Nuno Crespo — «Vestígios e Marcas» —, no Ípsilon, suplemento do jornal Público (29 mar. 2019), que avaliaram a exposição com quatro e cinco estrelas, respetivamente.

Nota para a entrevista de Susana Moreira Marques ao artista no Jornal de Negócios (18 abr. 2019), e para os artigos «Jogos de Azar e um golpe de sorte», de José Cabrita Saraiva no semanário SOL (26 fev. 2019), e «Objetos das termas de Chaves podem ser vistos em Lisboa», de Ana Correia Costa no Jornal de Notícias (12 mai. 2019). A exposição foi ainda alvo de referências na Time Out e no Jornal de Letras, Artes e Ideias (27 fev. 2019), de uma menção especial na rubrica «Semana de Lazer» do Público (23 fev. 2019), e de várias notícias online que replicaram o take da LUSA, nas plataformas da RTPGeradorVisão e Diário de Trás-os-Montes, por exemplo. Registaram-se ainda várias referências póstumas, devido à exposição do artista na Galeria Ala da Frente, em Famalicão (Ibid.).

Na imprensa especializada são de salientar os artigos de Cristina Sanchez-Kozyreva na Art Forum (7 abr. 2019), de Bárbara Valentina na revista Umbigo (29 mai. 2019), e uma referência à exposição na Arte Capital.net (22 fev. 2019).

«Francisco Tropa. O Pirgo de Chaves» recebeu «bom retorno» junto da comunidade artística nacional, e foi alvo de um considerável interesse por parte de vários diretores de museus europeus (Relatório, 2019, Arquivos Gulbenkian, [cota brevemente disponível], p. 5).

Madalena Dornellas Galvão, 2022


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Scripta

Francisco Tropa (1968-)

Scripta, Inv. 19E1905

Scripta

Francisco Tropa (1968-)

Scripta, Inv. 19E1905


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

À Conversa com o Curador Sérgio Carneiro e o Artista Francisco Tropa

1 mar 2019
Fundação Calouste Gulbenkian / Museu Calouste Gulbenkian – Galeria de Exposições Temporárias
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

[Francisco Tropa. O Pirgo de Chaves]

9 mar 2019 – 1 jun 2019
Fundação Calouste Gulbenkian / Museu Calouste Gulbenkian – Galeria de Exposições Temporárias
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias


Multimédia


Documentação


Periódicos

Sol

Lisboa, 23 fev 2019


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 04822

Pasta com documentação referente à programação das atividades da FCG para os anos de 2017 a 2019. Contém correspondência interna e externa. 2016 – 2017

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa

Conjunto de documentos referentes à exposição. Contém materiais gráficos, caderno de exposição, pressbook, entre outros. 2019

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 04755

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência relacionada com a itinerância da exposição para o Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso (MACNA), que não se concretizou. 2019

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 04687

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém dossier de exposição: planta, esboço de plintos (museografia), lista de obras, fotografias do projeto e das obras em execução, textos. 2018 – 2018

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 178834

Coleção fotográfica, cor: aspetos de sala (FCG, Lisboa) 2019

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 178877

Coleção fotográfica, cor: aspetos de sala (FCG, Lisboa) 2019

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 130003

Coleção fotográfica, cor: aspetos de sala (FCG, Lisboa) 2019

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 125748

Coleção fotográfica, cor: aspetos de sala (FCG, Lisboa) 2019


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