Com curadoria de Ana Vasconcelos, apoiada por Patrícia Rosas e Afonso Ramos, a exposição «Abstracção e Figura Humana na Colecção Britânica do CAM» reuniu 80 trabalhos de pintura, escultura e fotografia, representativos desta coleção. Inaugurou a 22 de janeiro de 2010, no piso 1 do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP), após treze anos sobre a última grande mostra dedicada à coleção de arte britânica da Fundação Calouste Gulbenkian – «A Ilha do Tesouro. Uma Perspectiva sobre Arte Britânica Contemporânea», para a qual fora selecionado um conjunto de 170 obras de 90 artistas britânicos.

Ana Vasconcelos traça, no caderno de exposição, o enquadramento histórico e artístico da mostra: «Num país onde a figuração, com uma pintura realista de forte matriz naturalista, teve uma expressão muito significativa, com implicações políticas no ressurgimento geo-estratégico do pós-guerra […], a arte britânica do século XX conheceu igualmente expressões abstractas, ou abstractizantes, de grande importância. Se, por um lado, a presença no país de artistas como Naum Gabo, Jean Arp, László Moholy-Nagy ou Piet Mondrian funcionou como um catalisador para a fixação de novas ideias e práticas artísticas, por outro, com a pressão concorrencial do Expressionismo Abstracto vindo dos EUA […], estimulou a produção abstrata e o seu reconhecimento público.» (Abstracção e Figura Humana na Colecção de Arte Britânica do CAM [caderno de exposição], 2010, pp. 4-5)

«Abstracção e Figura Humana na Colecção de Arte Britânica do CAM» foi concomitante à exposição «Jane & Louise Wilson. Tempo Suspenso» e desdobrou-se em sete núcleos (assinalados por cores diferentes, de modo a organizar o percurso expositivo), que abrangeram as diversas fases da arte britânica contemporânea. Subordinadas ao tema da abstração e figuração do corpo humano, todas as obras selecionadas para a exposição pertenciam ao núcleo de arte britânica do Centro de Arte Moderna.

Até 1970, muitas destas obras haviam figurado em importantes exposições internacionais, como as bienais de Veneza, São Paulo e Paris, e, um ano mais tarde, as principais obras adquiridas foram apresentadas na exposição «100 Obras de Arte Britânica Contemporânea da Fundação Calouste Gulbenkian», que esteve patente na Galeria de Exposições Temporárias da FCG em 1971. A seleção destas obras, que abrangem diversos campos artísticos (pintura, escultura e desenho), esteve a cargo de importantes personalidades, como o historiador de arte e ex-diretor da Tate Gallery, Alan Bowness, o pintor surrealista e historiador de arte Roland Penrose ou o crítico de arte Herbert Read.

O percurso expositivo iniciava-se na obra fotográfica Cock Door (1991), da dupla Gilbert & George (nascidos, respetivamente, em 1943 e 1942), prosseguindo depois para o núcleo dedicado ao construtivismo britânico, representado pela figura tutelar de Victor Pasmore (1908-1998). Seguiam-se outros movimentos britânicos, como o abstracionismo paisagista de St. Ives (em Cornwall), local onde se reuniram alguns artistas, nomeadamente em torno de Naum Gabo (1890-1977), e que deram origem a um novo grupo que marcou «decisivamente a arte britânica do pós-guerra» (Ibid.). No núcleo dedicado à Op Art, distinguia-se Bridget Riley e a sua obra Metamorphosis, concebida em 1963. Daí, o percurso conduzia ao grupo londrino Situation, formado por artistas que propunham uma maior envolvência com a arquitetura, pretendendo dar «resposta ao Expressionismo Abstracto americano e apresentava trabalhos abstractos de grande formato […], dando um cunho político a esta questão que permitia, simultaneamente, apresentar obras demasiado grandes para galerias comerciais e excluir os pintores de St. Ives» (Ibid.).

O período do pós-guerra traçou um panorama que opunha os artistas da abstração – movimento conhecido pela sua modernidade e liberdade de expressão – aos da figuração, ligada às políticas autoritárias da tradição britânica. Com a chegada dos anos 60, a arte britânica conhece um novo momento de afirmação, surgindo as experiências da Pop Art e da junção dos dois movimentos.

Neste caso em particular, a relação entre as duas linguagens plásticas, plasmada nesta exposição, surgiu, segundo a curadora Ana Vasconcelos, de «um sistema de referências ao trabalho de Victor Pasmore [1908-1998] e Richard Hamilton [1922-2011], ambos representados na colecção do CAM», e que marcavam presença nesta mostra com obras expostas nos extremos opostos da galeria do CAMJAP (piso 1).

Os trabalhos de Victor Pasmore, detentor de uma «carreira artística que o leva da figuração da Escola de Euston Road ao Construtivismo geométrico», e de Richard Hamilton, «visto como um pioneiro da instalação enquanto linguagem artística», apresentam-se como duas grandes referências na obra de Jane e Louise Wilson, cujas «imagens artísticas acumulam, sem conflito, valores simultaneamente figurativos e abstractos, que o observador passou a registar numa perspectiva igualmente inclusiva» (Ibid.).

Outros dois núcleos juntaram três artistas da Escola de Londres – Michael Andrews (1928-1995), Frank Auerbach (1931) e Leon Kossoff (1926-2019) – com um grupo de artistas escoceses que, a partir da década de 1980, ficou conhecido como «Renascença de Glasgow». Estes dois grupos partilhavam «um interesse pela representação da figura humana e pela relação com o passado artístico e histórico, evidente na citação de obras de arte e de diferentes episódios da História do século XX» (Ibid.).

A exposição apresentou também um núcleo de obras das décadas de 80 e 90, destacando nomes como Craigie Horsfield (1949), Antony Gormley (1939), o fotógrafo Boyd Webb (1947), Richard Hamilton, «referência fundamental da primeira geração pop», e, não menos importante, a dupla Gilbert & George, «cuja obra marcou a arte britânica desde 1970» (Ibid.).

As fotografias existentes permitem recriar um pouco do ambiente instalado no piso 1 do CAMJAP, onde o olhar era atraído para duas esculturas da autoria de Antony Gormley: a escultura em aço Domain – Brendan Toole (XXXXVIIII) (2004), que estabelece uma ponte entre figuração e abstracionismo, e Close II (1993), escultura em chumbo, fibra de vidro e gesso, que ocupa um lugar de destaque no pavimento da galeria. Ambas refletem o gosto do artista na utilização da figura humana enquanto campo infinito de possibilidades.

O folheto que acompanhou a mostra foi publicado em edição bilingue (português/inglês). Além de explicitar o programa da exposição, esta pequena brochura oferece breves descrições de todos os núcleos apresentados e a reprodução fotográfica de algumas das peças expostas.

Joana Atalaia, 2019